Revista Exame

No Banrisul, cresce a pressão dos acionistas por mudanças

A expectativa de que o Banrisul poderia ser privatizado valorizou suas ações em 2017. A venda não saiu e, agora, acionistas querem melhorias na gestão

Agência do Banrisul: despesas acima da média do setor | Claudio Fachel/Palácio Piratini

Agência do Banrisul: despesas acima da média do setor | Claudio Fachel/Palácio Piratini

DG

Denyse Godoy

Publicado em 30 de agosto de 2018 às 05h01.

Última atualização em 30 de agosto de 2018 às 05h01.

Os funcionários públicos do Rio Grande do Sul viveram uma situação bizarra no fim do ano passado. Sem dinheiro para pagar o 13o salário, o governo gaúcho indicou aos servidores que fizessem um empréstimo no valor que tinham a receber no banco controlado pelo estado, o Banrisul. O valor total do financiamento não foi divulgado, mas o governo vem repassando as 12 parcelas mensais do empréstimo, feito “com juros de mercado”, para cada um dos funcionários. Mais do que uma evidência do caos financeiro que vive o Rio Grande do Sul, o caso ilustra como a ingerência estatal está prejudicando um dos poucos bancos de médio porte que — até pouco tempo atrás, pelo menos — tinham um modelo de negócio bem-sucedido. Mas um grupo de acionistas do Banrisul acredita que a instituição pode ter resultados melhores e, neste ano, iniciou um movimento para tentar interferir na gestão do banco.

Os acionistas são as gestoras de fundos Zenith, de Porto Alegre, Kapitalo e XP, de São Paulo, e JGP, do Rio de Janeiro. Juntas, elas têm 15% do capital do Banrisul (o governo estadual é dono de 49,9% do capital total e de 98% das ações ordinárias, as com direito a voto). Em abril, os fundos conseguiram indicar dois dos sete membros do conselho de administração do banco. “Em uma empresa controlada pelo poder público, o conselho não consegue mudar muita coisa, mas o conselheiro independente pode fiscalizar as contas, dizer o que o mercado pensa e tentar constranger o controlador se aparecer alguma proposta que considere problemática”, diz Marcos Peixoto, sócio e gestor de renda variável da XP. E não faltam propostas assim, na opinião das gestoras.

O Banrisul recentemente pagou 1,28 bilhão de reais para continuar fazendo o que já fazia desde sua fundação, há 90 anos: manter as contas-salário de 320.000 funcionários públicos. A Zenith fez uma reclamação à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) alegando que isso fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe que um banco público financie seu controlador. A CVM está investigando. Para os gestores, algumas decisões são ruins até mesmo para as finanças do estado. Em abril deste ano, o governo decidiu vender 26 milhões de ações preferenciais e 3 milhões de ações ordinárias da instituição, arrecadando 538 milhões de reais. Como os papéis estão sendo negociados com um desconto médio de 50% em relação aos demais bancos de varejo, em razão dos problemas de gestão, é uma venda por preço baixo. “O governo está fazendo o que pode para sugar recursos do banco. Se optasse pela privatização de uma vez, o estado poderia conseguir muito mais pela sua participação”, diz Rafael Morsch, sócio da Zenith.

Alguns fundos — Kapitalo e XP entre eles — compraram mais ações do Banrisul em meio à expectativa de que fosse privatizado. Essa aposta ganhou força no fim de 2016, quando o Rio Grande do Sul decretou calamidade financeira e começou a negociar um pacote de ajuda com a União, nos mesmos moldes do que foi aprovado para o Rio de Janeiro. Uma das condições impostas por Brasília para socorrer o Rio de Janeiro foi a privatização de empresas estaduais — a Cedae, companhia de saneamento, está sob estudos para venda. Os analistas acreditavam que algo parecido aconteceria com o Banrisul, e isso levou as ações do banco a valorizar 51% em 2017. Mas o governo gaúcho é contra. “O Banrisul atua como importante agente de fomento e desenvolvimento econômico e social do estado, por isso existe uma decisão da atual administração de não privatizá-lo”, diz Luiz Antônio Bins, secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul. Segundo ele, um acordo com o governo federal deverá ser fechado até o fim de setembro.

O Banrisul já foi visto como um modelo de banco estadual. Fundado em 1928, teve de ser socorrido pelo governo central na década de 90, quando muitas instituições estaduais passaram por dificuldades, mas foi um poucos que se tornaram lucrativos depois disso. É o nono maior banco nacional, com presença relevante no Rio Grande do Sul. Além da folha de pagamentos dos servidores estaduais, o Banrisul detém a exclusividade sobre os salários dos funcionários municipais de 280 das 497 cidades do estado. É, ainda, o segundo maior provedor de crédito imobiliário no estado, atrás apenas da Caixa Econômica Federal.

Os resultados melhoraram nos últimos dois anos — a rentabilidade sobre o patrimônio, por exemplo, passou de 10%, em 2016, para quase 15% agora. Mas os números são piores do que os dos principais bancos de varejo, com os quais o Banrisul se compara. A grande diferença está no nível de despesas. O índice de eficiência, que mede a relação entre os gastos administrativos e com pessoal e um conjunto de receitas, é de 52% no Banrisul. Quanto menor o índice, melhor. Todos os demais bancos de varejo têm indicadores mais baixos: a média de Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú e Santander é de 43%.

Sartori, governador do Rio Grande do Sul: empréstimo para pagar o 13o salário | Duda Bairros/Fotoarena

Luiz Gonzaga Veras Mota, presidente do Banrisul, reconhece que há espaço para melhorar. “Estamos fazendo ajustes, aprimorando a cobrança dos inadimplentes e aumentando as receitas de prestação de serviços. Nossa meta é atingir, entre 2020 e 2022, a mesma rentabilidade do mercado privado”, diz. Para Marcos Peixoto, da XP, se os resultados continuarem melhorando, as ações do Banrisul poderão subir em torno de 30%. Caso o banco seja privatizado, o potencial de alta é de até 200%, na opinião dele.

Entre os candidatos ao governo gaúcho, apenas Mateus Bandeira, do partido Novo, defende abertamente a venda do Banrisul — e ele tem 2% das intenções de voto. O favorito no primeiro turno é José Ivo Sartori, o atual governador. Nem sempre o interesse de fundos é o mesmo dos clientes das empresas em que eles investem. Alguns acionistas pressionam por corte de custos, o que pode  piorar a qualidade de produtos e serviços, por exemplo. Mas ter um banco a serviço de um governo não parece a melhor alternativa. 


MENOS BANCOS REGIONAIS

O Brasil já teve 21 instituições estaduais. Hoje, sobraram oito, todas lucrativas, mas um estudo da FGV indica por que muitas poderiam ser privatizadas 

A década de 90 marcou o fim de mais de uma dezena de bancos estaduais no Brasil. Sem conseguir se reestruturar para se tornarem lucrativos depois do controle da inflação, com o Plano Real, muitas dessas instituições precisaram ser socorridas pelo Estado. Em 1997, o governo federal criou o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária, que injetou mais de 100 bilhões de reais, em valores da época, nos bancos problemáticos, mas exigiu que eles fossem vendidos à iniciativa privada em seguida. Entre 1997 e 2004, foram vendidos 13 bancos estaduais — o maior deles foi o Banespa, de São Paulo, arrematado num leilão pelo Santander por 7 bilhões de reais.

Atualmente, restam oito bancos administrados por governos de estado no país. Três são instituições de fomento, como o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. Os demais têm uma atuação comercial: Banco de Brasília (BRB), Banco do Estado de Sergipe (Banese), Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes), Banco do Estado do Pará (Banpará) e o Banrisul, que é o único com ações listadas em bolsa. Hoje, todas as instituições financeiras de controle estadual são lucrativas e, de acordo com um estudo do Observatório de Estatais da Fundação Getulio Vargas, os cinco que têm atuação comercial são “elegíveis” à privatização.

O estudo analisa 151 companhias estatais e avalia que 75 delas poderiam ser vendidas à iniciativa privada por não cumprir uma finalidade social nem apresentar interesse coletivo. Para a FGV, esse também é o caso da estatal de energia Eletrobras. Entre as companhias que deveriam ser mantidas com controle estatal, na visão da FGV, estão as dos setores de pesquisa e defesa, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul).

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