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Quando o verde vale mais que o concreto

Um estudo mostra que as unidades públicas de conservação poderiam injetar 2 bilhões de reais por ano na economia brasileira

Parque Nacionaldo Iguaçu, no<br />Paraná: a unidade de conservação mais visitada do país | Werner Büchel/Getty Images /

Parque Nacionaldo Iguaçu, no<br />Paraná: a unidade de conservação mais visitada do país | Werner Büchel/Getty Images /

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Da Redação

Publicado em 2 de agosto de 2018 às 10h04.

Última atualização em 2 de agosto de 2018 às 15h38.

No extremo oeste do Paraná está um dos pontos turísticos mais famosos do país. O Parque Nacional do Iguaçu, em Foz do Iguaçu, abriga 275 quedas d’água que chegam a 80 metros de altura, espalhadas numa extensão de 180.000 hectares. É a maior área remanescente de Mata Atlântica do sul brasileiro. Em 1999, seis décadas após sua criação, o serviço de visitação ao parque passou a ser gerido pela iniciativa privada, na primeira concessão do gênero no país. Desde 2009, o número de visitantes cresceu 50%. Hoje é a unidade de conservação mais visitada do país, com 2 milhões de turistas por ano.

O impacto econômico direto anual é de 46 milhões de reais, sem contar a movimentação gerada em comércio, hotelaria e outros serviços no entorno. Sob a gestão do Grupo Cataratas, que desde 2015 pertence ao fundo de investimento americano Advent, foram feitas melhorias como a instalação de um elevador para idosos e portadores de deficiência e um sistema de compra de ingressos online. “As pessoas só conservam o que conhecem”, diz Fernando Sousa, diretor de sustentabilidade do Grupo Cata-ratas, que também cuida de parte do Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro.

A trajetória de sucesso do Parque Nacional do Iguaçu destoa do cenário médio das unidades de conservação do país. O número total de visitantes contabilizados em 70 dessas áreas é considerado baixo: 17 milhões de pessoas em um ano — os 412 parques americanos recebem 330 milhões de visitantes por ano. A falta de gestão se reflete na ausência de dados mais abrangentes. Cerca de 80% das unidades federais e estaduais nem sequer registram a quantidade de turistas que recebem.

Um estudo, obtido com exclusividade por EXAME, acaba de calcular a capacidade de retorno econômico e financeiro desperdiçada nessas áreas. O esforço uniu uma coalizão de ONGs ambientalistas e universidades, entre elas a Conservação Internacional e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Conclusão: juntas, essas áreas verdes poderiam gerar receitas superiores a 2 bilhões de reais por ano — não apenas com o turismo mas também com produtos florestais. Na hipótese mais conservadora, o montante ficaria no patamar de 700 milhões de reais por ano. Ainda assim, é uma cifra bem acima do atual orçamento do Ministério do Meio Ambiente, que gira em torno de 200 milhões de reais. “Existe a falsa ideia de que criar unidades de conservação é um investimento sem retorno, mas está comprovado que dá retorno, e em várias frentes”, afirma Rodrigo Medeiros, vice-presidente da Conservação Internacional. “Só falta uma boa gestão.”

Nas unidades de conservação em que é possível explorar recursos e, ao mesmo tempo, respeitar a regeneração da floresta, a madeira em tora é o principal produto. A atividade é regulamentada via concessão pública em seis áreas de preservação, um mercado ainda pequeno diante da área disponível. Parte da explicação está atrelada ao tamanho do mercado ilegal de madeira nativa no país, que oferece concorrência desleal a quem faz negócio da maneira correta e diminuiu o interesse privado por essas áreas. Estima-se que 80% da madeira comercializada por aqui seja ilegal. O restante movimenta 1,8 bilhão de reais por ano, e poderia gerar um adicional de um terço desse valor se houvesse oferta mais estruturada de planos de manejo em áreas públicas.

A falta de incentivos ajuda a explicar por que outras atividades extrativistas, a exemplo da borracha, dos pescados, da castanha e do açaí, também estão subaproveitadas. Os casos da castanha e do açaí são mais emblemáticos. Em dez anos, essas cadeias cresceram, respectivamente,  20% e 112% em volume de produção no país. A demanda de exportação ajuda a explicar o fortalecimento dos produtos, mas ainda há um potencial represado. A Colômbia, por exemplo, é a maior exportadora de castanha amazônica do mundo, ainda que o Brasil tenha a maior fatia do bioma.

Hoje, a atuação dos chamados atravessadores, intermediários entre o produtor e o comprador, faz com que uma lata de castanha, vendida por cerca de 30 reais em São Paulo, renda somente alguns centavos ao produtor no norte do país. A distorção no preço do açaí é semelhante. Vendido por cerca de 5 centavos o quilo por comunidades extrativistas de áreas protegidas, o produto vale, em média, 2,5 reais o quilo no restante do país — fator que contribui para manter o mercado muito menor do que poderia ser.

Outros obstáculos atrapalharam o caminho da exploração sustentável dos parques. Até então, havia controvérsias sobre o entendimento da natureza jurídica das unidades de conservação — e se elas poderiam ser instrumento de editais de concessão. Isso acabou freando diversos projetos de parceria com a iniciativa privada. Mas uma lei aprovada há três meses deixou claro que essas áreas podem ser consideradas uma via de serviço público, o que facilita a criação de editais desse tipo daqui para a frente.

Outro problema é a própria escassez de recursos em instâncias responsáveis pelas concessões, como o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), que administra e monitora as unidades de preservação federais. Nos últimos 18 anos, o sistema de conservação federal duplicou de tamanho. E o número de funcionários nos parques é menor do que era na época da criação do instituto, em 2007. O Parque Nacional do Pau Brasil, a 35 quilômetros de Porto Seguro, na Bahia, ilustra esse descompasso. Criada em 1999, a área que protege as árvores que deram nome ao país só foi aberta ao público 16 anos depois.

Atualmente, o serviço de visitação está sob contratos privados em apenas quatro unidades de conservação entre as 2 146 existentes no país. No sistema de parques dos Estados Unidos, por exemplo, um dos mais antigos do mundo, a iniciativa privada administra desde o serviço de visitação e guia nas reservas até a estrutura de hotéis e acampamentos internos por meio de cerca de 600 contratos de concessão. “A melhor estratégia é conceder parte do serviço às empresas em áreas de maior potencial turístico”, afirma Paulo Carneiro, diretor do ICMBio. O órgão planeja lançar pelo menos sete editais de concessão nos próximos anos, e deve chegar a 18 no médio prazo.

Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará: invasão e desmatamento de área protegida | Vinícius Mendonça / Ibama

Segundo o Instituto Semeia, organização que se dedica a fomentar parcerias entre governos e empresas na gestão de parques naturais e urbanos, 52% dos parques brasileiros não têm recursos suficientes para realizar suas atividades, e só 32% deles contam com estrutura básica de apoio à visitação. “Não se trata apenas de desonerar o orçamento público, mas também de desenvolver todo o potencial e ampliar a eficiência na gestão dessas áreas”, afirma Fernando Pieroni, diretor executivo do Instituto Semeia, que atualmente acompanha o projeto de concessão de dois parques estaduais, da Cantareira e o de Campos do Jordão, ambos em São Paulo. Entre as dificuldades está também a questão fundiária. Hoje, cerca de 5% dos territórios administrados pelo ICMBio estão sob alguma disputa de terras. É o caso da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, que tem cerca de 40% da área sob pressão de invasores, que reivindicam a regularização de sua permanência por lá.

Além das oportunidades de negócio, o estudo obtido por EXAME contabilizou o valor dos serviços ecossistêmicos prestados pelas áreas protegidas, ou seja, aqueles providos pela natureza e que, na maioria das vezes, não entram na conta de empresas e governos. Resultado: um estoque de 10,5 gigatoneladas de carbono, quase cinco vezes a emissão de gases de efeito estufa no país em 2016. O volume equivale a um montante de 130 bilhões de reais. Os benefícios hídricos gerados pelas reservas também são altos. Chegam a 60 bilhões de reais, num cálculo que considera a proteção que elas garantem a rios e nascentes que servem de base para a geração de energia hidrelétrica e para o abastecimento de cidades. Os números comprovam que a conservação é um bom negócio para quem está perto e também para quem está longe da floresta. 

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