Revista Exame

Como as empresas estão ampliando processos seletivos de vagas afirmativas

Vagas afirmativas e com linguagem neutra ganham espaço nas empresas. Confira, a seguir, como essa política vem sendo tratada nos processos seletivos

Luciana Paganato, VP de recursos humanos da Unilever Brasil: barreiras que poderiam desencorajar os candidatos foram retiradas (Divulgação/Divulgação)

Luciana Paganato, VP de recursos humanos da Unilever Brasil: barreiras que poderiam desencorajar os candidatos foram retiradas (Divulgação/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 30 de junho de 2022 às 06h00.

Última atualização em 30 de junho de 2022 às 15h12.

As vagas afirmativas (leia-se aquelas direcionadas a grupos historicamente desfavorecidos, como mulheres ou pessoas negras) estão cada vez mais presentes no mercado. Um levantamento feito pela empresa de recrutamento Gupy a pedido da EXAME mostra que, nos últimos 12 meses, foram publicadas mais de 1.400 vagas do tipo na plataforma — um crescimento expressivo, considerando-se que, no mesmo período anterior (entre 2020 e 2021), foram apenas 20.

As postagens de emprego usando linguagem neutra (sem gênero) — por exemplo, “pes­­­so­as engenheiras” — também aumentaram. Nos últimos 12 meses, foram anunciadas mais de 16.000 delas nesse formato. O crescimento, em relação ao mesmo período anterior, foi de 283%. A amostra incluiu a análise de 450.000 vagas e mostra que, apesar do aumento expressivo, as vagas afirmativas representam menos de 1% do total. Aquelas com gênero neutro, menos de 5%.

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Head de diversidade e inclusão na Gupy, ­Tamara Braga comenta que ambas as iniciativas ajudam a aumentar a diversidade nas empresas, principalmente por causa de sua intencionalidade, mas de maneiras diferentes. “O uso do gênero neutro ajuda a incentivar mais pessoas de grupos de diversidade, principalmente mulheres, a se candidatarem às vagas. Enquanto isso, as vagas afirmativas, de fato, oferecem mais oportunidades especificamente para algumas populações, sendo assim uma ótima ferramenta para as empresas que traçam metas de diversidade com base em censos”, diz.

Diversidade na prática

A Dasa, empresa da área da saúde com cerca de 50.000 funcionários, diz usar as vagas afirmativas de maneira pontual e direcionada desde 2019. “Estamos evoluindo para que as vagas afirmativas façam parte da política de vagas da empresa e nos ajudem, assim, a alcançar as metas de diversidade e inclusão”, afirma ­Fabio Rosé, diretor-geral de pessoas e cultura da Dasa. Uma prática já comum é publicar vagas que atendam tanto homens quanto mulheres. “Se temos uma vaga de enfermagem, o título dela é ‘enfermeiro(a)’, ‘coordenador(a)’ e assim por diante, para todos os níveis de cargos e todos os tipos de vagas. Essa é uma maneira de mitigarmos o efeito já muito estudado de que mulheres, cis ou trans, se candidatam menos para vagas cujo nome está no ‘masculino’ do substantivo”, diz Rosé.

Atualmente, 55% dos funcionários da companhia se declaram negros e 78% do quadro é formado por mulheres. “Estamos, neste momento, rodando o novo censo de diversidade, que nos dará informações sobre nossa demografia LGBTI+”, conta o executivo. Em 2021, segundo ele, foram contratadas mais de 30 pessoas trans. “O objetivo é continuar trabalhando para que a pluralidade esteja cada vez mais presente em nosso dia a dia.” Entre as metas do ano estão desafios como ampliar o número de pessoas com deficiência e pessoas trans na companhia, aumentar a quantidade de pessoas pretas e pardas na liderança, e a de mulheres negras na alta cúpula. “Entendemos que essa estratégia de vagas afirmativas seja essencial para a evolução desses indicadores na empresa”, afirma o executivo.

A Unilever também faz uso de ações afirmativas em seus processos de recrutamento e seleção, além de adotar a linguagem neutra na divulgação das oportunidades. “Acreditamos no poder das ações afirmativas para a promoção da equidade, da diversidade e da inclusão”, diz Luciana Paganato, vice-presidente de recursos humanos da Unilever Brasil. Ela explica que, para vagas em geral, há sempre um olhar para processos afirmativos. “Os times de equidade, diversidade e inclusão e talent acquisition fazem uma avaliação da lista de candidatos finalistas para que o processo seja 100% afirmativo”, relata. “Avaliamos a demografia dos times na perspectiva de gênero, raça e deficiências, para poder, a partir dessa análise, sugerir qual grupo precisa ser priorizado entre os candidatos finalistas para que façamos uma contratação afirmativa e que traga mais representatividade.”

Tamara Braga, head de diversidade e inclusão na Gupy: o uso do gênero neutro incentiva mais pessoas de grupos de diversidade a se candidatarem às vagas (Divulgação/Divulgação)

O programa de estágio da Unilever, hospedado em um site com o endereço unileverparatodes.com.br, é exemplo de como a linguagem neutra vem sendo adotada pela empresa. “A linguagem inclusiva, que é mais usada e difundida pelo público jovem, também surge como uma maneira de atrair esses novos talentos, que ajudarão a cocriar uma Unilever cada vez mais inclusiva e que represente a pluralidade da sociedade”, explica ­Paganato. Além disso, algumas barreiras iniciais de contratação que poderiam desencorajar os candidatos foram retiradas, como os requisitos de inglês e o nome da universidade. Como resultado, 65% dos estagiários contratados neste ano são pessoas negras — autodeclaradas pretas ou pardas ­—, 66% são mulheres, 5% são pessoas com deficiência e 18% são LGBTI+.

CEO da Diversity Box, uma consultoria especializada em diversidade, Pri Bertucci acredita que não é preciso usar pronomes de gênero neutro para criar vagas afirmativas. “É preciso apenas conhecimento suficiente para elaborar uma descrição de vaga que use comunicação inclusiva e não faça marcações gramaticais de gênero nem no masculino nem no feminino; ou seja, que aplique a linguagem inclusiva e não sexista de gênero”, diz. É o caso da Bristol Myers Squibb­ Brasil. A biofarmacêutica promove vagas afirmativas apenas de forma pontual, especialmente para pessoas com deficiência. “Isso porque temos tentado buscar pessoas­ que representem as diferentes dimensões de diversidade — mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência — para todas as vagas”, diz Jennifer Wend­ling, diretora de RH e líder do comitê de diversidade e inclusão da BMS Brasil. A estratégia tem dado certo. Dos 287 funcionários da empresa no país, 189 são membros dos grupos de diversidade.

Os avanços em relação à diversidade nas contratações são visíveis, mas o caminho ainda é longo. Bertucci comenta que um viés comum é a contratação de pessoas mais diversas, mas que só ficam na base da pirâmide, em cargos operacionais, sem participar de importantes tomadas de decisão. “Nos próximos anos, esperamos observar mais consciência das empresas sobre o fato de que não adianta elas acharem que vão conseguir mudar um paradigma de mais de 2.000 anos fazendo ações pontuais apenas, como uma semana da diversidade, ou uma palestra aqui e outra ali”, alerta. Nesse sentido, além de políticas que precisam ser defendidas pela alta liderança, é o momento de olhar para a interseccionalidade. “Precisamos elevar o patamar sobre como falamos de diversidade no ambiente corporativo”, conclui.

A Inclusão vai muito além de uma semana de diversidade

Pri Bertucci, CEO da Diversity Box: dossiê de linguagem neutra e inclusiva para ajudar as empresasPri Bertucci é referência quando o assunto é diversidade. CEO da Diversity Box, pesquisa o assunto há mais de duas décadas e identifica-se como pessoa parda, não branca, transgênero, não binária e gender queer. Sua consultoria apoia as empresas no caminho da diversidade e criou um dossiê de linguagem neutra e inclusiva para ajudá-las nessa trajetória. “Esse documento pode nos ajudar a ir além da binariedade e da polarização social que enfrentamos neste momento da história”, diz. Confira a entrevista de Bertucci à EXAME CEO.

Muito se fala em diversidade e inclusão, mas você enxerga um avanço real nas empresas?

Em grandes corporações, em especial multinacionais, diversidade, equidade e inclusão não é um assunto novo. Mas agora as empresas estão no momento de sair da zona de conforto. A “diversidade perfumaria” [sobre aquelas que fingem que estão fazendo algo só para sair bem na foto, mas na verdade não se preocupam com as verdadeiras transformações] está cada dia mais evidente. Não adianta elas acharem que vão mudar um paradigma de mais de 2.000 anos somente com ações pontuais, como uma semana da diversidade, ou uma palestra aqui e outra ali.

Todas as agendas da diversidade estão caminhando no mesmo ritmo? Ou a de gênero está mais avançada?

Definitivamente não. A maioria das empresas ainda está, sim, na pauta de gênero, mas de forma completamente enviesada. Um problema que percebo é que, quando se fala da pauta de gênero, só são incluídas mulheres cis e na maioria branca. O desafio de pensar de forma interseccional é gigante.

Quais são os outros obstáculos?

Conhecimento e letramento. Nessa jornada, cada pessoa está em um estágio diferente de compreensão, e por isso queremos aproximar as pessoas de conceitos, nomenclaturas e experiências. É importante que as pessoas possam aprender a falar com sua equipe, contratar pessoas diversas e ajudá-las a se desenvolver sem medo de falar errado, ou esquecer pontos importantes; afinal, todes ainda estamos aprendendo!

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