Revista Exame

Quanto antes, melhor investir na criança. Mogi já faz isso

O investimento em educação na primeira infância é a chave para ter uma população mais qualificada. Cidades como a paulista Mogi das Cruzes já avançam nesse rumo

Creche em Mogi das Cruzes: com 42 unidades novas em quatro anos, a cidade dobrou a oferta de vagas e já atende 50% da população com até 3 anos de idade (Alexandre Severo/EXAME.com)

Creche em Mogi das Cruzes: com 42 unidades novas em quatro anos, a cidade dobrou a oferta de vagas e já atende 50% da população com até 3 anos de idade (Alexandre Severo/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 15 de agosto de 2013 às 22h30.

São Paulo - Toda eleição é a mesma coisa: os candidatos se empenham em fazer a população acreditar que melhorar a educação estará no topo de suas prioridades. Geralmente, são promessas que dão em nada.

Em 2008, o administrador de empresas Marco Bertaiolli candidatou-se à prefeitura de Mogi das Cruzes, ci­dade de 400 000 habitantes na região metropolitana de São Paulo, e repetiu o discurso, afirmando que daria atenção especial à educação infantil.

A diferença é que, pelo menos por enquanto, Bertaiolli está cumprindo o que prometeu. Em quatro anos, a prefeitura de Mogi construiu 42 creches, com 5 000 vagas, dobrando o atendimento da rede municipal a crianças de até 5 anos. Com um detalhe: todas as novas creches seguiram o mesmo projeto executivo e são iguais, o que resulta em custos 20% menores de construção e manutenção.

Bertaiolli teve essa ideia em uma viagem aos Estados Unidos. “Quando fui fazer um curso de gestão pública na Universidade de Washington em 2009, estudei como as cidades ganhavam em economia de escala com ônibus escolares idênticos”, diz ele. “Decidi replicar o modelo na construção de creches em Mogi.” Bertaiolli colheu dividendos políticos por sua iniciativa: em 2012, foi reeleito pelo PSD com 80% dos votos.

Com as novas creches, Mogi das Cruzes atingiu, já em 2012, a meta do Plano Nacional de Educação — aprovado pelo Congresso no ano passado — de que, até 2020, todos os municípios no país tenham creches públicas para atender pelo menos 50% das crianças de até 3 anos.

Se cumprido, o plano poderá fazer grande diferença para a formação de futuros brasileiros mais qualificados. A importância de creches e escolas infantis de qualidade vai muito além da ajuda a pais que não têm com quem deixar os filhos no horário de trabalho.

Há vários anos, o americano James Heckman, da Universidade de Chicago, ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2000, tem se dedicado a demonstrar que o investimento em educação na primeira infância traz resultados preciosos para a formação dos cidadãos. Ele avaliou a trajetória de um grupo de 58 crianças pobres que estudaram nos anos 60 na escola infantil especial Perry, em Washtenaw, no estado de Michigan.

Elas tiveram a vida monitorada até a fase adulta, ao longo de 40 anos. Heckman estima que o retorno para o governo em termos de impostos e economia de serviços públicos será de 7% a 10% ao ano — ou seja, em 60 anos, 1 dólar pode virar até 12 dólares se investido em educação infantil de alto padrão.

O cálculo considera que as crianças tiveram melhor desempenho em todo o período escolar e, quando adultos, conseguiram empregos que lhes garantiram renda mais alta e dependência me­nor do governo. Por essa lógica, o in­ves­timento na primeira infância também é crucial para diminuir a desvantagem que os mais pobres têm frente àqueles que nascem em família mais rica. 

“A qualidade da creche é determinante para crianças cuja mãe tem baixa escolaridade”, diz Daniel Santos, professor de economia da Universidade de São Paulo. “É a chance que o pequeno tem de receber estímulos mais sofisticados e se desenvolver mais que sua própria família.”

Quem também se convenceu disso foi o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que foi aconselhado por Heckman durante a campanha vitoriosa de 2008. Obama elevou de 6,2 bilhões para 8,2 bilhões de dólares por ano o investimento no programa de educação infantil Head Start.


No Brasil, o economista Ricardo Paes­ de Barros, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, é um dos estudiosos do tema. Recentemente, ele analisou o programa de creches e pré-escola que a cidade do Rio de Janeiro vem implantando desde 2009. Quase 25 000 vagas já foram criadas nos 108 Espaços de Desenvolvimento Infantil da prefeitura carioca.

“As crianças devem ser imersas no ambiente letrado desde pequenas”, diz Cláudia Costin, secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro. “Elas precisam brincar com livros, e os professores precisam ler para elas. É uma das estratégias dos Espaços.” Ainda em fase preliminar, o estudo de Paes­ de Barros revela que as crianças que passaram pelas unidades têm mais facilidade na etapa seguinte, de alfabetização.

O Rio de Janeiro foi a cidade que apresentou o maior número de projetos de creches em maio ao programa federal Proinfância — foram 119 projetos, 20 mais que São Paulo. Esse programa foi uma das bandeiras da campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010. Na época, ela prometeu construir 6 000 creches no país até 2014.

Até agora, foram entregues pouco mais de 1 000 creches, e cerca de 2 500 estão  em obras. Mas, no Brasil, apenas 9% dos gastos públicos com educação vão para as crianças com até 5 anos, enquanto na França a proporção é de 30% e no México de quase 20%.

O Ministério da Educação sugere que o mínimo que um governo municipal deve investir por criança é 2 200 reais, mas estudos da ONG Campanha Nacional pelo Direito à Educação apontam que o valor deveria ser quatro vezes maior — e Heckman, que acabou rompendo com Obama, defende 8 000 dólares por criança. Mogi e Rio estão no meio do caminho. A primeira gasta 5 000 reais por criança; e a capital carioca, 6 400.

Só falta pagar bem

Por que a diferença no valor investido? Em Mogi das Cruzes, as creches seguem à risca o padrão recomendado pelo Ministério da Educação — média de um educador para cada seis crianças do berçário ou para cada oito de 1 a 3 anos. Os professores das crianças de 3 a 5 anos têm curso superior e alguns coordenadores pós-graduação em pedagogia.

O conceito de prédios padronizados, com área externa dotada de brinquedos e mini-horta, chamou a atenção do governador Geraldo Alckmin. Ele pediu à secretaria paulista de Educação que se inspirasse na expe­riência de Mogi das Cruzes para lançar em 2011 um programa estadual­ de construção de escolas infantis.

Apesar dos avanços, a realidade para os professores continua dura. Há auxiliares de desenvolvimento infantil que ganham 750 reais por mês cumprindo uma jornada de 44 horas semanais.

“A carreira desses professores ainda é muito desvalorizada”, diz Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Assim, é difícil criar uma política de educação infantil duradoura.” Pelo menos, com exemplos como Mogi das Cruzes e Rio de Janeiro, os primeiros passos começam a ser dados.

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