Desfile da Louis Vuitton: presença de celebridades e trilha sonora da Broadway
Da Redação
Publicado em 17 de março de 2011 às 09h11.
Dentro do museu do Louvre, no espaço conhecido como Cour Carré, o desfile da Louis Vuitton está para começar. Celebridades como Lenny Kravitz e Sofia Coppola tiram fotos com o presidente mundial da marca, Yves Carcelle, e com o herdeiro do grupo LVMH (iniciais de Louis Vuitton Moët Hennessy), Antoine Arnault. O público se acomoda.
Na primeira fila estão ainda o fotógrafo italiano Mario Testino, os críticos de moda das principais publicações do mundo e uma platéia de consumidores com algumas das maiores contas bancárias do planeta. O presidente do LVMH, Bernard Arnault, chega com 15 minutos de atraso. Todos se sentam e o desfile, enfim, começa.
A trilha sonora lembra os antigos musicais da Broadway. Por 20 minutos, 35 mulheres magérrimas usando saltos de altura perigosa, roupas em tons de amarelo, roxo e terra e as bolsas da nova coleção da Vuitton desfilam sobre uma passarela coberta de areia. Assim que o show acaba, uma ovação comportada.
Marc Jacobs, estilista da grife, agradece rapidamente os aplausos. Poucos minutos depois e não muito distante dali, os seguranças da loja da Louis Vuitton na avenida Champs-Elysées, em Paris, seguram a porta de vidro para impedir mais gente de entrar. O clima não é exatamente dos mais ordeiros. Forma-se uma fila. Turistas anônimos tiram fotos freneticamente em frente à loja. Lá dentro, uma visível maioria de asiáticos compra com avidez bolsas, carteiras, echarpes e outros artigos. Como há um limite de compras por passaporte, muitos estrangeiros pedem a outros que comprem por eles.
Embora pareçam acontecer em mundos paralelos, um sofisticado e o outro mais pop, as duas cenas descritas fazem parte do mesmo fenômeno. Elas são a face atual do mais bem-sucedido e mais duradouro caso de sucesso da indústria do luxo mundial: a Louis Vuitton. Companhia centenária, com origem nos tempos em que a França ainda tinha imperador, a Louis Vuitton tornou-se símbolo de status em todo o planeta.
Durante seus 150 anos de história, mesmo em períodos de guerra e crises econômicas, a marca resistiu com vigor. Diante de uma nova tempestade, a Louis Vuitton precisa agora encontrar um equilíbrio delicado para continuar a crescer. Por um lado, será preciso ampliar o mercado na classe média emergente, fonte do aumento de receita e dos lucros da empresa nos últimos anos.
Por outro, a grife não pode perder a aura de vender produtos exclusivos, de díficil acesso, que tenham o poder de atrair os clientes super-ricos. Abrir mão dessa clientela mais abastada seria um desastre para os objetivos da Vuitton. "Precisamos ser clássicos, mas temos de continuar entrando em novos mercados. Para que isso dê certo, porém, temos de ter muita disciplina", disse Yves Carcelle a EXAME.
Se alguém pode encontrar o ponto certo entre os dois mundos é justamente Carcelle, executivo de 60 anos conhecido pelo jeito afável como trata seus funcionários e pela incrível capacidade de gerar resultados. Sob seu comando, a Louis Vuitton atingiu uma condição invejável: a de um negócio global, bilionário e extremamente lucrativo.
Com mais de 400 lojas espalhadas pelo mundo, a empresa fatura 5 bilhões de dólares, tem margem superior a 40% e tornou-se a engrenagem central do grupo do qual faz parte, o LVMH. Sozinha, a Louis Vuitton responde por mais de 25% do faturamento e por mais da metade do lucro do LVMH. E olha que a concorrência interna é intensa. São mais de 60 marcas, todas de renome internacional, dos mais diversos setores.
Entre elas referências mundiais, como Dior, Givenchy, Tag Heuer e Moët & Chandon. Nenhuma, porém, chega perto de ofuscar o brilho da Louis Vuitton - seja em resultado, seja em prestígio. Segundo uma pesquisa recente da consultoria internacional Interbrand, o monograma LV é a 16a marca mais valiosa do mundo (21,6 bilhões de dólares), à frente de ícones como Apple, Nike e Sony.
A segunda marca de luxo no ranking, a Gucci, que pertence ao grupo concorrente PPR, fica muito atrás, na 46a posição, com um valor estimado em 8 bilhões de dólares. "A Louis Vuitton deve sofrer pouco com a crise. A marca deles é forte demais", diz Jez Frampton, presidente mundial da Interbrand.
Por trás de Carcelle e do grande salto da Louis Vuitton existe a participação de outra figura relevante: o empresário Bernard Arnault, 13o homem mais rico do mundo, com patrimônio estimado em 25,5 bilhões de dólares. Aos 59 anos, Arnault é mais conhecido por seu temperamento polêmico e pela arrogância do que por seus méritos como empresário.
Mas foram suas algumas das decisões que levaram a Louis Vuitton e o grupo LVMH ao topo da indústria do luxo mundial. Diferentes no estilo, Carcelle e Arnault se reúnem todas as semanas para discutir o futuro da companhia. Nessas ocasiões, as diferenças entre os dois ficam ainda mais evidentes. Carcelle costuma ficar plácido enquanto Arnault cobra explicações sobre tudo, dos custos de produção aos detalhes das campanhas publicitárias.
Às vezes, ele ultrapassa os limites. "Certa vez, numa reunião, ele perguntou por que uma revista americana não estava dando boa cobertura a nossos desfiles", diz um executivo da Dior. "E, meio brincando, meio sério, sugeriu cortarmos os anúncios em represália." Também costuma ser bastante conservador nas decisões sobre os rumos da empresa.
Seu filho, Antoine Arnault, que é diretor de comunicação corporativa da Vuitton, declarou ao jornal francês Libération que teve trabalho para convencer o pai de que as fotos da campanha publicitária da Vuitton com o ex-presidente da União Soviética Mikhail Gorbachev não prejudicariam a imagem da marca. "Quando meu pai soube que um ex-dirigente comunista faria a publicidade da Vuitton, ficou um tanto circunspecto, mas acabou concordando", disse o herdeiro, de 31 anos.
Apesar de improvável, a química entre o tranqüilo Carcelle e o agitado Arnault tem funcionado muito bem para o grupo LVMH e, em especial, para a Louis Vuitton. Quando chegaram à empresa, no início dos anos 90, Arnault e Carcelle encontraram uma marca fortíssima no Japão, que garantia o crescimento das receitas e dos lucros, mas bastante desgastada no resto do mundo.
Em 1997, quando a Vuitton contratou o americano Marc Jacobs para desenhar suas primeiras roupas, a todo-poderosa Anna Wintour, editora de moda da Vogue americana, disse à New Yorker que o monograma LV em dourado e marrom lembrava esteiras de aeroportos e os emergentes de Miami.
A primeira mudança, portanto, precisava ser de imagem, e foi aí que Jacobs se mostrou uma aposta certeira. Seus desfiles de roupas deram à Louis Vuitton uma aura fashion que uma empresa de bolsas dificilmente conseguiria. As roupas vendem pouco, estima-se que signifiquem apenas 10% das receitas da marca.
Mas os desfiles têm cobertura mundial, aparecem em todas as revistas femininas e ajudam a fixar a marca na memória da consumidora. "Até a chegada de Marc Jacobs, a Vuitton era apenas uma empresa de acessórios. Depois dele, passou a ser uma marca de moda", diz Carlos Ferreirinha, da consultoria especializada em luxo MCF e ex-presidente da Louis Vuitton no Brasil.
Uma segunda mudança, tão fundamental quanto a decisão de produzir roupas, foi a intensa verticalização dos negócios da empresa. Resultado de uma opção feita por Carcelle e Arnault, ainda no início dos anos 90, a companhia decidiu fazer intramuros tudo o que fosse possível. Novas fábricas foram construídas e mesmo os produtos terceirizados passaram a ser submetidos a um rigoroso controle de qualidade.
Até o criador do gado que fornece o couro para as bolsas obedece a um protocolo estabelecido pela Vuitton. Ao contrário de outras marcas de luxo, que ainda trabalham com franquias, na LV todas as 414 lojas são próprias. Para isso, foi preciso realizar um movimento caro e complexo. Em 1990, 30% das lojas da marca estavam nas mãos de franqueados. Foram todas recompradas ou tiveram seus contratos cancelados. O visual também foi reformulado e unificado.
A empresa mantém hoje dezenas de arquitetos pelo mundo - só em Paris são mais de 30 - para projetar suas lojas, um luxo a que poucas companhias podem se dar. "Atuando dessa maneira, sabemos exatamente quais são os produtos que realmente saem da prateleira, pois quem vende são nossos funcionários. Isso nos dá flexibilidade para adequar a oferta e o ritmo dos lançamentos às necessidades do mercado", diz Pietro Beccari, vice-presidente de produtos da LV.
Uma visita à primeira fábrica da Louis Vuitton, em Asniéres, no subúrbio de Paris, dá uma pequena amostra de como esse modelo funciona. Construído em 1859, atrás da casa que já abrigou sete gerações da família Vuitton, o imenso galpão foi reformado em 2005. Mas, apesar de ainda ser chamado de oficina, e os funcionários, de artesãos, por dentro o clima é mesmo o de uma linha de produção - e o sistema de lá foi igualmente adotado nas outras 13 fábricas ao redor do mundo.
Cada unidade tem, no máximo, 250 funcionários, que trabalham num esquema inspirado no modelo da Toyota. Em vez de um "artesão" fazer uma bolsa do começo ao fim, como antes, as funções foram divididas. Cada bolsa é feita por grupos de seis a 12 funcionários. Além de tornar mais ágil a produção e ajudar a reduzir os defeitos, o novo modelo permitiu que a Vuitton lançasse mais produtos a cada ano.
O tempo para a chegada de produtos às lojas também foi reduzido à metade. Para isso, foi muito importante a construção de um novo centro logístico. Localizado na cidade de Cergy, a 30 quilômetros de Paris, dali saem os produtos que serão enviados a seis centros regionais de distribuição espalhados pelo planeta.
A partir de agora, e mais do que nunca, toda a estratégia do grupo vai depender de um bom desempenho nos mercados emergentes. Nesses países estão os novos super-ricos e também uma classe média emergente disposta a consumir produtos com a marca da empresa. Hoje, segundo a analista Melanie Flouquet, do banco JP Morgan, os países emergentes já respondem por 15% das receitas da Vuitton. Mas ainda há muito espaço para crescer.
Nos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), que têm juntos mais de 2,5 bilhões de habitantes, são 37 lojas com o monograma LV. Nos Estados Unidos, com população em torno de 300 milhões de pessoas, o número de lojas é o triplo disso. Quando a Vuitton chegou à China, em 1992, o país não era essa potência que ajudou o mundo a crescer nos últimos anos. Hoje, com 25 lojas, é um dos mercados em que a marca mais cresce.
O Brasil, com apenas cinco lojas, é outro país com elevado crescimento das receitas, próximo de 30% ao ano. O problema é que as vendas por aqui ainda representam cerca de 1% do faturamento mundial da Vuitton. "Vamos continuar crescendo nos países emergentes", afirmou Antoine Arnault a EXAME.
"Talvez eles não compensem totalmente os efeitos da crise, mas com certeza são eles que vão ajudar a impulsionar nosso crescimento neste momento." A Louis Vuitton já passou ilesa por outras turbulências. Com essa estratégia, Arnault e Carcelle pretendem sobreviver a mais uma.