Revista Exame

Procura-se um xerife para a CVM

O próximo — ou a próxima — presidente da CVM assumirá o cargo com um prato cheio de desafios a resolver. Entre eles decidir sobre a criação de uma nova bolsa de valores no país

Operadores do mercado financeiro: expectativa pelo nome do novo regulador (Germano Lüders/EXAME.com)

Operadores do mercado financeiro: expectativa pelo nome do novo regulador (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 21 de junho de 2012 às 11h02.

São Paulo - No dia 7 de maio, o auditório da Comissão de Valores Mobiliários, no centro do Rio de Janeiro, lotou como há muito não se via. As 80 poltronas só foram suficientes para acomodar um quarto das pessoas que compareceram à posse do mais novo diretor da instituição, o advogado Roberto Fernandes.

O restante dos presentes se arranjou de pé, no fundo da sala. Não foi apenas a popularidade de Fernandes que tornou a cerimônia tão concorrida, mas o fato de ser a última reunião aberta do mandato de Maria Helena Santana, atual presidente do órgão, que deixará o cargo em 14 de julho, após um mandato de cinco anos.

Trata-se, como se sabe, de um posto muito, muito poderoso. A CVM é quem fiscaliza e regula o mercado de capitais brasileiro — daí o apelido de “xerife”. Empresas abertas, investidores, advogados, a bolsa: milhares de instituições são atingidas por decisões tomadas pelo presidente da CVM.

Não foi à toa, portanto, que o zum-zum-zum nos corredores da autarquia naquele dia 7 de maio fosse em torno de apenas um assunto: quem sentará na cadeira de Maria Helena?

A escolha do novo presidente da CVM cabe a uma pessoa — o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Mas, dado o jogo de interesses que envolve um cargo poderoso como esse, diversos grupos lançam seus candidatos informais ao posto.

É como a indicação de um ministro do Supremo Tribunal Federal, que cabe ao presidente da República e é, depois, sancionada pelo Senado: os advogados têm seu nome, o Judiciário tem o seu, o Ministério Público apoia esse ou aquele, e por aí vai.

No caso da CVM, essa fase já está adiantada. Segundo EXAME apurou com representantes de cada grupo de interesse ligado à CVM, há diversos nomes sendo mostrados a Mantega para assumir o posto de chefe do mercado financeiro nacional.

Um deles desponta como favorito: o advogado Otavio Yazbek, de 39 anos, mais antigo diretor da CVM — há três anos e meio atua como um dos cinco “juízes” do colegiado, responsável por julgar suspeitas de crimes financeiros e editar as normas que regem o mercado.


Ele é o candidato predileto de um grupo muito, mas muito influente: os advogados especializados em direito societário, que influenciam nas normas escritas pelo órgão e, depois, digamos, ajudam seus clientes a escapar delas. Sabe-se que Yazbek é o favorito entre sócios das bancas mais atuantes na CVM, que não escondem o desejo de ver um colega de profissão de volta ao comando do órgão regulador.

Depois de uma série de advogados, Maria Helena foi a primeira economista a assumir o posto. A escolha de Yazbek confirmaria o que vem se tornando tradição: nomear alguém que já passou por uma das outras quatro cadeiras do colegiado. Foi assim com Maria Helena e também com seu antecessor, o advogado Marcelo Trindade.

Apesar do lobby dos advogados, dois candidatos surgem com padrinhos fortes. No caso da advogada Luciana Dias, diretora da CVM desde o ano passado, madrinha: ela caiu nas graças de Maria Helena por seu perfil técnico na elaboração de instruções que regulam o mercado.

O apoio da atual presidente da CVM tem peso grande: Maria Helena deve entregar a Mantega uma lista com seus candidatos (embora o ministro não seja obrigado a escolher um dos nomes da lista, estar nela só ajuda). Há quem diga que sua falta de experiência é um entrave: Luciana tem apenas 36 anos.

Mas, surpreendentemente, ela não é a mais jovem candidata. O advogado Marcos Pinto, de 34, sócio da gestora de recursos Gávea, foi o mais jovem diretor da CVM (entre 2007 e 2010) e tem um padrinho de peso: o próprio Mantega, com quem trabalhou quando o hoje ministro presidia o ­BNDES.

Recentemente, porém, o advogado confidenciou a amigos que não tem interesse em deixar o Gávea. Lá, afinal, ele tem remuneração de financista. Na CVM, teria de se contentar com o salário de presidente da entidade — que não chega a 12 000 reais.

O lobby da bolsa

O próximo presidente da CVM comandará a regulação e a fiscalização de um mercado de capitais que passou por uma forte transformação nos últimos anos. O volume de transações diárias quintuplicou desde 2004, enquanto a soma do valor de mercado das empresas listadas quadruplicou, alcançando 2,4 trilhões de reais.


O número de investidores individuais passou de cerca de 120 000 para 600 000 no mesmo período. Tal foi o crescimento que dois grupos americanos, o Bats Global Markets e o Direct Edge, já manifestaram interesse de operar pregões no país, o que dependerá de autorização da CVM (o Direct Edge comunicou que pedirá formalmente, em junho, para operar no Brasil).

O avanço das bolsas estrangeiras é tido como um dos temas mais importantes para a gestão do próximo presidente da CVM. Para subsidiar a decisão, a entidade encomendou um estudo da consultoria inglesa Oxera, que avaliará a viabilidade de concorrência entre bolsas no mercado brasileiro.

A BM&F não se pronuncia a respeito, mas, obviamente, não se empolga com a ideia de dividir a receita com novos competidores. Por isso, como era de esperar, está fazendo lobby pelos seus candidatos. Segundo EXAME apurou, Yazbek é um nome bem-visto pelo presidente da bolsa, Edemir Pinto.

Assim como Maria Helena, Yazbek trabalhou na bolsa. Por via das dúvidas, ele também tenta colocar na disputa os nomes de Cristiana Pereira, diretora de relacionamento com empresas da Bovespa (cargo que também foi de Maria Helena), e de Carlos Rebello, diretor de regulamentação, que trocou a CVM pela bolsa em 2009. Armínio Fraga, presidente do conselho da BM&F, também vem elogiando Yazbek, Rebello e o sócio Marcos Pinto. 

Além da chegada de novas bolsas, o novo presidente terá um prato cheio de problemas para resolver. A discussão sobre reformas no Novo Mercado, segmento da Bovespa onde estão as empresas com o nível mais alto de transparência, é urgente. Os investidores pedem regras mais claras, e há uma espécie de consenso de que esse é o caminho a seguir.

Além disso, há as dezenas de investigações, julgamentos e dores de cabeça de todo tipo que surgem à frente de quem preside a CVM. O nome do novo xerife deve ser anunciado em breve.

No entanto, dificilmente haverá tempo para que o indicado passe pela sabatina do Senado até a saída de Maria Helena. Nesse caso, o conselheiro mais antigo, Yazbek, deve assumir interinamente.

Com reportagem de Thiago Bronzatto

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