Revista Exame

"Na Walmart, precisamos ser uma empresa só"

Pressionada pela matriz,a subsidiária brasileira do Walmart tenta acelerar a integração das operações regionais e impor à indústria um novo modelo de negociação

Núñez: presidente do Walmart: "Estamos com números excelentes em vendas, mas razoáveis em rentabilidade" (EXAME.com)

Núñez: presidente do Walmart: "Estamos com números excelentes em vendas, mas razoáveis em rentabilidade" (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Reza o protocolo corporativo que a convocação inesperada para reuniões a respeito dos resultados — sobretudo com a participação inédita de instâncias superiores — é um sinal quase sempre inequívoco de que algo não vai bem. Para a subsidiária brasileira do Walmart, terceiro maior varejista do país, esse alerta se manifestou no dia 18 de agosto. Naquela quarta-feira, 200 diretores e vice-presidentes participaram de um encontro que nunca fez parte do calendário da rede — historicamente, o grupo de executivos se reúne apenas no começo e no final de cada ano. A reunião inesperada se estendeu por três dias num hotel em Itupeva, no interior de São Paulo. Pela primeira vez, o mexicano Eduardo Solórzano, presidente do Walmart na América Latina, deixou sua base em Miami para participar do encontro com o time brasileiro Sua presença deu um tom solene a um pacote de medidas para melhorar a eficiência da subsidiária, anunciado pelo presidente da operação brasileira, o cubano Héctor Núñez. Entre as medidas estava a troca dos ocupantes das duas vice-presidências ligadas à integração de suas operações regionais — o vice-presidente comercial Marcelo Vienna e o vice-presidente de integração Willie Wagner foram substituídos, respectivamente, pelo até então diretor comercial de alimentos José Rafael Vasquez e pelo vice-presidente da área de sistemas, Romildo Barros. Outro ponto alto do encontro foi a apresentação oficial de um emissário da matriz, que já circulava pelos corredores da subsidiária há cerca de três meses: o mexicano Francisco Casado. Desde maio, Casado coordena a mudança no modelo de negociação de preço com fornecedores, que prevê descontos maiores para o Walmart. "Estamos com números excelentes em vendas, mas razoáveis em rentabilidade", afirmou Núñez em entrevista a EXAME. Um dos sinais mais nítidos desse problema é que nenhum dos executivos da subsidiária recebeu bônus neste ano, referente ao desempenho de 2009 (e a remuneração variável a ser paga em 2011 ainda é incerta). "Para chegar lá, precisamos ser uma empresa só."

Na prática, a missão de Núñez é integrar as dez bandeiras da companhia — hoje, cada uma delas atua de forma quase independente. Entre 2004 e 2005, o Walmart pagou cerca de 2,3 bilhões de reais pelas redes Bompreço, do Nordeste, e pelas quatro bandeiras do Sonae, na Região Sul, o que somou de uma hora para outra 250 lojas a um portfólio que contava à época com menos de 30 pontos de venda. Desde então, a rede abriu outras 173 novas lojas. No ano passado, seu faturamento alcançou 19,7 bilhões de reais, o maior crescimento entre as empresas do setor. À medida que ficou maior, sua operação também se tornou mais complexa (veja quadro na pág. 135). Terceiro colocado no ranking dos varejistas com atuação no Brasil, o Walmart tem mais bandeiras que seus principais concorrentes e uma estrutura maior — são 188 diretores, quase cinco vezes mais que o Pão de Açúcar, líder do setor. Para o Walmart, integrar as três unidades regionais independentes decorrentes das aquisições (Sul, Sudeste e Nordeste) significa acabar com parte das ineficiências que vêm comprometendo a rentabilidade. "Demoramos para fazer a integração, e isso deixou nossa estrutura cada vez mais complexa", diz Núñez. "Reverter esse movimento não é fácil."

No comando do Walmart no Brasil desde janeiro de 2008, Núñez tomou as primeiras medidas nesse sentido ao demitir cerca de 100 diretores, gerentes e coordenadores no ano passado — segundo um levantamento da consultoria Gradus, havia posições duplicadas. Neste ano, grandes alterações estruturais começaram a tomar corpo. Em maio, por exemplo, foi criado um centro de serviços compartilhados para reunir setores como contabilidade, jurídico e recursos humanos, antes tocados de forma independente em cada regional, num único escritório, em Porto Alegre. A mudança mais radical e delicada aconteceu na área comercial. Até pouco tempo atrás, cada uma das unidades regionais fazia suas próprias negociações de compra com os fornecedores. Desde junho, uma nova equipe vem sendo formada para dar um caráter nacional a esse trabalho. Foram nomeados cinco diretores de categorias de mercadoria, que cuidarão das compras para todas as lojas da rede no país.

Atritos

Junto com a integração, a subsidiária iniciou um esforço para mudar as bases de negociação com seus fornecedores. Núñez confirma as conversas, mas não dá detalhes a respeito. Segundo EXAME apurou com diversos grandes fornecedores, a proposta do Walmart seria abandonar a tradicional cobrança de verbas promocionais para inclusão dos produtos em tabloides e nos pontos mais visíveis das gôndolas e, no lugar disso, exigir um desconto maior nas compras, como acontece nos Estados Unidos. Em alguns casos, o abatimento chegaria a 40% do valor de tabela. Foi justamente para conduzir esse processo que a matriz enviou Casado, de 58 anos, para o Brasil. No início desta década, como vice-presidente comercial da operação mexicana, ele foi o responsável por fazer esse mesmo movimento. Como é de imaginar, essa tentativa de mudar as regras no Brasil resultou em atritos com os fornecedores. Até agora, poucos aderiram à proposta (Núñez não revela quais). "O Walmart está se impondo de maneira autoritária", diz um executivo de um grande fabricante de alimentos. "Descontos que não passavam de 5% devem ser ampliados para 20%."

Apesar dos contratempos, os planos de crescimento da subsidiária brasileira, hoje a terceira maior operação do Walmart no mundo (atrás apenas de Estados Unidos e México, em número de lojas), não foram alterados. A empresa anunciou investimentos de 2 bilhões de reais para 2010, com a abertura de 100 lojas — um recorde entre as empresas do setor. "O Brasil vive um momento histórico em termos de expansão, e não vamos deixar essa chance passar", afirma Núñez. Da capacidade de aproveitar essa chance depende o futuro do próprio Núñez na companhia (no início de agosto circularam rumores de sua possível demissão). "Fico até acertar as questões estratégicas para acelerar o crescimento e fazer a integração", afirmou ele. "Depois disso, quando a matriz tiver um novo desafio, posso ir para outro lugar."

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