Amos Genish, da Vivo: ele prometeu aos subordinados que faria “o elefante dançar” (Germano Luders/Exame)
Da Redação
Publicado em 20 de junho de 2016 às 11h34.
São Paulo — O dia 14 de abril foi carregado de simbolismo para o israelense Amos Genish, presidente da maior operadora de telefonia do país, a Vivo. Essa, afinal, foi a data da morte programada da GVT, empresa fundada pelo próprio Genish 16 anos antes, num pequeno escritório no centro de Curitiba.
Com sua startup, o israelense conseguiu um feito raro no setor — criar uma empresa de telefonia admirada pelos clientes. Nos anos seguintes, a GVT foi roubando espaço dos concorrentes grandalhões e ampliando sua área de atuação até chegar a São Paulo em 2013.
O incômodo passou a ser grande demais e durou até setembro de 2014, quando a Vivo decidiu acabar com o problema pagando 22 bilhões de reais pela aquisição da GVT. Parecia que a carreira de Genish havia sido encerrada, mas, para espanto de muita gente, ele acabou sendo convidado pela Telefônica — grupo espanhol que controla a Vivo — para assumir o comando da empresa.
E no dia 14 de abril ficou claro aquele que é o grande paradoxo de sua gestão. Da porta para fora, ele foi responsável por matar a GVT. Mas, da porta para dentro, a GVT está mais viva do que nunca. Onze meses antes, quando, recém-empossado, começou a fazer reuniões com os executivos da Vivo, Genish gostava de repetir: “Vou ter de ensinar o elefante a dançar”. Era meio grito de guerra, meio alerta.
À sua frente estavam executivos pasmados com sua escolha para o cargo e que desconfiavam da capacidade daquele “administrador de startup” para tocar um colosso com a complexidade da Vivo — que faturava sete vezes mais do que a “startup” de Genish e pertencia a um grupo muito mais difícil de navegar politicamente do que o tranquilo conglomerado francês Vivendi, antigo dono da GVT.
Mas seu recado era claro: a matriz não o havia escolhido para deixar as coisas como estavam. Num setor atacado por todos os lados pela mudança nos hábitos de consumo que as novas tecnologias propiciam, “mais do mesmo” não seria suficiente.
O israelense começou a executar, então, seu projeto: transformar a Vivo, empresa privada que mantém algo de seu DNA de ex-estatal, numa grande, gigantesca startup: menos burocrática, mais ágil, com prioridades claras, executivos que se sintam donos do negócio, clientes felizes e dinheiro no bolso.
O elefante teria de aprender a dançar — e cada executivo que ouvia a metáfora sabia que poderia se tornar uma das vítimas do processo. Por trás da tentativa de transformar a Vivo estava uma ambiciosíssima meta de economias com a absorção da GVT.
Nos primeiros 60 dias de integração, sob a coordenação da consultoria McKinsey, 70 executivos e o próprio Genish elaboraram o Projeto Gênesis, um plano com metas até 2017. Foram definidas mudanças na estrutura da empresa — como a criação de dois cargos acima das vice-presidências responsáveis pelos mercados em que a Vivo atua — e decisões estratégicas, como o fim da marca GVT.
No período da transição, foi definido que as vice-presidências seriam ocupadas por dois executivos, um da Vivo e outro da GVT. Foi, naturalmente, um período de terror, sobretudo para a turma da Vivo, que se sentia fazendo visitas diárias ao cadafalso. “Os executivos da GVT não escondiam que achavam a Vivo uma empresa velha e ultrapassada”, diz um funcionário que acompanhou a transição.
(No fim do processo, oito vice-presidentes eram ex-GVT, oito eram da Vivo e outros dois haviam sido contratados de fora.) “Definimos as posições o mais rápido possível para reduzir disputas internas por cargos”, diz Giovane Costa, vice-presidente de recursos humanos da companhia.
Feitas as contas, Genish prometeu entregar 22 bilhões em ganhos com a integração, quase 40% acima das projeções iniciais da matriz.
Em troca da meta mais ambiciosa, Genish exigiu um nível de autonomia que a Telefônica nunca havia dado à sua subsidiária. Até o ano passado, a Vivo tinha liberdade para destinar 20% dos investimentos sem submetê-los à aprovação da matriz, percentual que passou para 40% neste ano.
Genish vetou contatos esporádicos de executivos com seus pares espanhóis — uma forma sutil encontrada antes para exercer o poder por outros canais — e passou a centralizar a comunicação com a matriz. A autonomia dos executivos também aumentou. Os vice-presidentes tinham uma reunião semanal com o presidente para prestar contas de seus projetos. As reuniões passaram a ser mensais.
Hoje, os diretores têm alçada para aprovação de despesas de até 3 milhões de reais — antes, o limite era de 250 000 reais e acima disso precisava ser submetido ao comitê de despesas, que leva cerca de quatro dias para dar um parecer.
Muitos contratos precisavam da assinatura de oito executivos — agora o responsável pela área tem autonomia para decidir. “Havia funcionário aqui que passava o dia pegando assinatura para esse tipo de contrato”, diz Genish. No outro lado da moeda, aumentou também a cobrança. Os projetos envolviam, em média, quatro diretorias.
O que significava, na prática, que nenhuma delas poderia ser responsabilizada pelo que desse errado. Agora cada projeto tem um dono, ainda que envolva chefias de outros departamentos. Para assegurar esse maior controle de cada área, os diretores passaram a ter responsabilidade pela gestão de orçamento e os vice-presidentes não precisam submeter determinados gastos ao presidente.
Os orçamentos foram redistribuídos: os custos com a folha de pagamentos eram responsabilidade da área de recursos humanos e hoje são alocados por diretoria; as contingências judiciais, como processos por serviço não prestado ou assédio moral, eram pagas pelo departamento jurídico e também foram divididas. “Empresa grande tem muita gente com pouca responsabilidade”, afirma Genish.
“Numa startup, os problemas têm dono.” O bônus por cumprimento de metas foi revisto. A partir de 2016, terá “aceleradores”, ou seja, cada ponto acima da meta aumentará o bônus de forma desproporcional. Antes havia um bônus fixo para quem cumprisse a meta, e só.
Um ponto que Genish não conseguiu mudar: as opções de ações recebidas no bônus ainda são atreladas ao desempenho da ação da Telefônica na Espanha. O israelense pleiteou que passassem a ser opções de ações da Vivo. “A primeira etapa foi o ajuste de equipes e sistemas. A próxima etapa é reinventar o modelo de negócios”, diz Alejandro Contreras, vice-presidente de estratégia.
O novo modelo de negócios quer tornar a empresa mais digital, copiando iniciativas de análise de dados e incubadoras de ideias de empresas como Google e Spotify. A intensidade das mudanças na Vivo tem ligação direta com um espectro que ronda as empresas de telecomunicações — a fuga de clientes. Empresas como WhatsApp e Netflix são ameaças concretas.
No ano passado, o número de linhas de celular caiu 8% no Brasil — o que é explicado, em larga medida, pelo serviço de mensagens por voz do WhatsApp. O faturamento das operadoras com telefonia fixa caiu 26% nos últimos cinco anos. Aqui, as operadoras andam sobre uma linha fina.
Elas têm de melhorar os índices de satisfação e, ao mesmo tempo, comprar brigas impopulares com serviços que usam suas redes e são adorados pela clientela (caso do WhatsApp, chamado por Genish de “serviço pirata” no ano passado). “O legado é muito pesado”, diz Wagner Heibel, diretor da consultoria 4Grid, especializada em telecomunicações.
A Vivo aumentou de 10% para 20% o peso dos índices de satisfação no bônus dos executivos, parou de fazer “promoções” que confundiam clientes e começou a usar alguns funcionários próprios para fazer o atendimento no call center e nas ruas. Na GVT, o atendimento era feito por empregados da empresa.
Em paralelo, a Vivo anunciou que começará a vender pacotes de banda larga com limites de uso, decisão que pegou mal e que pretende pegar clientes que abusam do Netflix, por exemplo. Não faz um ano que Amos Genish assumiu a Vivo e ainda é impossível saber se as mudanças trarão os resultados esperados.
No ano passado, o custo das demissões de 2 500 funcionários ajudou o lucro a cair 36%. Na bolsa, o valor de mercado da empresa ficou no zero a zero no último ano. O elefante parece ter começado a dançar — se está ou não no ritmo certo, só o tempo vai dizer.