Revista Exame

Quem ajuda o cliente vende mais

A área comercial ganha um papel estratégico para um número cada vez maior de empresas. Elas se deram conta de que não basta mais empurrar produtos. É preciso ajudar os clientes a crescer — para, claro, conseguir vender mais


	Fábrica de tubos e conexões da Tigre: ajudar os clientes a melhorar a eficiência virou questão de sobrevivência
 (Divulgação)

Fábrica de tubos e conexões da Tigre: ajudar os clientes a melhorar a eficiência virou questão de sobrevivência (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 31 de janeiro de 2013 às 10h09.

São Paulo - A multinacional alemã Bosch é líder absoluta do mercado brasileiro de ferramentas elétricas Suas furadeiras, serras e esmerilhadeiras são usadas por pedreiros, carpinteiros e aventureiros de fim de semana — a Bosch tem metade do mercado nacional. Mas os executivos da empresa perceberam que o bom desempenho no varejo estava ofuscando o potencial de outro mercado: a construção civil.

A Bosch não tinha nenhuma estratégia para vender ferramentas às grandes construtoras que erguiam prédios nos quatro cantos do país. Para piorar, os funcionários dessas empresas até usavam máquinas da Bosch em seu dia a dia, mas totalmente ultrapassadas. Eram milhões de reais que a companhia deixava de faturar.

Para abrir esse novo mercado foi preciso ir além da venda tradicional. Em 2009, a Bosch montou uma equipe de 65 consultores para percorrer o Brasil. Nas 4 000 visitas que fazem por mês, eles ajudam as construtoras em uma de suas principais carências: treinamento para os profissionais sobre o uso de equipamentos em cada etapa da obra.

Eles chegaram a treinar em um só dia 300 operários que trabalham na reconstrução do estádio Mané Garrincha, em Brasília. Após os treinamentos, as construtoras Andrade Gutierrez e Via Engenharia conseguem economizar, em média, 23% no tempo de execução da obra e em material. A vida útil de uma máquina passa de dois para três anos. A Bosch, claro, também ganha — o trabalho da equipe responde hoje por 20% das vendas.

É um caso que ilustra o novo papel das equipes comerciais nas empresas brasileiras. Elas não se limitam mais a empurrar produtos. Agora, os vendedores também ajudam os clientes a expandir seus negócios e a aumentar a produtividade. O objetivo sempre foi e será aumentar as vendas.

Afinal, clientes em boa forma tendem a comprar mais produtos — e a escolher produtos mais caros. Após receber uma forcinha em sua gestão, eles também se tornam mais fiéis a seus fornecedores, o que evita que a empresa precise entrar em guerra de preços para manter os clientes ao longo dos anos.

“A competição não é apenas pelo melhor produto, mas pela venda mais eficiente”, afirma Linda Richardson, professora da escola americana de negócios Wharton. “Quem cria esse vínculo cresce mais.” Essa lição ganha especial importância em momentos como o atual, em que o baixo crescimento econômico do Brasil impede que as vendas cresçam naturalmente.


A montadora sueca Scania sabe bem o que é esperar por encomendas que não aparecem. Seus caminhões chegam a custar 30% mais que os da concorrência, o que é uma enorme barreira num momento em que os clientes estão contando os centavos. O maior desafio da empresa é justificar o investimento, mostrando que, no longo prazo, a economia de combustível compensa o investimento.

Para isso, a Scania mantém seis centros de ensino pelo país para treinar os funcionários das transportadoras. Segundo a empresa, os caminhoneiros treinados gastam 15% menos combustível (o que representa um terço do custo de operação de uma transportadora) e conseguem estender a vida útil dos pneus em 10%.

“O drama do meu cliente é gastar 500 000 reais em um caminhão e não encontrar gente capacitada para dirigir”, afirma o diretor-geral da empresa no Brasil, Roberto Leoncini. A promessa de treinar os profissionais fez com que a montadora fechasse recentemente um contrato para fornecer caminhões à mineradora Vale e à empresa de logística Júlio Simões.  

Apoio ao pequeno

Em alguns casos, ajudar na gestão dos clientes é fundamental para a própria sobrevivência das companhias. É o que acontece com quem depende de milhares de pequenos compradores, que naturalmente têm menos acesso às práticas modernas de gestão. Um exemplo é o atacadista mineiro Martins, de Uberlândia.

Cerca de 90% de seu faturamento de 3,9 bilhões de reais é ligado aos mercadinhos de bairro. São milhares de empreendedores que sofrem com margens apertadas e gestão ineficiente. Sempre foi assim. Porém, de uns anos pra cá, os executivos do Martins perceberam que o mercado estava se consolidando.

E que, se não ajudassem os pequenos comerciantes, ficariam reféns das grandes redes, conhecidas por endurecer o jogo nas negociações de preço. Em 2010, o Martins começou a treinar seus 4 000 vendedores para atuar também como consultores. Eles apresentam aos donos dos mercados um plano de gestão para melhorar em 20% a rentabilidade, que passa pelo investimento em categorias mais rentáveis (como higiene bucal e beleza), arrumação de gôndolas e até em reformas na loja (um braço do Martins elabora até os projetos arquitetônicos para os clientes).


Um exemplo recente é ilustrativo. Treinando do caixa ao estoquista, o profissional do Martins com o melhor desempenho até agora, Itamar Tavares da Silva, conseguiu dobrar o faturamento de um mercadinho em Patrocínio, distante 400 quilômetros de Belo Horizonte. Silva, que trabalha há 33 anos na empresa, viu sua comissão aumentar 30% desde que começou a atuar como consultor. Desde que mudou sua política, o Martins passou a crescer 12% ao ano — após três anos de vendas estagnadas. 

O mais difícil é entender qual tipo de ajuda é importante para os clientes — e quem são os clientes importantes. A fabricante de tintas Suvinil, por exemplo, percebeu que de nada adiantava treinar os varejistas se os pintores usassem suas tintas de maneira errada. Por isso, a empresa começou a organizar em 2010 grandes oficinas para ensinar aos pintores desde novas técnicas até a fazer um orçamento e a calcular custos da obra. Mais de 20 000 pessoas foram treinadas.

O gargalo na gestão nem sempre é óbvio. A empresa de tubos e conexões Tigre, por exemplo, contratou professores da Fundação Getulio Vargas para ensinar os donos de lojas de material de construção sobre sucessão. Boa parte dos varejistas está no momento de passar o negócio para a segunda geração. E dúvidas não faltam.

Qual a formação ideal do herdeiro? Como evitar conflitos? Desde 2005, quando o programa começou, foram treinados 450 proprietários. Por ano, a Tigre investe 3 milhões de reais (cerca de 1,5% de seu faturamento) neste e em outros treinamentos. “A gente fazia vários programas de relacionamento para os donos de lojas, com viagens e ingressos para a Fórmula 1.

Mas percebemos que isso foi caindo em um lugar-comum, uma corrida maluca de quem dá mais. Ele pode pagar isso do próprio bolso”, diz Paulo Nascentes, vice-presidente da Tigre. Agradar o cliente é sempre bom. Mas nem sempre esse agrado vira lucro.

Acompanhe tudo sobre:Edição 1032Estratégiagestao-de-negociosVendas

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda