No Brasil,tem a oferecer. São profissionais que aparecem apenas numa vaga lembrança de espírito na empresa. Eles fazem parte do que chamo de turnover virtual (iStock/Getty Images)
Autor do livro "Você em Ação"
Publicado em 24 de agosto de 2023 às 06h00.
Quem nunca, em uma roda de conversa de profissionais de RH, ouviu a clássica pergunta: “Quantas pessoas trabalham em sua empresa?” Para muitos, uma quantidade elevada de funcionários pode significar muitas coisas, desde ser uma organização reconhecida como uma grande empregadora até, falando em RH, ter um grande desafio de lidar com esse contingente. Mas nem sempre os números representam uma realidade única. E tamanho não é documento. Guarde este valor: 7,8 trilhões de dólares. Esse número está intimamente ligado a quantos funcionários trabalham em sua empresa. Muitas organizações no Brasil e no resto do mundo vivem assombradas e nem sequer perceberam isso. Estão cheias de espécies de zumbis corporativos que se arrastam pelos corredores, com correntes atadas, de forma silenciosa. O risco de essas pobres almas não serem tratadas é a própria empresa se ver acorrentada, sem disposição e capacidade para enfrentar as amea-ças reais. E quem são esses seres? Entre abril de 2022 e março deste ano, a consultoria Gallup ouviu trabalhadores em 160 países, inclusive o Brasil. Desse total, 77% em todo o mundo sentem-se desengajados. Por aqui, o cenário não é diferente: 72% dos funcionários não estão realmente conectados com o que devem fazer ou com o que a empresa tem a oferecer. São profissionais que aparecem apenas numa vaga lembrança de espírito na empresa. Eles fazem parte do que chamo de turnover virtual.
Um dos indicadores mais tradicionais quando o assunto são pessoas é o turnover. Saber quantas pessoas saem da empresa, de forma voluntária ou não, pode contribuir para o time de RH entender as saídas. Um dos principais motivos é a liderança ou o gestor imediato. A Feedz recentemente fez uma pesquisa com 176 profissionais brasileiros e descobriu a liderança como o segundo motivo mais forte para alguém pedir para sair. Segundo a pesquisa, 22% pedem demissão por discordarem da liderança. Outros 22% responderam que poderiam sair porque já não se sentem mais conectados com o propósito da empresa ou não se sentem reconhecidos. No primeiro lugar do ranking está o oferecimento de um salário maior. Pode até ser compreensível alguém ser levado por uma remuneração maior. Mas e se sua empresa tivesse um antídoto para isso? Uma dica vem da própria pesquisa da Feedz: 70% dos entrevistados reforçaram que o trabalho deles precisa ter significado e propósito. Outros 75% confessaram que era muito importante ter condições de usar os dons, talentos e forças que têm naquilo que fazem. Isso é um reflexo de quando conseguimos ativar o chamado sistema de busca do cérebro. É ele que cria impulsos para aceitarmos desafios. A questão é como fazer essa parte funcionar. No processo de motivação, ao “aceitarmos” e seguirmos esses impulsos do sistema de busca, há uma descarga de dopamina, o bom e velho neurotransmissor ligado ao prazer (sim, e à motivação também). E esse prazer faz com que busquemos aprender, enfrentar desafios e estarmos motivados. Numa empresa, os líderes são importantíssimos para ativar esse sistema nos demais.
Voltando à pesquisa da Gallup, podemos ter uma resposta mais próxima da real à pergunta sobre quantos funcionários trabalham em sua empresa. Agora, sempre que alguém responder, faça um cálculo mental para chegar ao dado preciso. Para facilitar, divida por três. Esse é o retrato fiel de quantas pessoas estão, de fato, dedicadas de corpo e alma ao que devem fazer, comprometidas e motivadas. E não apenas em espírito, presas por correntes ou limitadas por gestores mal preparados. Ou seja, uma coisa é saber quantas pessoas trabalham, e outra é saber quantas pessoas são contratadas. E há, ainda, uma pergunta que cada um deveria fazer: qual é o custo desse pessoal que já deixou sua empresa, mas continua na sua folha de pagamentos?
Lembram-se daquela cifra que está no início deste artigo? Um dos resultados da queda da satisfação no trabalho, de um grande número de funcionários que não estão engajados ou que estão ativamente desengajados, é um custo de 7,8 trilhões de dólares em perda de produtividade. Para ter uma ideia mais ampla, esse valor corresponde a 11% do PIB global. É muito dinheiro que vai para o ralo. Pior: é muito talento desperdiçado. Reverter esse cenário exige ações que muitos gestores conhecem. Contudo, como nem todos os números ou dados representam necessariamente uma realidade, também não é sempre que esse conhecimento se transforma em realidade. Essas ações vão desde reforçar o propósito da empresa, seus valores e missão, até reconhecer e recompensar os colaboradores, passando também pela criação de um ambiente saudável de trabalho.
É possível encontrar no mercado uma empresa excelente, mas com um ou outro líder que não é tão excelente assim. Muito provavelmente esse profissional terá seus dias contados na organização se esta for atenta aos reflexos de uma boa pesquisa sobre o pulso do time e se estiver aberta a ouvir o feedback dos colaboradores. Da mesma maneira, encontramos empresas que não são exatamente o modelo de empresa ideal para trabalhar, mas que possuem bons líderes e gestores. São eles que garantem a classificação “não exatamente”, pois sem eles seria “exatamente”. É bem possível que numa boa oportunidade saiam daquela para uma melhor. O líder é quem torna tangíveis no dia a dia a cultura e a gestão de uma organização no que chamo de microdenominador comum organizacional, que é a equipe dele. Não seria insensato dizer que é a liderança que ajuda a tornar uma empresa real para os demais. Porém, de acordo com uma pesquisa da Gallup, cerca de uma de cada dez pessoas possui o talento para gerenciar. Quase um de cada cinco dos gerentes demonstra ter um alto nível de talento para liderar times, enquanto outros dois de cada dez têm talento básico para isso. Esses grupos, quando combinados, contribuem com 48% mais de lucro para suas empresas do que os gerentes medianos. E mais um detalhe: os gerentes respondem por 70% da variação nas pontuações de engajamento dos funcionários nas unidades de negócios, estima a Gallup. Sem líderes preparados para inspirar, desenvolver, reconhecer e valorizar as pessoas, uma empresa não conseguirá manter por muito tempo o nível de engajamento de seus colaboradores. E, se um dia perguntarem para algum executivo dela quantas pessoas trabalham ali, o número será quase insignificante.