Revista Exame

Que tipo de herança a Olimpíada deixará para o Brasil?

As obras planejadas para a Olimpíada têm mudado a cara do Rio, mas os benefícios poderiam ter sido maiores não fosse a crise econômica.

Os novos VLTs, no Rio: a obra dos bondes modernos custou 1,1 bilhão de reais (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Os novos VLTs, no Rio: a obra dos bondes modernos custou 1,1 bilhão de reais (Fernando Frazão/Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 3 de agosto de 2016 às 14h18.

São Paulo — Sair do bairro de ipanema em direção à Barra da Tijuca no fim de um dia de trabalho é um teste de paciência para os moradores do Rio de Janeiro. Vencer o percurso de 14 quilômetros — que é caminho para as principais arenas da Olimpíada, cuja abertura está marcada para 5 de agosto — demora até 1 hora e meia nos dias mais movimentados.

É um dos piores gargalos no trânsito da cidade. Desde que o Rio foi eleito para sediar os Jogos Olímpicos, em 2009, melhorar o fluxo para a região da Barra e de Jacarepaguá tornou-se­ um imperativo. Quando tudo estiver pronto — o que só vai ocorrer depois dos Jogos —, a região ganhará uma nova linha de metrô, quatro corredores de ônibus (conhecidos como BRTs) e mais vias expressas para carros.

Juntas, essas obras somam 12 bilhões de reais, metade do investimento em infraestrutura previsto para a Olimpíada. Apenas no metrô serão investidos 8,7 bilhões. Com a linha 4 do metrô, o trajeto entre Ipanema e a Barra será feito em 13 minutos e atenderá 300 000 pessoas por dia.

“As melhorias no transporte da cidade vão reduzir os custos de deslocamento, o que é bom tanto para quem consome quanto para quem produz na cidade”, diz Riley Rodrigues de Oliveira, especialista em competitividade da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. As obras de transporte são a parte mais visível do legado da Olimpíada para o Rio de Janeiro.

As mudanças eram urgentes para uma cidade que tem o quarto pior trânsito do mundo e muito prejuízo com os congestionamentos. O custo do tempo perdido no trânsito na região metropolitana do Rio equivale a 29 bilhões de reais — cerca de 8% do PIB metropolitano. Portanto, é possível que uma dimi­nuição significativa no tempo de viagem na cidade traga um ganho para a economia da metrópole.

A esta altura, praticamente véspera do início das competições esportivas, já é possível ter uma ideia dos efeitos produzidos pela realização da Olimpía­da. Por um lado, o resultado é inferior ao que foi prometido na megalomania de sete anos atrás. Ao todo, os investimentos e os gastos esperados para os Jogos deverão somar quase 76 bilhões de reais em sete anos.

Não é algo que faça diferença no PIB do país, encolhido por dois anos de recessão. Mas, neste momento de baixa, é um dinheiro que movimenta o comércio local, a construção e os fornecedores de equipamentos e serviços. O Rio, sem dúvida, sai em vantagem. “É verdade que o Rio foi afetado pela conjuntura econômica do país, mas a cidade vem fazendo uma série de melhorias que têm atraído investimentos.

Entre 2010 e 2015, foram cerca de 60 projetos e 3 bilhões de dólares em investimentos”, diz Marcelo Haddad, presidente da agência de promoção Rio Negócios, ligada à prefeitura do Rio. A revitalização da zona portuária, no centro da cidade, é outra herança positiva.

O projeto é chamado de Porto Maravilha e soma 9 bilhões de reais, aí incluídos a abertura de túneis, a reforma da orla, a melhoria da iluminação nas ruas, um teleférico e a construção de espaços culturais, como o Museu de Arte do Rio e o Museu do Amanhã, já inaugurados.

Além disso, a região estará conectada à rodoviária da cidade e ao Aeroporto Santos Dummont por meio das recém-entregues linhas de veículos leves sobre trilhos, os bondes modernos. A expectativa é que os investimentos transformem a região portuária em um polo de turismo e de desenvolvimento, atraindo moradias, lojas e escritórios. Cerca de 80 empreendimentos já estão planejados e licenciados.

Entre os projetos em construção há quatro hotéis, três escritórios, um estúdio de filmagem do site de vídeos YouTube e a nova sede da fabricante de cosméticos L’Oréal. No entanto, nenhum deles vai ser inaugurado antes dos Jogos Olímpicos, e o desejo de tornar o porto uma movimentada região de negócios vai ficar para depois. Nesse caso, o problema é conjuntural.

A recessão econômica em que o Brasil se encontra afeta os investimentos das companhias no Porto Maravilha. Até agora, só um prédio de escritórios foi inaugurado na região, no fim de 2014, pela incorporadora americana Tishman Speyer. Ele continua à espera de inquilinos. Apenas 5% da área disponível está ocupada. A estrutura da cidade para receber visitantes e eventos avançou.

O setor hoteleiro carioca ampliou a oferta de quartos de 31 700 para 52 300 nos últimos seis anos. De acordo com a Rio Negócios, 70 hotéis foram inaugurados no período, com investimento de 2 bilhões de dólares. No Riocentro, principal centro de convenções da cidade, um novo pavilhão foi construído. Ele sediará a disputa de boxe na Olimpíada e, depois, será transformado em um anfiteatro para 10 000 pessoas.

A expectativa é que a melhor infraestrutura ajude o Rio a atrair mais congressos e feiras internacionais. Até 2018, 144 eventos estão confirmados para acontecer na cidade, segundo a organização do setor Rio Convention & Visitors Bureau, bem mais do que os 38 previstos no início do ano. O efeito dos Jogos Olímpicos no turismo, no entanto, não é garantido.

Na Austrália, o número de turistas estrangeiros cresceu de 4,9 milhões, em 2000, ano da Olimpíada de Sydney, para 7,4 milhões, em 2015. Mas a cidade de Atlanta, nos Estados Unidos, não se tornou um grande destino turístico internacional por causa da Olimpíada de 1996. Hoje, ela recebe 700 000 visitantes estrangeiros por ano, pouco mais do que os 500 000 de 20 anos atrás.

“O impacto no turismo muitas vezes é resultado de outros fatores, como queda no preço dos voos ou das diárias de hotéis”, diz o pesquisador Jean-Loup Chappelet, professor na Universidade de Lausanne, na Suíça, e autor de livros e estudos sobre a Olimpíada. Além dos hotéis, empresas de outros setores aproveitam os Jogos para promover os produtos e ganhar mercado.

É o caso das patrocinadoras e apoiadoras do evento — um grupo de 11 empresas globalmente, como Samsung e Visa, e 18 no Brasil, como Embratel, Bradesco, Latam e Nissan. A operadora Embratel instalou 370 quilômetros de cabos de fibra óptica (um aumento de 10% na rede local) para garantir a transmissão de vídeo nas competições.

A expectativa é que isso ajude a oferecer um serviço melhor aos clientes corporativos após a Olimpíada. Já a companhia aérea Latam investiu 20 milhões de reais na operação e usará o evento para promover a marca, resultado da fusão entre a TAM e a chilena LAN em 2010. Fornecedores como a italiana Technogym, fabricante de equipamentos de ginástica, aproveitam os Jogos para avançar no mercado global.

Desde Sydney, em 2000, a Technogym é fornecedora oficial da Olimpíada. No período, sua receita passou de 137 milhões para 512 milhões de euros (cerca de 1,9 bilhão de reais). “Conseguimos levar nossa empresa para o mundo”, afirma o fundador e presidente Nerio Alessandri.

A locadora de carros Localiza, outra fornecedora, quer se tornar mais conhecida entre os turistas e as delegações estrangeiras que estarão no Rio. Em outras ocasiões, a Olimpíada serviu de coroação dos países que estavam em ascensão e buscavam reconhecimento no plano mundial. Assim foi com a Coreia do Sul, que usou os Jogos de Seul, em 1988, para promover sua indústria.

“Uma das melhores formas de sinalizar que o país está numa fase de abertura comercial é sediando um megaevento como a Olimpíada”, diz o economista Andrew Rose, professor na Universidade da Califórnia. Rose é autor de um estudo que identificou que os países que sediam os Jogos aumentam as exportações 20% mais do que os demais. Ninguém espera que a Olimpíada de 2016 faça o mesmo pelo Brasil.

A iminiência dos Jogos coincide com um momento — bem diferente do que se sonhava há sete anos — em que o país se vê às voltas com uma crise.

Outras notícias negativas, como a epidemia do vírus zika, os casos de violência e a poluição na baía de Guanabara, prejudicam os possíveis ganhos de imagem que a cidade e o país teriam com o evento. Nada disso, porém, deve tirar o ânimo de fazer o melhor possível numa festa com 206 países.

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