Revista Exame

Oi tem futuro fora da recuperação judicial — só falta querer

Em recuperação judicial há um ano, a operadora Oi não se acerta com os credores e sofre ameaça de intervenção.

Loja da Oi: a empresa aumentou seus investimentos e melhorou os índices 
de qualidade (Germano Luders/Exame)

Loja da Oi: a empresa aumentou seus investimentos e melhorou os índices de qualidade (Germano Luders/Exame)

AP

Ana Paula Ragazzi

Publicado em 3 de junho de 2017 às 05h55.

Última atualização em 3 de junho de 2017 às 05h55.

São Paulo — O ano de 2017 parece comprovar que, quando se trata de um país como o Brasil, não convém duvidar de nada: o bizarro pode, sim, acontecer. É até provável que aconteça. Um presidente gravado na calada da noite, um empresário que entrega todo mundo e se manda para o exílio, um processo de impeachment por ano... Está acontecendo de tudo. Mas seria engano imaginar que é só em Brasília que o inacreditável está se tornando verdade. O mundo dos negócios está fazendo sua parte. O caso em questão é a rumorosa recuperação judicial da operadora de telefonia Oi.

Um ano atrás, diante de uma dívida impagável, a Oi sucumbiu e pediu para entrar em recuperação judicial — aquele período em que uma empresa se protege de eventuais pedidos de falência enquanto renegocia sua dívida. No caso da Oi, era uma senhora dívida de 64 bilhões de reais, o que fez de sua recuperação judicial a maior da história brasileira. Passado esse ano, não se pode dizer que houve avanço em terreno algum. O plano de recuperação nem sequer foi aprovado pelos credores. Milhares de fornecedores seguem sem receber. E, paradoxalmente, os únicos que têm algo a celebrar são os acionistas da Oi, entre eles alguns dos responsáveis por colocar a empresa no buraco em que está.

Quando uma empresa entra em recuperação judicial, o pagamento de suas dívidas é suspenso durante um período. O prazo inicial é de 180 dias úteis, mas pode ser prorrogado. No caso da Oi, terminou em 16 de maio, e o juiz responsável pelo processo determinou que ele seja estendido por mais 180 dias ou até a realização de uma assembleia com credores, prevista para setembro (vale o que acontecer primeiro). Até agora essa trégua no pagamento das dívidas gerou uma economia de mais de 6 bilhões de reais para a Oi em um ano, o equivalente aos juros que a empresa pagava para rolar sua multibilionária dívida.

Com esse benefício, a companhia conseguiu aumentar os recursos em caixa — de 5,1 bilhões de reais, quando fez o pedido de recuperação judicial, em 20 de junho de 2016, para 7,7 bilhões de reais, no primeiro trimestre deste ano — e elevar seus investimentos em 18%, para 4,8 bilhões de reais (ainda assim, um valor inferior ao das concorrentes Claro, Vivo e TIM). A Oi também está conseguindo melhorar seus indicadores de qualidade. As queixas contra a empresa na Agência Nacional de Telecomunicações caíram 28% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2016. No mesmo intervalo, o número de reclamações ao Procon diminuiu 22%, e os processos em juizados especiais recuaram 56%. Por tudo isso, as ações da empresa, que passaram a valer 80 centavos em junho de 2016, valorizaram 350% de lá para cá (12 vezes mais do que o Ibovespa). A recuperação judicial, portanto, não está sendo um mau negócio para a Oi.

O objetivo da lei de recuperação judicial, que entrou em vigor em 2005, era justamente criar um mecanismo que permitisse às empresas sair do buraco. Só as companhias que mostram ter força operacional para voltar a funcionar normalmente conseguem sair desse processo, de fato, recuperadas. Uma melhora nos números, como aconteceu na Oi, portanto, é algo desejado — e raro no Brasil (estudos mostram que menos de 5% das empresas conseguem manter uma operação saudável depois de entrar em recuperação judicial). Mas a lei também estabelece que, além de melhorar o resultado, as companhias precisam negociar com os credores e começar a pagar o que devem, seja com dinheiro, seja com participação acionária. Uma série de problemas, da própria Oi e da legislação brasileira, tem tornado esse processo ainda mais complexo do que já era esperado num caso dessa magnitude.

Disputa

No Brasil, a lei diz que a companhia deve formular uma proposta aos credores. Como a Oi tem controle pulverizado, essa tarefa cabe a seus principais acionistas representados no conselho. No início da recuperação, a Pharol, empresa que reúne a participação acionária da Portugal Telecom na Oi e é a maior acionista da empresa brasileira, com 22% do capital, assumiu o comando do processo. Mas a Pharol passou a ter de disputar o comando com outro acionista, o empresário Nelson Tanure, conhecido por investir em empresas em dificuldade. Ele começou a comprar ações da empresa em janeiro de 2016 e, hoje, tem 6,3% do capital. Com essa fatia, Tanure conseguiu duas das 11 vagas no conselho de administração da Oi e passou a questionar na Justiça a legitimidade da Pharol, que tem quatro cadeiras no conselho, para liderar o processo.

Tanure responsabiliza a Pharol pela derrocada da Oi, que em 2014 perdeu 2,7 bilhões de reais, aplicados pela Portugal Telecom numa companhia portuguesa falida. No entanto, os controladores que tomaram essa decisão não fazem parte da Pharol. Numa reunião do conselho de administração da Oi realizada em novembro, Tanure e Rafael Mora, representante da Pharol, discordaram e começaram a discutir aos berros — cada um gritando “quem manda aqui sou eu”, segundo relatos de pessoas que participaram da reunião. Mora acabou renunciando ao cargo em março. Questionado por EXAME, Tanure afirmou, por e-mail, que “não há litígio ou embate com a Pharol, mas uma relação de respeito”. “Qualquer informação diferente não passa de ilação, sem fundamento e com má-fé”, escreveu ele.

Os acionistas da Oi conseguiram apresentar duas propostas aos credores. A primeira, em setembro do ano passado, foi desconsiderada de imediato. Ela previa pagar aos credores apenas 30% do valor dos créditos. Além disso, a Oi queria ter a opção de recomprar esses títulos no prazo de três anos se o processo de recuperação judicial fosse bem-sucedido e a empresa tivesse sobra de recursos. Caso a recuperação desse errado, os credores poderiam ficar com 85% do capital da Oi, trocando seus títulos de dívida por ações. Pareceu aos credores uma proposta do tipo “cara, eu ganho; coroa, você perde”.

A proposta foi rejeitada. Em março, os acionistas concordaram em ceder 25% do capital da companhia aos credores, mas eles esperavam cerca de 80%. Agora uma nova proposta precisa ser negociada e apresentada em setembro, quando a Oi espera realizar a primeira assembleia de credores. A demora se deve ao fato de o administrador judicial da Oi ter levado quase um ano para concluir a lista de nomes dos 55 000 credores, entre bancos, fornecedores e detentores de títulos de dívida.

Se a Oi fosse uma empresa americana e aderisse ao Chapter 11, lei que regula a recuperação de companhias em dificuldade nos Estados Unidos, a briga entre os acionistas teria pouco efeito sobre a renegociação da dívida. Lá, o juiz não pode homologar um plano de recuperação caso credores que discordem da proposta recebam menos do que os acionistas. A lógica é que, como as ações de uma empresa em dificuldade valem pouco, donos e acionistas não podem ter poder de decisão (quando a Oi pediu recuperação judicial, sua dívida equivalia a 80 vezes o valor de mercado da empresa, que era de 800 milhões de reais). Outra vantagem da lei americana é a rapidez, e isso também é explicado pelo fato de haver investidores dispostos a financiar empresas em dificuldade. A montadora General Motors aderiu ao Chapter 11 em 2009 e saiu do processo em 40 dias. A companhia aérea Delta levou 19 meses, em 2006.

Está em curso, desde novembro de 2016, uma reforma na lei brasileira de falências para dar mais poderes aos credores, como acontece nos Estados Unidos. Pelo projeto em estudo, segundo advogados que acompanham as discussões, caberia aos credores, e não ao juiz, decidir sobre prorrogações do prazo de suspensão do pagamento das dívidas, por exemplo. Além disso, se houver problemas no andamento do plano de recuperação, os credores podem alterá-lo mesmo sem a aprovação da empresa. Com isso, a nova lei pode inibir o protagonismo de investidores como Tanure, que passou a influenciar o futuro da Oi comprando ações por centavos. Credores ouvidos por EXAME acreditam que o objetivo de Tanure é conseguir que algum acionista compre sua participação para, assim, afastá-lo da empresa. Tanure atribui a afirmação a detratores, nega que suas ações estejam à venda e diz que é um investidor de longo prazo e que aposta no futuro da Oi. A impaciência cresceu tanto que a Anatel, agência que regula o setor, passou a ameaçar uma intervenção federal na Oi, o que praticamente zeraria o patrimônio de acionistas e de credores.

Ainda que os resultados estejam melhorando no curto prazo, o impasse na Oi pode prejudicar seu desempenho no futuro. Empresas de telecomunicações precisam fazer investimentos não só para cumprir as exigências da Anatel como também para manter a qualidade do serviço e de suas instalações — e, para defini-los, é preciso ter uma estratégia traçada. Sem dinheiro nem planos, a Oi já ficou de fora de um leilão de frequências da Anatel, o que pode ter um impacto na qualidade de seu serviço e elevar seus custos. A Oi também perdeu receita no segmento de clientes corporativos — a redução foi de 10%. Segundo especialistas, as empresas que contratam serviços de telecomunicações tendem a descartar companhias em dificuldade, porque isso pode prejudicar seu negócio se o fornecimento for interrompido. Apesar das dificuldades, o fato de a Oi conseguir entregar resultados melhores em meio a uma situação para lá de confusa mostra que a empresa tem uma operação bem estruturada — e resistente a choques. É sinal de que a Oi tem futuro fora da recuperação judicial. Só falta querer.

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