Revista Exame

Presença de robô no mercado não cresce só nas fábricas

Gestores de fundos, caixas de supermercado, motoristas de caminhão. Essas são apenas algumas das ocupações que já começaram a ser substituídas por máquinas

Robô da Baxter: escala humana e capacidade de interagir com pessoas (Jessica Rinaldi/The Washington Post/Getty Images)

Robô da Baxter: escala humana e capacidade de interagir com pessoas (Jessica Rinaldi/The Washington Post/Getty Images)

RS

Raphaela Sereno

Publicado em 8 de setembro de 2017 às 12h23.

Última atualização em 8 de setembro de 2017 às 12h35.

Nova York — Não é preciso consultar videntes ou livros de ficção científica para ter uma ideia sobre o futuro do emprego. Basta olhar para o presente:

• A maior gestora de recursos do mundo, a BlackRock, com 5,1 trilhões de dólares em ativos, anunciou em março uma importante reorganização. A principal mudança é a substituição de seres humanos por algoritmos. O trabalho de definir a composição de certos fundos mútuos de ações, por exemplo, será realizado por software. A BlackRock concluiu que computadores tomam melhores decisões de compra e venda do que alguns seres humanos. A expectativa é que dezenas de gestores percam o emprego. E outros sejam recolocados na companhia.

• No fim de outubro do ano passado, um caminhão da empresa Otto atravessou o estado americano do Colorado transportando 45 000 latinhas de Budweiser. O trajeto percorrido tinha 190 quilômetros, e o veículo fez a viagem a uma velocidade média de 90 quilômetros por hora. O motorista só encostou no volante para guiar o caminhão nas rampas de acesso e saída da autoestrada. No restante do tempo, quem estava dirigindo era um computador.

• A rede de pizzarias americana Domino’s anunciou que vai começar a usar robôs sobre rodas para entregar pizzas em algumas cidades da Alemanha e da Nova Zelândia. Inicialmente, as entregas só serão automatizadas para endereços próximos das lojas, e os robôs serão acompanhados por funcionários. Mas, com a expectativa de crescimento da próxima década, diz o CEO da empresa, Don Meij: “Simplesmente não teremos entregadores suficientes se não aumentarmos nossa capacidade dessa maneira”.

• Por falar em pizza, a startup Zume já recebeu 23 milhões de dólares em investimentos de risco para colocar de pé um negócio de pizzaiolos robotizados. A empresa, com sede em Mountain View, no coração do Vale do Silício, usa novas máquinas fabricadas pela suíça ABB, fornecedora de robôs para gigantes da manufatura. Uma delas — que tem nome, Marta — despeja e espalha o molho de tomate na massa crua. Um ser humano no meio do caminho coloca os ingredientes escolhidos pelo cliente e um terceiro robô — Bruno — leva a pizza ao forno. O delivery de pizzas movimenta quase 10 bilhões de dólares anuais nos Estados Unidos, um mercado pronto para sofrer uma grande ruptura, segundo a empresa.

• Em algum momento deste ano a Amazon promete inaugurar em Seattle a Amazon Go, loja de conveniência sem caixas e sem filas. A experiência de comprar na Amazon Go não vai ser muito diferente de furtar um produto (mas tudo será pago, é claro). O cliente entra na loja, escolhe o produto desejado e sai andando, sem ter de colocar nada no carrinho nem escanear código de barras ou pagar em máquinas de autoatendimento. Câmeras e sensores espalhados pela loja identificam os produtos retirados da prateleira, e o pagamento é debitado automaticamente na saída do estabelecimento.

- (Divulgação/Exame)

Gestores de fundos, entregadores de pizza (e pizzaiolos), caixas de supermercado, motoristas de caminhão — essas são apenas algumas das ocupações potencialmente ameaçadas por uma nova onda de automação que vai redefinir o que é trabalho no século 21. Os robôs de grande porte que estavam restritos às grandes indústrias — e separados dos humanos por grades, por razões de segurança — estão evoluindo rapidamente para equipamentos menores e mais seguros, capazes de circular pelos corredores das lojas lado a lado com os consumidores.

As novas máquinas também são inteligentes. Elas estão conectadas à internet e podem acessar sistemas sofisticadíssimos de inteligência artificial. Isso significa que não só aqueles que desempenham tarefas repetitivas correm o risco de perder o emprego para uma máquina. Num teste realizado no ano passado, o supercomputador Watson, da IBM, revisou o histórico médico de 1 000 pacientes com câncer e foi capaz de sugerir planos de tratamento que, em 99% dos casos, coincidiram com a opinião dos oncologistas. Em um terço deles, o software ofereceu recomendações ainda mais aprofundadas, pois tinha em sua base de dados as pesquisas médicas mais recentes. “Vivemos numa era que será definida por uma mudança fundamental na relação entre trabalhadores e máquinas”, escreve o futurista americano Martin Ford em Rise of the Robots: Technology and the Threat of a Jobless Future (“Ascensão dos robôs: tecnologia e a ameaça de um futuro sem emprego”, numa tradução livre). “Essa mudança vai desafiar nossas crenças mais básicas sobre a tecnologia: que as máquinas são ferramentas para aumentar a produtividade dos trabalhadores. Em vez disso, as máquinas é que estão se transformando em trabalhadores, e a linha entre a capacidade do trabalho e a do capital está cada vez mais difícil de enxergar.”

Considere a profissão de motorista. Somente nos Estados Unidos, existem cerca de 3,5 milhões de motoristas de caminhão, responsáveis pelo trânsito de 70% das mercadorias que cruzam o país. A Starsky Robotics, startup fundada há um ano em São Francisco, quer tirar os motoristas da boleia e colocá-los num escritório, controlando vários caminhões em vez de apenas um. Como outras companhias que investem em veículos autônomos, a empresa desenvolveu um sistema de câmeras, radares e software para guiar os caminhões. O software assume a direção somente nas grandes estradas. Antes e depois, a ideia é que o controle seja feito a distância, por controle remoto. “Se você não tirar o motorista do caminhão, não resolve nada”, diz Stefan Seltz-Axmacher, fundador da empresa. O Uber também está investindo em caminhões autônomos. A empresa comprou a startup Otto — aquela que transportou cervejas — por 680 milhões de dólares em meados do ano passado. Isso sem contar os investimentos da Uber em veículos autônomos, que potencialmente deixariam seus centenas de milhares de motoristas parceiros — e os taxistas e motoristas profissionais — literalmente a pé.

Em seu último discurso como presidente, Barack Obama fez referência à promessa de campanha de Donald Trump de trazer de volta para casa os empregos exportados pelos Estados Unidos. “A próxima onda de deslocamentos econômicos não virá do exterior. Ela virá do ritmo inexorável da automatização, que torna obsoletos muitos bons empregos de classe média”, disse Obama. Pesquisas sustentam o alerta do ex-presidente americano. Num paper de 2013 que ficou célebre, os economistas Carl Benedikt Frey e Michael Osborne, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, sugeriram que 47% dos empregos americanos corriam alto risco de automatização até 2030. Outras estimativas são mais conservadoras. Num estudo recém-divulgado, a consultoria PwC estimou que 38% dos empregos podem desaparecer nos Estados Unidos; 30%, no Reino Unido; 35%, na Alemanha; e 21%, no Japão. Já um estudo realizado com dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicou que somente 10% dos empregos correm alto risco de desaparecer.

Os estudiosos podem não concordar com a velocidade ou com a magnitude da transformação que se apresenta, mas poucos questionam que ela seja real. Até aqui, a história mostra que os avanços tecnológicos destroem empregos, mas no processo acabam gerando ocupações até então inexistentes, muitas delas completamente novas. (Imagine tentar explicar a um agricultor de 100 anos atrás que, no futuro, existiriam programadores ou pilotos de avião.) Opor-se à ascensão das máquinas seria repetir a história, fazer como os luditas, que há 200 anos destruíam teares mecânicos em protestos contra a perda do trabalho.

Mas existem sinais de que agora, com os avanços da robótica e da inteligência artificial, a “destruição criativa” não seja suficiente para suprir os empregos perdidos. “Não é uma possibilidade futura e hipotética. É algo que está se manifestando diante de nós hoje”, disse Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro americano, a respeito do descompasso entre a destruição e a criação de empregos. Em um estudo recém-divulgado, o Fundo Monetário Internacional aponta que a participação dos trabalhadores na renda total de 160 países vem caindo há mais de duas décadas — e metade dessas perdas pode ser atribuída a mudanças tecnológicas. Em outras palavras, a automação não apenas rouba os empregos como também arrocha os salários.

Visão sombria

Nas conversas sobre rupturas tecnológicas sempre aparece o argumento de que os governos devem investir na capacitação dos trabalhadores. Bill Gates fez uma sugestão radical a respeito do assunto numa entrevista recente. Para o fundador da Microsoft, os robôs deveriam pagar impostos. “Digamos que um trabalhador faça o equivalente a 50 000 dólares em trabalho numa fábrica. Esse rendimento é taxado. Se um robô fizer a mesma coisa, você imaginaria que taxaría-mos o robô num nível semelhante”, afirmou Gates. Além de custear o treinamento de pessoas cujas ocupações desapareceram, essa política também teria o efeito intencional de diminuir o ritmo da automação.

Pode parecer paradoxal que justamente Gates, um dos grandes responsáveis pela popularização dos computadores pessoais nas últimas três décadas, fale em “devagar com o andor” em relação à tecnologia. Mas, ao lado do físico Stephen Hawking e do empreendedor Elon Musk, Gates é um dos nomes célebres a se manifestar sobre os riscos dos avanços da tecnologia, especialmente da inteligência artificial. Musk, fundador da fabricante de carros elétricos Tesla e da empresa de viagens espaciais SpaceX, defendeu a criação de algum tipo de organismo regulador “para garantir que não façamos nenhuma besteira”.

Musk e outros líderes da indústria digital prometeram 1 bilhão de dólares para criar a OpenAI, entidade sem fins lucrativos com o objetivo de evitar que a inteligência artificial afete negativamente os seres humanos. No curto prazo, isso significa pensar na segurança dos veí-culos autônomos: se um carro guiado por computador estiver em rota de colisão certa com outro ocupado por quatro passageiros e a única maneira de desviar for invadir uma calçada cheia de pedestres? No longo prazo, o temor é de computadores superinteligentes, capazes de desafiar as ordens humanas — exatamente como HAL no filme 2001: Uma Odisseia no Espaço.

Nem todos compartilham dessa visão sombria, é claro. Em Boston, um dos principais polos tecnológicos dos Estados Unidos, um robô cortou a fita na inauguração de um espaço de 1 400 metros quadrados dedicado ao desenvolvimento de startups de robótica. Com um fluxo constante de cérebros saídos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a cidade concentra cerca de 150 empresas que mostram a forma de uma nova geração de robôs. “Não tem nada a ver com o que se vê nos filmes”, diz Thomas Ryden, diretor da Mass Robotics, organização responsável pelo espaço. “Os robôs desenvolvidos pelas startups vão trabalhar lado a lado com os seres humanos.” Ryden fala da própria experiência: ele estava ao lado do Baxter enquanto o robô manuseava uma tesoura gigante na cerimônia de lançamento da incubadora.

Fabricado pela Rethink Robotics, o Baxter é um dos melhores exemplos de um robô moderno. Sua escala é humana. Ao contrário das grandes máquinas que se veem em montadoras, geralmente isoladas por grades para evitar riscos, o Baxter pode operar com segurança junto com os seres humanos. Essa é uma diferença essencial da nova geração de robôs. A Savioke, empresa do Vale do Silício, criou o Relay, que parece uma lata de lixo do futuro, mas tem função muito diferente. Cerca de 20 deles são usados por hotéis para fazer entregas de comida, toalhas ou outros itens solicitados pelos hóspedes. O Tally, desenvolvido pela Simbe Robotics, circula por lojas para fazer a contagem de itens nas prateleiras — inclusive durante o horário de funcionamento. Câmeras e sensores apontam quais produtos precisam de reposição e identificam quando a localização e os preços estão incorretos.

E é claro que se está falando de tecnologia de ponta: demonstrações são uma coisa, mas a realidade é bem diferente, como sabe qualquer pessoa que já tenha se sentado diante de um computador. A Amazon, empresa que faturou 136 bilhões de dólares em 2016, causou euforia no fim do ano passado com o anúncio da Go, sua loja de conveniência sem caixas nem carrinhos de compras. O plano inicial era inaugurá-la em março deste ano, mas a abertura foi adiada indefinidamente por problemas técnicos: quando há mais de 20 clientes em circulação, o sistema não é capaz de acompanhar a movimentação das mercadorias. Outra dificuldade apareceu quando as pessoas se movimentavam rápido demais. A expectativa é que a loja abra com a presença de vários funcionários, para garantir que tudo esteja funcionando normalmente. Esses empregos, pelo menos, estão garantidos no futuro próximo.

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