Hora de revisão: a polêmica usina de Belo Monte só saiu do papel com dinheiro público. Sua maior acionista, a Eletrobras, está no vermelho (Lalo de Almeida/Folhapress)
Da Redação
Publicado em 25 de julho de 2016 às 17h43.
São Paulo — Era uma vez um país com um governo onipresente, que operava como o motor da economia. Após alguns anos, esse país se encontrava com as contas públicas no negativo, uma penca de empresas estatais quebradas e um setor privado atrofiado. A economia, com essa combinação, estava à beira de uma depressão. Com alguns retoques, esse já foi o retrato do Brasil mais de uma vez.
No começo dos anos 80 e no início dos 90 foi assim. E, não bastassem os dois desastres seguidos em duas décadas, o Brasil repetiu a dose nos últimos anos, vividos sob a administração da dupla formada por Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
A chegada de Michel Temer à Presidência — por ora interinamente — representa uma oportunidade de mudança radical no modelo econômico do país, desde que seu governo pare de pé até 2018.
“Na teoria, o novo governo quer colocar o setor privado como o centro da dinâmica econômica”, diz o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e colunista do aplicativo EXAME.
“Na prática, ele precisa vender empresas e conceder a operação de projetos de infraestrutura para reduzir o nível crítico da dívida pública.” EXAME conversou com quase 50 especialistas — desde banqueiros, investidores e economistas até executivos e conselheiros de estatais — para dimensionar o tamanho da “ajuda” que o setor privado será capaz de dar a essa nova fase do país.
Considerando negócios recentes fechados em cada setor e operações equivalentes no setor privado, subtraído algum desconto pelo estrago deixado pelo governo, as estimativas indicam que cerca de 300 bilhões de reais poderiam entrar nos cofres públicos com a venda de participações em estatais ou de empresas inteiras.
É um montante capaz de aliviar a situação dramática dessas companhias e melhorar as contas públicas. A iniciativa privada também poderia ajudar de outra forma, caso seja atraída a assimilar concessões e parcerias público-privadas.
Nesse caso, num prazo relativamente curto, é possível atrair 110 bilhões de reais em investimentos em portos, aeroportos, ferrovias e rodovias para reduzir os custos logísticos e tornar o país mais competitivo, um desembolso que o governo não tem a menor condição de fazer no momento.
Claro, esse é, por enquanto, um exercício confessadamente otimista e cuja transformação em realidade depende de fatores difíceis de controlar — do real desejo do novo governo à sua viabilidade política. Finalmente, é preciso combinar com os russos (e americanos, canadenses, chineses...): os investidores devem estar dispostos a arriscar seu dinheiro num país que tem sido um tanto instável.
Mas, se tudo o que é cogitado vingar, a perspectiva é de atração de mais de 400 bilhões de reais de capital privado num horizonte de dois anos — uma contribuição e tanto para salvar a economia da ruína em que se encontra. A privatização é uma alternativa possível para resolver a penúria das estatais, assoladas pela combinação de incompetência com roubalheira dos últimos anos.
Essas empresas totalizaram um prejuízo de mais de 55 bilhões de reais só em 2015 e somam 700 bilhões em dívidas, resultado de uma série de políticas públicas desastrosas. As duas maiores, Petrobras e Eletrobras, são as mais encrencadas — além de ser as mais espoliadas pelos esquemas de corrupção que vêm sendo revelados.
É no mínimo uma ironia que esse quadro horroroso tenha sido pintado exatamente por governos com uma veia estatizante — passados 13 anos no comando do país, o que os “amantes” das estatais conseguiram foi transformar em destroços as empresas públicas que defendiam com um discurso salpicado de expressões como “patrimônio do povo brasileiro” e “orgulho nacional”.
Nos últimos anos, muitas estatais fizeram investimentos sem pensar no retorno, tiveram o preço de seus produtos e serviços deprimido e foram obrigadas a comprar insumos mais caros só por serem produzidos no país (veja reportagem na pág. 104 sobre o fiasco da política de conteúdo nacional). Não se via a manipulação das estatais dessa forma no Brasil desde a década de 70.
Naquela época, as mais de 200 empresas do governo militar respondiam por um terço do total de investimentos na economia brasileira — depois de ter caído a 4% nos anos 2000, a fatia voltou a crescer para 10% em 2013, segundo estudo do Instituto de Política Econômica Aplicada.
“O governo petista quis recuperar o protagonismo das estatais no desenvolvimento econômico, mas falhou na missão”, diz Sérgio Lazzarini, professor da escola de negócios Insper e estudioso da presença do Estado na economia. “Pior que isso, não conseguiu protegê-las dos interesses políticos e particulares.” O número de estatais federais aumentou 34% nos anos do governo do PT, para 138 empresas.
Além delas, pesam na economia brasileira as companhias estaduais e municipais: um levantamento da consultoria Neoway mostra que, tudo somado, há 791 empresas públicas registradas no país.
Numa economia capitalista plena, o papel das estatais deveria se limitar à abertura de mercados e à oferta de serviços importantes para a população e para a economia e que, pelo menos em princípio, não interessam ao setor privado por serem negócios de retorno limitado.
Assim foi criado o Banco do Brasil, em 1808, pelo príncipe regente dom João de Bragança, para financiar manufaturas que aqui não existiam ou eram incipientes. Tratava-se de uma iniciativa que se justificava. Dois séculos se passaram e o banco se mantém como o maior do país, e no percurso foram criados ainda outros bancos estatais — o maior deles é a Caixa Econômica Federal.
Hoje, no conjunto dos 13 bancos públicos, o Estado detém 57% do mercado de crédito, mesmo havendo outros 121 bancos no país. Além de grandalhões, tanto o Banco do Brasil quanto a Caixa se espraiam em áreas que são típicas dos bancos comerciais, como financiamento a grandes empresas e ao consumo.
A mesma relutância em largar o osso se vê em outros setores. Quando foi criada em 1962, a Eletrobras tinha a função de operadora e também era uma espécie de reguladora do sistema elétrico. Por isso, seus tentáculos estavam em todas as etapas: geração, transmissão e distribuição.
Na preparação para sua privatização, no fim da década de 90, o governo Fernando Henrique Cardoso criou o Operador Nacional do Sistema e a Agência Nacional de Energia Elétrica e começou a segregar as operações da Eletrobras em novas empresas para que fossem vendidas — como Eletrosul, Furnas e Eletronorte.
A discussão e os planos em torno das privatizações no setor elétrico acabaram sendo atropelados pelos apagões de energia — e a Eletrobras continuou existindo, com várias empresas penduradas em sua holding. É a maior do setor na América Latina, listada em bolsa (o que não foi suficiente para melhorar sua governança) e teve um prejuízo de quase 20 bilhões de reais nos últimos dois anos.
“Não há justificativa para que o governo se mantenha como controlador ou acionista relevante dessas empresas”, diz Gilberto Braga, professor de finanças na escola de negócios Ibmec. Tanto no setor financeiro quanto no setor elétrico, a participação e o interesse do capital privado são suficientes para torná-los mais eficientes — e para permitir ao Estado reduzir sua presença como investidor.
Na Petrobras, a situação é ainda pior. Considerando a lei que a criou, de 1953, a empresa deveria vender produtos sob o princípio da livre concorrência. A proposta era justamente estimular o mercado e atrair competidores. “Em vez disso, a Petrobras sempre manteve monopólios e fez controle de preços”, diz Mauro Cunha, diretor da Associação de Investidores no Mercado de Capitais e ex-conselheiro da Petrobras.
A política a que ele se refere é a manutenção de preços da gasolina artificialmente baixos — imposta pelo governo para tentar conter a inflação — de 2011 a 2014, tendo como uma das consequências uma quebradeira no setor de etanol.
A venda de pelo menos parte do parque de estatais pode ser a saída também para evitar que o Tesouro tenha de injetar mais dinheiro para salvá-las numa situação de contas públicas no vermelho — o Congresso recentemente autorizou o governo a fechar o ano com um rombo de 170 bilhões de reais.
Um levantamento feito com bancos de investimento e economistas mostra que a necessidade de capitalização da Petrobras, da Eletrobras e da Caixa Econômica Federal pode chegar a um total de 140 bilhões de reais até 2020.
Há suspeita de que exista, pelo menos, um esqueleto de 30 bilhões de reais na Caixa que hoje não aparece no balanço — em função de avaliações otimistas de empréstimos concedidos e de dívidas que estão em discussão na Justiça.
Na Petrobras, o cálculo é que, mesmo alongando as dívidas e tomando empréstimos no mercado internacional, a companhia precise de uma capitalização da ordem de 100 bilhões de reais até 2018. “É bem provável que haja um aumento de capital nas estatais no período de dois a quatro anos, por isso o governo tem urgência em levantar recursos”, diz Mário Mesquita, diretor do banco Brasil Plural.
“Mas também precisa fazer melhorias nas empresas e na regulação para conseguir vender participações a um bom preço.” A Petrobras diz que tem equacionada sua necessidade de caixa até o final de 2017. Como ponto de partida para a privatização, o governo Temer conta com propostas já discutidas no passado e que, por isso mesmo, poderiam sair do papel mais depressa.
As 13 controladas pela Eletrobras podem ser vendidas separadamente. Banqueiros e investidores do setor elétrico consideram a geradora Furnas, avaliada em 10 bilhões de reais, a joia da coroa. Mais 24 bilhões poderiam ser levantados com a venda de outras subsidiárias.
A Eletrobras ficaria responsável apenas pela usina de Itaipu, considerada a única que faz sentido manter como federal por ser uma binacional em que o Paraguai é sócio. A Eletrobras diz que faz avaliações rotineiras de desinvestimentos, mas que não há decisão tomada. O governo também quer dar celeridade às discussões sobre a Caixa, a Petrobras, os Correios e a Infraero, responsável pela gestão dos aeroportos.
Na Caixa, Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, devem tirar da gaveta o projeto que faria o banco encolher e se tornar apenas uma companhia hipotecária. O banco vai tentar de novo fazer a abertura do capital da Caixa Seguridade, operação que foi preparada no ano passado e depois brecada devido às condições adversas de mercado.
Investidores dizem que vão precisar ver muitas mudanças na gestão da companhia para arriscar dinheiro nela (o mesmo vale para áreas como seguros, lotéricas e cartões, para as quais também se cogita atrair sócios privados).
Nesse caminho, no entanto, Temer já frustrou as expectativas — colocou como presidente da Caixa Gilberto Occhi, filiado ao PP e ex-ministro das Cidades e da Integração Nacional no governo Dilma. O conselho continua dividido entre políticos e funcionários de carreira. A coisa aí começou mal, portanto.
Na Petrobras, o principal entrave é a insistência do governo em se manter como controlador das diversas subsidiárias — é por isso que há 11 meses tenta, sem sucesso, encontrar quem queira virar sócio da BR Distribuidora, dona da maior rede de postos de combustíveis do país.
A expectativa é que o novo presidente da Petrobras, Pedro Parente, acelere a venda de ativos e também dê maior transparência à gestão da companhia (veja entrevista com Parente na pág. 102).
“O Pedro quer resgatar rapidamente o processo de melhoria da governança e de planejamento de longo prazo”, diz o economista José Guimarães Monforte, amigo de Parente, que já foi conselheiro da Petrobras e comandou o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Por outro lado, na avaliação de investidores, o governo não atrapalha quando é acionista minoritário — pelo menos não tanto assim.
Na companhia de resseguros IRB e na fabricante de aviões Embraer, mesmo com direitos especiais de voto do governo, a gestão é privada, o conselho é composto de profissionais do setor, e não por políticos, e as empresas são lucrativas. Na seguradora BB Seguridade, o governo é controlador — mas, na ponta final das operações, há sócios privados especializados em seguros.
Na Infraero, o plano é continuar no controle, vendendo participações em duas empresas — uma reúne os aeroportos sob concessão da estatal; e outra, as participações em aeroportos que já têm sócios privados.
No caso das concessões, 73% dos recursos devem vir de planos anunciados no ano passado pelo governo Dilma e cuja licitação atrasou — em grande parte, pela paralisia do Palácio do Planalto diante dos desdobramentos da Operação Lava-Jato. São projetos em fase avançada de estudos que, com um governo de maior desenvoltura política, têm chance de ser licitados ainda em 2016.
Um exemplo é a chamada Rodovia do Frango, conjunto de estradas que ligam a região oeste de Santa Catarina, uma das maiores produtoras avícolas do país, aos portos de Paranaguá e Santos, que deve atrair 4 bilhões de reais em investimento privado ao longo de 30 anos de concessão.
Os quase 1 000 quilômetros da BR-163 entre Sinop, em Mato Grosso, e Itaituba, no Pará, também devem ir a leilão nos próximos meses. O governo espera investimentos de 6 bilhões de reais na recuperação do asfalto esburacado por onde caminhões escoam soja e milho do Centro-Oeste até os terminais portuários no rio Tapajós, no Pará.
Num estágio similar estão os aeroportos geridos pela Infraero em Florianópolis, Fortaleza, Porto Alegre e Salvador. De acordo com a consultoria GO Associados, juntas, as quatro concessões de aeroportos devem injetar 7 bilhões de reais na economia. Devem ficar para o ano que vem os leilões de ferrovias, entre elas dois trechos da Norte-Sul, e quatro terminais portuários no Pará.
Há vários pontos a ser resolvidos antes de as privatizações e concessões saírem do papel. O tema — por incrível que pareça — ainda é sensível. A Justiça Federal da Bahia, por exemplo, suspendeu em abril a venda de 49% da Gaspetro, subsidiária de distribuição de gás natural da Petrobras, para a japonesa Mitsui. O motivo foi uma ação movida pela federação dos petroleiros.
Eles argumentam que o valor de quase 2 bilhões de reais do negócio está abaixo da avaliação do mercado. Há casos em que até mesmo a diretoria se opõe à venda. Na Eletrobras, o presidente José da Costa Neto está contrariado com a cogitação de venda de ativos como Furnas — circula no mercado a informação de que Costa Neto já teria posto o cargo à disposição de Temer.
O marco regulatório também é um problema. A Eletrobras deve colocar suas distribuidoras à venda, mas a obrigação de cumprir metas de eficiência gera descontentamento. “Com a situação deteriorada das empresas, fica difícil pôr dinheiro para resolver os problemas e ainda atingir as metas exigidas nos contratos”, diz Mauro Storino, diretor da agência de classificação de risco Fitch.
“Mas o governo começou a conversar para tornar as metas mais flexíveis.” No caso dos Correios, o governo precisaria acabar com o monopólio para permitir um serviço mais eficiente e a entrada de sócios que tornem o negócio rentável — a ECT, empresa dos Correios, teve prejuízo de 2,1 bilhões de reais no ano passado.
Os Correios afirmam que não há estudo para a venda de participação e que o foco são as novas fontes de receita, como a telefonia móvel. Além disso, o governo precisa melhorar a governança dessas companhias. Hoje, as empresas abertas de capital misto — ou seja, com acionistas públicos e privados — comportam-se como puramente estatais, resultando em prejuízo para os acionistas minoritários.
Há pelo menos três projetos de lei em tramitação no Congresso que tentam proteger as estatais da interferência política. Em outros países, como Chile, Colômbia e Singapura, a solução foi criar uma agência responsável pelas estatais, separando regulação e propriedades, e discutindo qual o interesse público em cada uma delas. Nas concessões, há mais desafios pelo caminho.
As condições dos leilões ainda geram dúvidas e controvérsia. No caso dos aeroportos, a proposta do governo de obrigar as concessionárias a antecipar o valor da outorga — pago na largada simplesmente para levar a concessão — tem desanimado possíveis interessados. Também é preciso considerar a crise política, que afeta a recuperação do ânimo de consumidores.
Após uma década de expansão acelerada, o número de passageiros transportados por avião no Brasil deve cair neste ano, segundo projeção da Agência Nacional de Aviação Civil. A baixa demanda deve reduzir o apetite pelos leilões dos quatro aeroportos previstos para sair até o fim do ano. E ainda há o acesso a capital externo, que ficou mais caro com a perda, no ano passado, do selo de país seguro para o investimento.
“É um momento difícil para começar qualquer programa de investimentos no Brasil”, diz a analista Michelle Karavias, gerente de infraestrutura da consultoria BMI, de Nova York. “As incertezas políticas e regulatórias podem afugentar o capital privado.” Por outro lado, o contexto mundial joga a favor das privatizações e das concessões.
Os bancos centrais em boa parte dos países desenvolvidos fixaram taxas de juro reais negativas para estimular o consumo. Isso, por definição, compromete o retorno dos investimentos — e o Brasil, então, ganha destaque com sua oferta de ativos baratos.
“A compra das empresas acontece não pelo que elas são, mas pelo que elas podem vir a ser”, diz José Olympio Pereira, presidente do banco Credit Suisse no Brasil. “Há dinheiro disponível.” A boa vontade do governo pode estimular o setor privado.
No início de maio, a equipe de Temer recebeu uma lista de 70 projetos para destravar gargalos logísticos, elaborada pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC), iniciativa liderada pelo empresário da siderurgia Jorge Gerdau.
Uma lista com 11 projetos mais urgentes, como a ampliação do porto de Paranaguá e a reforma da ferrovia EF-364 entre o porto de Santos e Alto Araguaia, em Mato Grosso, importante corredor de escoamento de soja, pode movimentar 30 bilhões de reais em investimentos privados. “O novo governo tem disposição para facilitar a vida de quem deseja investir em infraestrutura”, diz Claudio Gastal, presidente do MBC.
“E o empresariado está disposto a colaborar.” O que se sabe até agora a respeito das concessões que estão para sair tem agradado a potenciais interessados. “Estamos avaliando as condições dos próximos leilões”, diz David Diaz, presidente da Arteris, concessionária de 2 000 quilômetros de rodovias em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais.
“Os ativos são bons, mas os juros altos cobrados no Brasil para financiamentos em infraestrutura geram incertezas.” Para recuperar a confiança dos investidores, o governo Temer tem convocado gente experiente no assunto. O BNDES deve voltar a ter um papel central na venda de ativos estatais.
Agora, o BNDES dará apoio ao Programa de Parceria em Investimentos, a supersecretaria especial montada por Temer e entregue ao ex-governador fluminense Moreira Franco com a missão de levar adiante as concessões.
“A secretaria é uma força-tarefa para supervisionar o trabalho de ministérios e agências e tirar as travas que estão impedindo o setor privado de investir na infraestrutura”, diz Moreira Franco (veja entrevista com ele na pág. 94). A executiva Maria Silvia Bastos Marques, ex-presidente da siderúrgica CSN, foi selecionada para presidir o BNDES, onde já trabalhou como economista há 25 anos.
Durante as privatizações da década de 90, o BNDES contratava consultorias para fazer estudos de avaliação de quais ativos iriam à venda ou seriam concedidos e em qual modelo de negócios. O banco Banespa, por exemplo, foi vendido ao espanhol Santander por um valor quatro vezes maior do que o estipulado como preço mínimo no leilão.
“Quando o PT assumiu o governo, a discussão de privatização foi interrompida no BNDES”, diz um diretor do banco que pede para não ser identificado. “Agora vamos voltar para tratar do assunto no centro das discussões do programa do novo governo.” A inteligência na venda de ativos também pode ser usada para arrumar a casa no próprio banco.
Nos últimos anos, o BNDES ampliou a compra de participações em empresas. No governo Lula, a ideia era ajudar a formar os chamados “campeões nacionais”, companhias brasileiras que seriam capazes de competir mundo afora. Foi nessa época que o frigorífico JBS e a produtora de celulose Fibria entraram na carteira — hoje, o BNDES tem perto de 10 bilhões de reais investidos só nessas duas companhias.
Durante o governo Dilma, o banco ainda comprou participações acionárias em estatais como a Petrobras e, num efeito cascata, acabou prejudicado pela derrocada da petroleira. O BNDESPar, braço de gestão das participações do banco, teve um prejuízo de 7 bilhões de reais em 2015. Essa será uma das questões que Maria Silvia terá de resolver. Uma alternativa seria vender as participações.
De acordo com a consultoria GO Associados, é possível arrecadar 44 bilhões de reais com a carteira do BNDESPar. “O cenário ideal seria o BNDES investir em empresas em estágio inicial do negócio e por meio de fundos, não diretamente em negócios consolidados”, diz Lazzarini, do Insper. “Assim, ele cumpriria sua função social de banco de desenvolvimento.”
O Brasil viveu ondas de privatizações e concessões causadas por crises fiscais. A primeira onda ocorreu exatamente porque o BNDES estava tendo prejuízo na carteira de participação em empresas. Foi nos anos 80, ainda pelas mãos do governo militar. Na época, foram vendidas 28 empresas e participações por um total de 2 bilhões de dólares em valor de hoje.
No governo Fernando Collor de Mello, na década seguinte, a privatização foi parte do choque para modernizar uma economia ensimesmada. O governo criou um programa de vendas de ativos cujo principal operador era o BNDES. A gestão de Fernando Henrique Cardoso seguiu com o plano. O resultado é que setores inteiros antes monopolizados por estatais, como siderurgia e telefonia, passaram a mãos privadas.
Os recursos foram usados para abater a dívida pública. Uma conta dos economistas Armando Castelar e Fabio Giambiagi mostra que as privatizações de 1995 a 1997 diminuíram o endividamento em 2,1% do PIB. De 1995 a 2002, foram levantados 126 bilhões de dólares em valor atualizado. As privatizações também tornaram as empresas mais eficientes.
Segundo um estudo de quatro pesquisadores da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas e da Fundação Getulio Vargas, em 102 privatizações, dois anos após a troca de comando, as empresas conseguiram elevar 7%, em média, a produção com o mesmo patrimônio. Os custos operacionais caíram 1,5% aproximadamente.
“O isolamento das influências políticas faz com que isso ocorra”, diz o economista Roberto Macedo, um dos autores do estudo. “Além disso, há custos mais elevados nas estatais, como salários e benefícios maiores para os servidores públicos.” A penúria do Brasil de hoje e o estrago nas estatais trazem de volta o questionamento de qual deve ser o papel do Estado na economia.
Em empreendimentos arriscados, como grandes hidrelétricas, a presença do governo é vista como necessária para que o capital privado venha atrás. Por outro lado, a entrada de investidores privados em setores operados por estatais costuma resultar em ganhos de eficiência e produtividade.
No caso das empresas que continuarão estatais — ninguém acredita que Petrobras e Banco do Brasil serão privatizadas —, não basta vender alguns ativos, e continuar a tocar as operações da mesma forma só serviria para adiar os problemas de gestão.
Se os 13 anos sucessivos de governo do PT ajudaram a demonizar as privatizações na sociedade, também serviram para comprovar a baixíssima eficiência do “Estado capitalista”. Caso o governo Temer se sustente, será dele a chance de abrir espaço para uma participação maior do setor privado na economia — inclusive para resgatá-la do fundo do poço, onde o estatismo a deixou.