Revista Exame

O que está por trás do impressionante crescimento da Empiricus

Empresa especializada em vender relatórios com recomendações de investimento não sai da mira dos reguladores

Os sócios Caio Mesquista, Rodolfo Amstalden 
e Felipe Miranda: Empiricus em nova fase (Germano Luders/Exame)

Os sócios Caio Mesquista, Rodolfo Amstalden e Felipe Miranda: Empiricus em nova fase (Germano Luders/Exame)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 30 de novembro de 2017 às 06h04.

Última atualização em 30 de novembro de 2017 às 18h50.

No décimo andar do prédio de escritórios mais luxuoso da Avenida Brigadeiro Faria Lima, centro financeiro de São Paulo, 30 analistas de investimento têm o olhar fixo cada um em seu computador enquanto, a poucos metros de distância, dois monitores instalados contra o vidro do edifício espelhado dão informações em tempo real. Nada sobre o vaivém da bolsa, as cotações das commodities ou as últimas notícias, que costumam estar por toda parte numa empresa de investimento. Os monitores mostram apenas um número: o total de acessos ao site da empresa, atualizado a cada segundo. As telas servem de lembrete do que realmente tem valor ali, que é atrair interessados e transformá-los em clientes. É assim o dia a dia na Empiricus, empresa que se define como uma “publicadora de conteúdo” e que, cercada de polêmicas, virou um caso a ser estudado no mercado financeiro brasileiro.

O negócio da Empiricus é vender relatórios com informações sobre investimentos. Sua equipe de analistas produz 25 tipos — diários, mensais ou semanais — com estratégias para ganhar dinheiro na bolsa, na renda fixa, no mercado de câmbio e até mesmo no segmento de moedas virtuais. Todos têm três modalidades de assinatura: anual, trienal e vitalícia. O pacote mais barato custa 16 reais; o mais caro, que dá acesso vitalício a todos os relatórios da empresa, é vendido por 50.400 reais.

Existem dezenas de empresas assim no mundo, e o número de concorrentes vem crescendo também no Brasil. Mas, aqui, nenhum dos competidores tem o alcance e o porte da Empiricus. O número de clientes aumentou seis vezes desde 2014 e hoje chega a 180 000. Em 2016, o faturamento foi de 154 milhões de reais, e a expectativa neste ano é atingir 200 milhões. Seus principais rivais, a Eleven e a Suno, têm menos de 25 000 clientes. A Empiricus não divulga sua rentabilidade, mas a sobra de caixa permitiu a compra de metade do site de notícias O  Antagonista em março de 2016, por 5 milhões de reais, segundo EXAME apurou.

A empresa tem uma equipe sólida de analistas, muitos deles saídos de bancos, como BNP Paribas, HSBC e Itaú, e de gestoras como a Mauá Capital durante os anos de recessão. Mas esse fator, isoladamente, não explica o crescimento da Empiricus. O que faz a diferença é o marketing. “Sem um marketing agressivo, jamais teríamos chamado a atenção do mercado”, diz Felipe Miranda, um dos fundadores da companhia e responsável pela produção dos relatórios.

A equipe de marketing tem 15 pessoas, especializadas em fazer propaganda online de um jeito bem diferente do que fazem os concorrentes. “Queremos ter uma base grande de assinantes em todos os nossos relatórios. Por isso, temos uma fórmula para causar impacto nas pessoas”, diz Caio Mesquita, presidente da Empiricus. Em resumo: quanto mais polêmica, melhor. Enquanto as corretoras e as empresas tradicionais de análise escrevem relatórios com títulos como “Por que investir nas ações da empresa Y é um bom negócio agora” ou “As melhores debêntures incentivadas”, a Empiricus manda e-mails com chamadas do tipo “A estratégia capaz de transformar 1.500 reais em mais de 227.000 em apenas um mês” ou “Uma maneira totalmente inovadora de ter um lucro potencial de 995,1% [sim, vírgula um] em 12 meses”.

A linguagem é simples e clara, e o texto contém uma série de exemplos e de contas cujo objetivo é convencer o leitor de que é realmente possível multiplicar o dinheiro que tem — desde que, é claro, ele decida se tornar assinante e comprar o relatório que vai detalhar a estratégia. Para quem acha que o conselho só dá certo em situações específicas, há um aviso escrito em letras garrafais: “A estratégia funciona em todos os cenários”.

Dilma Rousseff: o relatório que previa o “fim do Brasil” se a presidente fosse reeleita mudou o rumo da Empiricus | Jussi Nukari/Ap photo

Levou um tempo para a Empiricus definir sua estratégia. A empresa foi fundada em 2009, quando Felipe Miranda e -Rodolfo Amstalden, que trabalhavam como analistas no site de notícias Infomoney, controlado pela gestora de investimento XP, conheceram Marcos Elias, ex-sócio da corretora Link. O trio decidiu empreender e convocou Caio Mesquita, ex-diretor dos bancos Brascan e BNP Paribas. No início, o mote era fazer relatórios bem-humorados e irônicos, algo até então impensável no mercado brasileiro. Um deles, sobre o empresário Eike Batista quando ainda estava no auge, dizia que Eike devia ter “uma gaveta lotada de fatos relevantes. A cada dia, ele pega um e manda publicar”.

Depois de alguns anos, os sócios perceberam que a irreverência não era suficiente para fazer a empresa crescer. Em 2012, quando enfrentava seu pior momento, com queda na receita e no número de clientes, a Empiricus passou a negociar uma sociedade com o grupo americano Agora, que reúne diversas publicadoras de conteúdo. A Agora comprou metade do capital no ano seguinte. Vieram dos americanos o dinheiro para investir em marketing e o conhecimento para criar as tais fórmulas para atrair clientes.

Os resultados começaram a aparecer em 2014, quando a Empiricus divulgou o relatório O Fim do Brasil, uma versão do relatório The End of America, escrito em 2010 pela americana Stansberry Research, que faz parte do grupo Agora. A versão brasileira previa a maior crise financeira desde a implantação do Plano Real caso a presidente Dilma Rousseff fosse reeleita. O cenário era o mesmo da maioria dos economistas brasileiros, mas ninguém soube tirar tanto proveito quanto a Empiricus e o próprio Miranda, que narra o texto do relatório.

No início de 2014, a empresa tinha 3.000 assinantes, que se tornaram 30.000 em dezembro do mesmo ano. Miranda lançou um livro com o nome do relatório e vendeu cerca de 30.000 cópias. Acabou ficando famoso. Na comemoração dos oito anos da empresa, no dia 7 de novembro, evento que contou com palestras do economista Eduardo Giannetti e do escritor Nassim Taleb, Miranda foi abordado por assinantes que pediam autógrafo, posavam para fotos e o chamavam de “ídolo” ou “gênio”.

O embate com os reguladores

Aos olhos das autoridades, porém, o sucesso comercial da Empiricus é cercado de problemas. Em novembro, a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) decidiu suspender por 30 dias, até 16 de dezembro, o registro de três analistas da casa, incluindo Felipe Miranda. A punição significa que eles estão proibidos de assinar relatórios — se fizerem isso, terão de pagar multa. O motivo, segundo a Apimec, foi o envio de e-mails contendo sugestões de investimento com garantia de retorno, o que é proibido.

Miranda diz que os textos são produto de marketing e não podem ser vistos como um relatório de análise. “Os e-mails não trazem informações sobre onde investir, ninguém poderia fazer isso só vendo a publicidade”, defende-se Miranda. Segundo ele, os relatórios detalham os riscos envolvidos, enquanto os e-mails são feitos para atrair novos clientes. Não é a primeira vez que a Empiricus e a Apimec batem de frente. Em 2015, Miranda foi questionado sobre o conteúdo de e-mails que também, na avaliação da Apimec, traziam promessas de retorno e assinou um termo de ajustamento de conduta comprometendo-se a não repetir o erro.

Em relatórios publicados no fim de 2011, a Empiricus questionou números do balanço do frigorífico Marfrig, alegando inconsistências contábeis. No texto, a Empiricus pediu a demissão de Ricardo Florence, diretor de relações com investidores do Marfrig e o chamou de “executivo metido a besta e enólogo de araque”. A Apimec considerou o texto incompatível com o que se espera de profissionais do setor e puniu os autores do relatório. Marcos Elias teve seu registro de analista suspenso por um ano, e Rodolfo Amstalden e Roberto Altenhofen pagaram uma multa de 2.040 reais. Elias deixou a empresa pouco depois, e agora acusa os sócios de forçarem sua saída. Elias não deu entrevista, e os sócios da Empiricus dizem que ele saiu por vontade própria.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado financeiro, está reformando a Instrução no483, que baliza a atividade das empresas de análise. A principal mudança é estender punições, hoje aplicadas apenas a analistas, para as casas de análise. Além disso, a CVM pretende regular o conteúdo não só dos relatórios mas também de e-mails, peças publicitárias e anúncios em redes sociais. “Com o aumento da atuação das empresas de análise, é necessário tornar a instrução mais abrangente”, diz Vera Simões, gerente de registros e autorizações da CVM. A Empiricus se diz favorável a uma maior regulamentação do setor, mas afirma que não é uma empresa de análise, e sim uma publicadora de conteúdo.

A companhia mudou seu objeto social em março deste ano de Empiricus Consultoria e Negócios para Empiricus Research Publicações. Segundo EXAME apurou, a mudança vai gerar uma economia fiscal, além da possibilidade de utilizar a liberdade de expressão como argumento quando os relatórios ou os e-mails forem questionados em órgãos reguladores ou mesmo na Justiça. “A opinião de uma publicadora está amparada pela liberdade de expressão. Produzimos o conteúdo, não vendemos os investimentos”, diz Mesquita.

O embate da Empiricus não é apenas com os reguladores. O banco BMG está processando a empresa por causa de um e-mail disparado em junho deste ano em que são listados três bancos brasileiros que “correm os maiores riscos de quebrar”. Não são citados os nomes, mas os advogados do BMG alegam que a descrição deixa claro que se trata do banco. E nem sempre as discussões envolvendo a empresa ou seus sócios são civilizadas. Em fevereiro, durante a Latin America Investment Conference, evento organizado pelo banco Credit Suisse com a presença de autoridades como o presidente da República, Michel Temer, Miranda agrediu o concorrente Tiago Reis, da Suno Research, com uma cabeçada. Os dois já vinham se estranhando havia alguns meses nas redes sociais e tinham trocado pelo celular mensagens impublicáveis. No encontro, Miranda, que é conhecido por ser “esquentadinho”, decidiu não deixar barato. Ele diz que errou na atitude e pediu desculpas ao Credit Suisse, mas não ao concorrente.

Além de aumentar o número de assinantes, a Empiricus quer continuar seguindo os passos da Agora e diversificar sua atuação. Nas diferentes subsidiárias, a sócia americana publica mais de 120 tipos de relatório, desde dicas de finanças até dietas de emagrecimento. A Empiricus lançou, neste ano, a Inversa, que também faz análises econômicas, e a Jolivi, que produz newsletters na área de saúde, como Vida sem Dor e SOS Saúde. Em outubro, Miranda promoveu uma pesquisa com clientes para saber a opinião deles sobre seu plano de abrir uma corretora. Quase 40% dos entrevistados disseram ser contra a iniciativa, principalmente porque poderia haver conflito de interesses — uma corretora ganha dinheiro quando os clientes fazem novos investimentos, nem sempre mexer na carteira é a melhor estratégia.

Ainda assim, de acordo com o que EXAME apurou, o plano continua de pé. O valor das recentes transações com plataformas de investimento — a XP foi vendida ao banco Itaú por cerca de 6,3 bilhões de reais, e a Guide ao grupo chinês Fosun, numa transação que avaliou a companhia em mais de 400 milhões de reais — fez com que os sócios da Empiricus ficassem atentos à oportunidade. E uma grande oportunidade, como gosta de dizer a empresa em seus e-mails, é algo que ninguém gosta de perder.

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