Revista Exame

Quem duvida de Zuckerberg depois do WhatsApp?

O Facebook pagou 19 bilhões de dólares pelo aplicativo de mensagens WhatsApp - mas ninguém sabe como e quando a conta vai fechar


	Zuckerberg: a compra do WhatsApp foi a 44ª em 10 anos de empresa
 (Bloomberg)

Zuckerberg: a compra do WhatsApp foi a 44ª em 10 anos de empresa (Bloomberg)

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Da Redação

Publicado em 8 de março de 2014 às 08h00.

Nova York - Mark Zuckerberg transformou o Facebook em uma das empresas mais bem-sucedidas do mundo por teimosia. Recusou ofertas bilionárias para vender quando o negócio começava a decolar, se fez de desentendido quando perguntaram sobre lucratividade e manteve o controle de um déspota sobre a companhia, mesmo depois da abertura do capital na bolsa (ele é dono de 55% das ações com direito a voto).

O foco de Zuckerberg na missão de “dar às pessoas o poder de compartilhar e tornar o mundo mais aberto e conectado” é concentrado como os raios de sol através de uma lupa. Mas uma coisa ­Zuckerberg não fez na curta e espetacular história do Facebook: queimar dinheiro.

É por isso que a fortuna que ele aceitou pagar pelo WhatsApp, um simples aplicativo de troca de mensagens por celular, provocou em muita gente ­duas reações, uma seguida da outra. A primeira foi arregalar os olhos — 19 bilhões de dólares. Bilhões, com B. A segunda foi coçar a cabeça: o que é que ele pode ter visto no WhatsApp para justificar tanto dinheiro?

Empresas de tecnologia trocam de mãos o tempo todo. “Isso é parte fundamental do que é o Vale do Silício”, diz Donna Hitscherich, diretora do programa de private equity da Universidade Colúmbia, de Nova York. “Empresas vendidas permitem que os investidores de risco recuperem seu dinheiro com lucro, sem a necessidade de abertura do capital na bolsa.”

Isso garante a saúde de todo o ecossistema e se traduz em mais incentivo — e também mais dinheiro — para a inovação. A fabricante de equipamentos de rede Cisco já adquiriu 160 empresas e lidera o ranking do site CrunchBase, que acompanha esse tipo de movimentação. O Google vem em segundo lugar, com 141, seguido pela Microsoft, com 130, e pela IBM, com 116.

O WhatsApp foi a 44ª aquisição do Facebook em seus quase 10 anos de vida. Mas, no caso da empresa de ­Zuckerberg, quase todos os negócios foram “aquisicontratações”, como se diz no Vale do Silício. A ideia é “comprar os talentos, atrair os bons engenheiros”, afirma Lenny Grover, analista e fundador da FinToolbox, empresa que produz software para investidores.

Em muitos casos, os produtos ou serviços das companhias compradas simplesmente são abandonados. Um bom exemplo é o FriendFeed, arrematado pelo Facebook em 2007 por 47,5 milhões de dólares. Em tese, o serviço ainda existe, só que nunca mais foi atualizado.

O FriendFeed tinha apenas 12 funcionários, mas seu fundador, Bret Taylor, foi escolhido para a posição-chave de diretor de tecnologia do Facebook por três anos — até pedir demissão para abrir mais uma startup.

Cada funcionário do FriendFeed custou a Zuckerberg quase 4 milhões de dólares. Cada funcionário do Whats­App, quase 350 milhões. Por mais brilhantes que sejam, não foi por 55 cabeças que Zuckerberg pagou 10% do valor de mercado do Facebook. “É difícil entender a matemática”, diz Gene Munster, analista-chefe do setor de tecnologia do banco de investimento Piper Jaffray. 

O WhatsApp é um serviço gratuito no primeiro ano e, a partir do segundo, custa apenas 99 centavos de dólar anuais. O crescimento no número de usuários é o mais rápido já visto, mas, mesmo que os atuais 465 milhões cheguem a 1 bilhão, todos pagantes, ainda falta um bom pedaço até que a conta da negociação se feche.

Ainda mais quando se lê o seguinte na página inicial do WhatsApp na web: “A publicidade nos faz correr atrás de carros e roupas, trabalhando em empregos que odiamos só para comprar m... de que não precisamos”.

A frase é de Tyler Durden, protagonista do filme Clube da Luta, e leva a um post intitulado “Por que não vendemos anúncios”. Nele, Jan Koum, fundador e presidente do WhatsApp, explica que seu objetivo com o aplicativo é “fazer o que a maioria das pessoas busca todos os dias: fugir da publicidade”.


Não há problema nenhum em não gostar de anúncios, mas fica difícil defender essa posição sentado na cadeira que Koum vai ter no conselho de administração de uma empresa que faturou 7,9 bilhões de dólares no ano passado — quase tudo graças à publicidade.

A posição oficial do Facebook é que o WhatsApp vai continuar independente, assim como aconteceu com o Instagram, aplicativo de compartilhamento de fotos que foi comprado pelo Facebook em 2012 por 1 bilhão de dólares.

Na opinião do americano David Nelson, estrategista-chefe do fundo Belpointe, o Facebook parece bastante à vontade em não recuperar o investimento nos próximos anos. “É o tipo de lógica da época da bolha da internet”, diz Nelson. “Presidentes querem comprar crescimento a qualquer preço.”

Muitos analistas concordam com essa opinião: o movimento de Zuckerberg seria essencialmente defensivo. Uma parte cada vez maior das atividades online passa pelos smartphones, e uma das atividades mais importantes de quem tem um smartphone na mão é trocar mensagens.

Uma das explicações para o enorme sucesso do Whats­App é que o aplicativo permite driblar os pacotes de mensagens instantâneas das operadoras. Embora nos Estados Unidos essa questão não tenha importância, pois no país os pacotes sempre incluem SMS ilimitados, na Europa, na Ásia e na América Latina o custo de trocar centenas (ou milhares, no caso dos adolescentes) de mensagens pode ser proibitivo.

Calcula-se que 72% dos usuá­rios de WhatsApp usem o aplicativo todos os dias, e o volume diário de mensagens em sua rede seja equivalente ao total mundial de mensagens de texto das operadoras de telefonia. O Facebook lançou um aplicativo próprio de mensagens, mas sua adoção não chegou perto dos números do ­WhatsApp ou de outros concorrentes.

Nova programação

Como qualquer empresa de mídia, o Facebook vende para os anunciantes a atenção dos usuários, e estava claro que aplicativos como o WhatsApp estavam roubando parte dessa “audiência”.

“Assim como as emissoras de TV querem ter o maior número possível de canais, o Facebook quer manter as pessoas sintonizadas em seu ecossistema”, diz o americano Tony Wible, responsável pela área de mídia e entretenimento do fundo Janney Montgomery Scott. 

Talvez a comparação mais apropriada seja com uma TV por assinatura. O dono de um smartphone tem milhares de aplicativos, ou canais, para assistir. O Facebook é apenas um deles. É por esse motivo que a estratégia da empresa nos últimos meses tem sido de desagregação.

Além do aplicativo-mãe, o Facebook tem seu canal de fotos (Instagram), mensagens (WhatsApp) e notícias (Paper), entre outros. “O Facebook está mudando um ponto central de sua estratégia”, diz Munster. “Antes, a ideia era centralizar todo tipo de atividade online em um só lugar. Agora o movimento é no sentido oposto.”

Zuckerberg, responsável por uma das grandes rupturas tecnológicas da era digital, sabe que um novo Facebook pode surgir a qualquer momento e de qualquer lugar. O WhatsApp é hoje essencialmente uma ferramenta de comunicação (serviços de voz e video­chamadas serão lançados nas próximas semanas). Mas o potencial de transformação em algo maior é enorme.

O WeChat, aplicativo da chinesa Tencent, tem as mesmas funcionalidades básicas do WhatsApp — e muito mais. O WeChat é a base sobre a qual a Tencent construiu um império de comércio eletrônico e jogos online. Uma semana antes do anúncio do Facebook, a gigante japonesa do comércio eletrônico Rakuten fechou a compra do Viber, outro serviço de mensagens, por 900 milhões de dólares.

“O Facebook está sangrando usuários mais jovens, e o WhatsApp tem milhões deles”, diz o analista Rob Enderle, da consultoria Enderle Group. O interesse nos adolescentes já havia feito o Facebook tentar uma ofensiva bilionária no mercado de aplicativos no ano passado.

Zuckerberg ofereceu 3 bilhões de dólares para comprar o Snapchat, aplicativo que envia imagens e as deleta segundos depois de ser visualizadas pelo destinatário. O americano Evan Spiegel, de 23 anos, criador do aplicativo que virou febre entre os jovens americanos, recusou a oferta.

Disse que achava que, pensando em longo prazo, sua empresa poderia se transformar num negócio maior do que o avaliado por Zuckerberg. Ninguém pode afirmar que o futuro das redes sociais vai ter a cara do Whats­App ou do Snapchat — mas também não se pode dizer o contrário.

Entender o negócio como um movimento ofensivo de Zuckerberg é mais difícil. Com a declarada aversão dos fundadores do WhatsApp por publicidade e as promessas de que o serviço vá continuar assim pelo futuro próximo, o potencial de receitas do serviço por enquanto está restrito ao dólar anual que cada usuário vai pagar.

Existe um potencial uso da montanha de informações às quais o Facebook vai ter acesso: saber o que os usuários falam­ em suas comunicações privadas permitiria que Zuckerberg fosse muito mais preciso na hora de mostrar seus anúncios. Mas esse é apenas um cenário.

O Facebook já tropeçou demais na privacidade dos usuários (ou na falta dela), e não há indicações de que o conteúdo das mensagens do Whats­App vá ser usado dessa maneira.

O preço pode ter sido exorbitante, mas os 19 bilhões de dólares compraram pelo menos certa sensação de tranquilidade. Apple e Google são donos de seus sistemas operacionais para smartphones e tablets. Ambos têm mensagens, ligações e videoconferências e contam com exércitos de desenvolvedores de aplicativos.

Garantido o território, o ataque pode esperar. Na última apresentação de resultados trimestrais, os analistas pressionaram Zuckerberg a falar do potencial de receitas do Instagram, a outra compra bilionária.

Ele se esquivou: “Ainda estamos tentando aprender a melhor maneira de abordar esse produto e vamos continuar devagar, porque é a coisa certa a fazer”. Anos atrás, quando perguntavam quando o Facebook daria dinheiro, a resposta era a mesma. Por que não ser teimoso agora?

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