Voz solitária: o governo ainda não decidiu se a política econômica proposta pelo ministro da Fazenda é boa ou ruim (Ueslei Marcelino/Reuters)
Da Redação
Publicado em 25 de fevereiro de 2015 às 18h00.
São Paulo - Procura-se, com especial urgência, em todo o território nacional, neste momento, o espírito animal do empresário brasileiro. Sua presença e seu apoio são essenciais, segundo garante o governo, para a economia brasileira sair da zona de rebaixamento na qual veio dar com os quatro costados.
Espírito animal? Não deveria haver problema algum em topar com ele na primeira esquina, levando-se em conta que a expressão serve para designar a boa e velha vontade de ganhar dinheiro, algo que faz parte do programa existencial de nove entre dez seres humanos e nunca precisou de nenhum incentivo oficial para se manifestar.
Mas a vida é o que ela é, e no Brasil de hoje a gestão econômica experimentada nos últimos quatro anos, com a colaboração decisiva dos oito anos precedentes, produz escassez onde deveria haver abundância. Resultado: está faltando espírito animal, além de água encanada, energia elétrica e petróleo do pré-sal.
É difícil que o ministro Joaquim Levy, que ainda há pouco revelou suas dúvidas sobre a presente evolução da economia nacional — em 2014, o Brasil teria ficado mesmo em 0% de crescimento ou foi pior que isso? —, consiga encontrar no curto prazo o bicho que está procurando.
O “espírito animal” é primo do “choque de gestão”, e ambos vivem na mesma turma do “ajuste fiscal”, das “políticas de renda” e da “sintonia fina”; todos, de uma forma ou de outra, contribuem para a subsistência das organizações e pessoas que “trabalham com a hipótese” disso ou daquilo, ou que “não excluem o cenário” em que venha a acontecer alguma coisa ou seu exato contrário.
São expressões que desfrutam de alta popularidade na mídia, na política e na vida econômica: no fundo não querem dizer nada, e por isso mesmo podem ser utilizadas para tudo, em momentos em que todos apontam os problemas mas ninguém tem uma solução compreensível para eles.
O instinto primordial que o ministro da Fazenda quer despertar nos empresários brasileiros vai continuar exatamente onde está — ou seja, trancado no cofre — enquanto o governo não decidir o que quer fazer da vida ou, mais propriamente, da vida deste país.
Da mesma forma que o “ajuste fiscal”, por exemplo, só poderá ser levado a sério a partir do momento em que o Tesouro Nacional passar efetivamente a arrecadar mais e gastar menos, o empenho das empresas em investir mais, empregar mais gente, explorar novas oportunidades, e assim por diante, não virá por causa de apelos do governo.
Só vai se transformar em ação prática quando houver de novo, no mundo da realidade, chances concretas de lucros que mereçam esse nome. Na falta de probabilidades realistas de ganhar dinheiro, o “espírito animal” que se manifesta não atende aos interesses de uma economia aberta — é aquele que fica animal demais e que acaba enchendo a carceragem da Polícia Federal de Curitiba, como tem sido possível notar nos últimos tempos.
Obviamente, a criação de condições favoráveis ao investimento privado não depende apenas do Ministério da Fazenda, ou do governo em geral, ou do Palácio do Planalto; há fatos que escapam ao controle oficial, e eles são muitos, a começar pela evolução da economia no resto do mundo. Mas não há dúvida de que não acontecerá absolutamente nada enquanto o poder público ficar olhando a paisagem, incapaz de decidir sequer se sua política econômica, tal como está sendo proposta pelo Ministério da Fazenda, é boa ou ruim.
O Brasil dos anos recentes não esquece que o governo, como regra geral, não gosta de lucro; já disse aos empresários que eles deveriam se contentar com “lucros justos”, ou que poderiam investir em causas perdidas para compensar o muito que ganharam em outros momentos.
Está ciente de que o governo aprova qualquer “reforma fiscal” — desde que não perca um centavo em arrecadação. Não vê o mínimo sinal de redução para valer nas despesas. Não será com conversa, portanto, que o “espírito animal” vai aparecer de novo. É preciso que haja fatos — e isso, por enquanto, não se vê.