Revista Exame

Procura-se (para ontem!) candidatos a “novo Buscapé”

Os principais fundos especializados em startups captaram quase 2 bilhões de reais para investir aqui - só falta uma grande história de sucesso

Romero Rodrigues, sócio da Redpoint e.ventures (Fábio Sarraf/Exame)

Romero Rodrigues, sócio da Redpoint e.ventures (Fábio Sarraf/Exame)

NB

Naiara Bertão

Publicado em 27 de fevereiro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 8 de junho de 2017 às 09h35.

São Paulo – Aos 39 anos, o paulistano Romero Rodrigues é uma espécie rara — raríssima — no ecossistema empreendedor brasileiro. No já longínquo (para os padrões da internet) ano de 2009, Rodrigues vendeu sua empresa, o comparador de preços Buscapé, ao grupo sul-africano Naspers por 342 milhões de dólares. O negócio representou uma espécie de símbolo do potencial do mundo digital brasileiro.

Rodrigues, que fundou a empresa aos 21 anos com três amigos de faculdade, virou o exemplo a ser copiado por uma geração de empreendedores que pretendem criar o novo Buscapé. Mas, entra ano, sai ano, Rodrigues vai consolidando seu status de avis rara: onde está o novo Buscapé? Se está difícil responder, a razão é simples: apesar de tanto auê, de tanta startup surgida no Brasil nos últimos anos, até hoje ela não pintou.

Há pouco mais de um ano, Rodrigues decidiu se juntar a um grupo de investidores cujo objetivo é, justamente, encontrar o novo Buscapé — ou, no jargão hoje em voga no Vale do Silício, o “unicórnio”, como são conhecidas as empresas de tecnologia que valem mais de 1 bilhão de dólares. Ele se tornou sócio da Redpoint e.ventures, empresa especializada em investir em startups de tecnologia.

Ao lado da brasileira Monashees e da argentina Kaszek Ventures, a Redpoint forma a elite dos fundos de venture capital que operam no Brasil. Esses três fundos são sócios de 108 empresas brasileiras. Estão no grupo marcas conhecidíssimas do público, como o aplicativo de táxis 99, a empresa de cartões de crédito Nubank e o site de busca de imóveis VivaReal — além de praticamente todas as líderes do comércio eletrônico nacional, da Netshoes à Movile.

Juntos, esses três fundos levantaram quase 2 bilhões de reais para encontrar os “unicórnios” brasileiros. Outros fundos de menor porte captaram mais 500 milhões de reais. “O Brasil tem hoje empreendedores mais bem preparados e existe uma rede de apoio para eles, formada por escritórios coletivos, aceleradoras e até outros empresários dispostos a dar treinamento aos iniciantes”, diz Rodrigues. Só falta, portanto, que um deles se torne o novo Buscapé: apesar de tantos investimentos, esses fundos ainda não conseguiram vender suas empresas. Mas estão longe de desistir.

A chegada de dinheiro pesado coincidiu com uma multiplicação de start-ups de tecnologia no país. Houve, nos últimos anos, uma conjunção de fatores que possibilitam a atual onda de empreendedorismo digital. A massificação da internet móvel e seus aplicativos, as mudanças nos meios de pagamento e na relação do brasileiro com o dinheiro, a crise econômica que deixou mão de  obra qualificada sem emprego.

Segundo um levantamento da ABStartups, que reúne dados sobre o setor, o número de startups de tecnologia no país cresce 30% ao ano. Hoje existem 4.200. A brasileira Monashees, fundada por Eric Archer (ex-McKinsey) e Fabio Igel (herdeiro da família que controla o grupo Ultra), recebe quase 1.000 mensagens mensais de empreendedores querendo dinheiro, contatos ou ajuda. Seus 20 funcionários fazem uma primeira triagem e, caso o projeto realmente pareça promissor, o dono da empresa é chamado para fazer uma apresentação. Atualmente, a Monashees investe em 44 empresas.

No ano passado, a Redpoint de Romero Rodrigues analisou 1 300 investimentos e só liberou cheques para 11 empreendedores. A Kitado, empresa que ajuda consumidores a renegociar dívidas, levou 50 “nãos” de potenciais investidores no primeiro ano da empresa. “Fizemos dezenas de apresentações e, depois de tantas negativas, decidimos mudar o produto”, diz Alexandre Lara, cofundador da Kitado. No início, o plano era criar um site que permitisse que os consumidores renegociassem suas dívidas com bancos. Após as críticas, decidiram oferecer aos bancos um serviço eletrônico de cobrança de dívidas com clientes. Com a mudança, conseguiram atrair a Monashees.

Como apoiam empresas em estágio inicial, funcionam como tutores. “Eu não conhecia nada no Brasil, e os fundos ajudaram até a achar babá para meu filho recém-nascido. Eles querem que você só se preocupe em fazer o negócio dar certo”, diz o americano Brian Requarth, cofundador da VivaReal, plataforma de imóveis fundada em 2009 que conecta imobiliárias, incorporadoras e corretores a consumidores e recebeu 170 milhões de reais de investimento de cinco fundos e investidores individuais.

Para minimizar as distrações, alguns investidores oferecem serviços administrativos, jurídicos, contábeis e de recursos humanos mais baratos às empresas em que investem, além de negociar no atacado os serviços de operadoras de internet e empresas de armazenamento de dados em nuvem. “É só pagar. Assim, economizamos um tempo valioso para quem está tirando uma empresa do chão”, diz Tallis Gomes, fundador da empresa de transporte Easytaxi e hoje presidente da Singu, aplicativo de serviços de beleza.

Perder é do jogo

Fundos como esses sabem que vão perder dinheiro com a imensa maioria de seus investimentos. É da natureza do jogo — a esperança é encontrar uma ou duas empresas que multipliquem o dinheiro investido centenas de vezes. “Para compensar o risco, esse negócio bem-sucedido precisa ser excepcional”, diz Humberto Mastuda, conselheiro da Abvcap, associação que reúne fundos de private equity e venture capital. Por isso, os fundos procuram empresas que tenham grande potencial de crescimento, e é mais fácil achá-las no mercado de tecnologia — uma startup que lança um aplicativo, site ou software inovador pode multiplicar o faturamento em poucos anos.

Os fundos também consideram outra característica essencial: que os donos trabalhem na empresa, conheçam a fundo seu mercado e estejam buscando um sócio minoritário, e não alguém que queira comprar todo o negócio. “Isso é tão importante quanto o produto. Precisamos acreditar que os donos estão comprometidos com o crescimento”, diz Nicolas Szekasy, sócio do Kaszek.

Lucro costuma ser uma das últimas coisas que os fundos olham quando decidem colocar dinheiro numa startup. Segundo a lógica desse mercado, os primeiros anos são o momento de investir para inventar um produto ou serviço inovador e conquistar o maior número possível de clientes. Foi o que aconteceu com Amazon e Facebook antes de se tornarem algumas das maiores companhias do mundo — e ainda é o caso do aplicativo de transportes Uber, que, apesar de ser avaliado em cerca de 60 bilhões de dólares, teve prejuízo de 2 bilhões de dólares no ano passado.

Quando essas empresas passam a faturar alguns bilhões ou o ritmo de crescimento diminui, seus donos passam a se preocupar com rentabilidade — ou decidem vender o negócio para quem saiba fazer isso. É nessa hora que os fundos vendem. Isso quando tudo dá certo.

Onde estão as histórias de sucesso? Por enquanto, não há nenhuma nessa última onda de startups. Os fundos dizem que ainda estão na “fase de investimento”, ou seja, que as empresas de que são sócias ainda não estão maduras o bastante para uma venda. Quase 90% dos aportes de Monashees, Kaszek e Redpoit aconteceram depois de 2012 — e, em geral, os investidores têm um prazo de oito a dez anos para revender as participações em empresas e dar retorno a seus cotistas.

Num país como o Brasil, porém, isso nem sempre é fácil. A bolsa poderia ser uma alternativa, mas abrir o capital, que já é difícil para grandes companhias, é complicadíssimo para as de menor porte, porque há poucos investidores dispostos a investir em empresas com poucas ações negociadas. Até agora apenas duas empresas fizeram ofertas de ações no segmento que a BM&F Bovespa criou especialmente para esse público, o Bovespa Mais, que tem regras mais flexíveis de listagem (publicar balanço em jornal, por exemplo, não é obrigatório).

A solução é tentar replicar o sucesso do site de classificados argentino Mercado Livre, que abriu o capital na bolsa americana Nasdaq em 2007. Não é à toa que a varejista Netshoes, um dos mais fortes candidatos a “novo Buscapé” (ao lado de empresas como 99, Dafiti e Nubank, entre outras), flerta com sua abertura de capital nos Estados Unidos já há algum tempo. Quando a janela do mercado de capitais fecha — como aconteceu nos últimos quatro anos no Brasil —, as opções são vender a empresa para um concorrente ou mesmo para outro fundo maior.

Em 2010, a gestora Apax Partners comprou a empresa de tecnologia da informação Tivit do fundo Pátria e da Votorantim Novos Negócios. Há muito mais atividade no mercado das startups do que na época em que Romero criou e vendeu o Buscapé, e isso é uma ótima notícia. Unicórnios, ninguém encontrou até agora — mas a busca continua.

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