Revista Exame

“Primeiro o fiscal, depois o social”

Mesmo com seguidas quedas na expectativa do PIB, o secretário da Fazenda, Waldery Rodrigues, não enxerga espaço para mudanças nas políticas da economia

Waldery Rodrigues: “A meta para o crédito é que saia dos atuais 47% para 60% do PIB até o fim deste governo” (Pedro Ladeira/Folhapress)

Waldery Rodrigues: “A meta para o crédito é que saia dos atuais 47% para 60% do PIB até o fim deste governo” (Pedro Ladeira/Folhapress)

AJ

André Jankavski

Publicado em 18 de julho de 2019 às 05h30.

Última atualização em 18 de julho de 2019 às 15h02.

economista cearense Waldery Rodrigues Júnior assumiu a Secretaria Especial da Fazenda do Ministério da Economia no início do ano em meio a um clima de otimismo. De lá para cá, no entanto, houve um choque de realidade. As expectativas de crescimento para 2019, do mercado e do próprio governo, deslizaram de 2,5% para menos de 1%.

A taxa de desemprego teima em não ceder. Mesmo assim, o secretário — que fez carreira no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — acredita que as reformas, como a da Previdência e a tributária, ajudarão a trazer de volta números melhores e o otimismo. Uma possibilidade, porém, está fora de cogitação: o retorno das políticas heterodoxas para estimular a economia. “Com o lado fiscal em dia, poderemos ter o social em dia”, diz Rodrigues Júnior.

A reforma da Previdência será suficiente para melhorar a economia?

Estamos avançando para outro patamar no ponto de vista de crescimento econômico. Atualmente, a grande despesa primária da União, e a que cresce mais rapidamente, é a da Previdência. Mas, mesmo a reforma sendo positiva, não será suficiente para solucionar os problemas do país.

Em seis meses, a previsão de crescimento em 2019 passou de 2,5% para menos de 1%. O que deu errado?

Trata-se da própria dinâmica institucional que o Brasil tem. O país é uma democracia representativa e o Congresso é soberano nas decisões. O que tivemos no início do ano foi uma perspectiva de crescimento em cima de expectativas. Não houve uma mudança substancial na economia de dezembro do ano passado para janeiro deste ano. Não tivemos grandes mudanças na produtividade, na formação de capital humano ou em aportes de investimento. Entendemos que, com a aprovação da reforma, poderemos até rever os contingenciamentos que fizemos. O avanço da Nova Previdência, com impacto próximo de 1 trilhão de reais, pode gerar um acréscimo de 0,5% do PIB por ano. Podemos até pensar em um PIB de 1,3% para 2019.

Há economistas apontando que a aposentadoria mais tardia levaria algumas pessoas a preferir poupar a gastar. É possível que a reforma tenha um efeito contracionista a princípio? 

Já consideramos essas forças ambíguas no curtíssimo prazo para o acréscimo de 0,5% no PIB. Por um lado, algumas pessoas podem se tornar mais conservadoras por causa da aposentadoria tardia, mas por outro há mais expectativa de emprego. Ou seja, entende-se que tanto a poupança futura quanto o consumo futuro serão mais garantidos. E ainda temos a compreensão de que, após a reforma da Previdência, outras medidas importantes poderão ter tramitação em ritmo mais rápido. Algumas já estão sendo tocadas.

Quais serão as mais importantes?

Um de nossos diagnósticos é que o crédito tem de ser reformulado, pois é muito baixo no país, cerca de 47% do PIB. É preciso fazer uma redução qualificada do crédito público e direcionado. Em outras palavras, o financiamento precisa ser privado e o instrumento para sua expansão é o mercado de capitais. Com isso, a meta é que saia do patamar atual para 60% do PIB até o fim do governo.

Em algum momento, o governo pode tomar medidas heterodoxas para estimular a economia?

As medidas heterodoxas estão fora do cardápio. Nós entendemos que a democracia é mais bem gerida e contribuirá mais para a sociedade se casada com uma política econômica liberal. Temos de incentivar o setor privado, respeitar contratos e a propriedade privada, além de estimular o empreendedorismo. Esse será o grande motor de crescimento do país.

Mas um desemprego persistentemente alto não poderá gerar pressão por resultados mais rápidos?

Sabemos que os dados precisam melhorar substancialmente. As medidas que tratam do zelo fiscal e da política fiscal, como as reformas da Previdência e tributária, estão no cerne do crescimento econômico sustentável. Primeiro temos de cuidar do fiscal para em seguida cuidar do social. A ordem é essa. A taxa de desemprego vai reagir substancialmente a essa mudança estrutural. Assim como o aumento do crédito privado também vai colaborar.

Há economistas que defendem a flexibilização do teto dos gastos. O governo pensa em propor mudanças?

Não há nenhum projeto de alteração. Muito pelo contrário. Defendemos o teto de gastos em sua total essência. É ele que tem permitido caminhar minimamente com o controle das despesas. Dessa maneira, conseguimos fazer cortes mais incisivos nas despesas primárias da União. A única alteração que fizemos com o teto de gastos foi uma racionalização para o pagamento do que será feito pela Petrobras por causa da cessão onerosa.

Qual deve ser o papel dos bancos públicos?

Entendemos que essas instituições têm missões. A Caixa Econômica Federal é um banco ligado à política habitacional; e o Banco do Brasil, à agrícola. O BNDES precisa voltar sua atenção para privatizações, ajuda qualificada aos estados e municípios e financiamento de projetos de infraestrutura de longo prazo, como saneamento e gás. Tem de atuar naqueles pontos em que o setor privado possa ter alguma dificuldade de entrar.

Qual é sua visão para o segundo semestre, após tantas quedas de expectativas?

Estamos muito otimistas e trata-se de um otimismo muito embasado. O segundo semestre terá uma reversão no crescimento do PIB e as privatizações devem continuar andando. Pensamos que a Eletrobras, por exemplo, pode ser privatizada ainda em 2019. Só isso traria mais de 16 bilhões de reais em outorga. As reformas da Previdência e a tributária nos levarão para outro patamar. E há sinais disso: a bolsa ultrapassou os 106 000 pontos e o Tesouro Nacional colocou títulos públicos às taxas mais baixas da série histórica.

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