Revista Exame

A cada minuto uma empresa pequena ou média fecha as portas

420.000 pequenas e médias empresas fecharam as portas no Brasil desde janeiro. É uma baixa a cada minuto. O principal motivo é a falta de financiamento

Ricardo Souza, da Totum Viagens: a empresa demitiu toda a área financeira (Daniela Toviansky/Exame)

Ricardo Souza, da Totum Viagens: a empresa demitiu toda a área financeira (Daniela Toviansky/Exame)

DR

Da Redação

Publicado em 28 de outubro de 2015 às 12h07.

São Paulo — Todos os anos, milhares de pequenas e médias empresas fecham as portas no Brasil por diversos motivos. Alguns têm a ver com a dinâmica do mundo dos negócios, como o aumento da concorrência e a mudança de hábitos dos consumidores. Além disso, a burocracia, os impostos elevados e, em alguns casos, a falta de segurança acabam tornando algumas empresas inviáveis.

Nos últimos meses, porém, houve um aumento fora do padrão no número de empreendedores que decidiram fechar as portas. De janeiro a outubro, aproximadamente 420 000 empresas de menor porte pararam de funcionar — quase o triplo da soma de todo o ano de 2014 e a maior taxa desde 2008, segundo um levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.

É como se uma empresa fechasse as portas a cada minuto. Claro, a recessão tem tudo a ver com essa mortandade. Mas um aspecto específico da crise atual é o maior culpado: a falta de crédito.

É natural que durante uma recessão os bancos segurem a mão na hora de conceder novos empréstimos — estão, afinal, preocupados com o aumento da inadimplência que fatalmente acompanha os maus momentos da economia. Mas, na atual crise, as pequenas e médias empresas têm sido especialmente atingidas pela secura nos financiamentos.

O volume de crédito para esse segmento caiu 3% no ano e os juros subiram. A média atual é de 6,5% ao mês, 30% acima do nível de 2012 e 7% maior do que há um ano — enquanto as concorrentes de maior porte pagam 2% ao mês, de acordo com dados do Banco Central.

A combinação entre crise econômica e juros altos elevou a taxa de inadimplência das empresas de menor porte, que atingiu neste ano o maior patamar desde 2012. Diante desse cenário, até mesmo os bancos de médio porte, que são especializados em emprestar para pequenas e médias empresas, ficaram mais conservadores.

“O risco de uma empresa ficar inadimplente aumentou muito. Não estamos buscando novos clientes”, diz Ricardo Gelbaum, diretor de relação com investidores do banco Daycoval, que passou a exigir mais garantias para emprestar e reduziu o prazo médio dos financiamentos. 

Quando uma grande empresa fica pendurada e tem dificuldade para pagar sua dívida, os bancos, em geral, concordam em renegociar para evitar que ela vá à falência — e que a dívida vire um prejuízo registrado no balanço, o que afetaria o resultado do banco. As empresas de menor porte, claro, não têm esse poder de barganha.

Para conseguir pagar o que elas devem e não quebrar, a saída encontrada por muitos empreendedores tem sido cortar ­custos e demitir. Os poucos que ainda faziam planos de expansão tiveram de engavetá-los. Foi o que aconteceu com a fabricante de produtos de limpeza industrial Elfen, que fatura 7 milhões de reais e fica em Mogi Mirim, no interior de São Paulo.

A empresa reduziu o preço de seus produtos neste ano e, com isso, a demanda aumentou 20%, segundo Fabio Stort, o fundador. Com vendas já contratadas, ele decidiu elevar a produção e buscou financiamento para comprar matéria-prima — que foi negado por Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Itaú.

Atualmente, está negociando com o Banicred, instituição especializada em comprar os créditos que as empresas têm a receber e adiantar os recursos para financiar suas atividades. “Se não fechar negócio, vou perder clientes”, diz ele. 

Sem garantias para oferecer aos bancos, o empresário Leonardo Campelo decidiu vender um terço de sua empresa, a Concil, para dois fundos de capital de risco, o DGF Investimentos e o F.E. Venture. “Não era o momento ideal para essa transação, porque pretendia expandir mais a operação antes de vender, mas precisei fazer isso para poder crescer minimamente neste ano”, afirma.

Ironicamente, a Concil é especializada em conciliação bancária — ou seja, ajuda clientes e instituições financeiras a chegar a um acordo sobre dívidas não pagas. A situação da agência de turismo corporativo Totum Viagens é mais crítica. Com receitas de cerca de 20 milhões de reais, a empresa costumava contratar empréstimos de 350 000 reais no fim do ano para pagar o 13o salário dos funcionários.

“Até 2014, recebia ligações insistentes do gerente do banco me oferecendo crédito. Cheguei a pegar 100 000 reais sem nenhuma garantia”, diz Ricardo Souza, dono da Totum. Neste ano, nenhum banco quis financiá-la. Para conseguir fechar as contas, a agência demitiu quatro dos 15 funcionários. Ficou sem departamento financeiro, que passou a ser comandado por um dos sócios.

Souza acredita que o faturamento cairá 20% em 2015 por causa dos “ajustes”. Hoje, metade dos empregos com carteira assinada no país está nas pequenas e médias empresas, segundo dados do Sebrae. Se mais empreendedores seguirem a estratégia de Ricardo Souza, a situação complicada dessas firmas deverá contribuir para elevar ainda mais a taxa de desemprego do país.

Startups de crédito

É possível que a atuação de alguns empreendedores ajude a amenizar a crise de crédito. Começam a surgir no Brasil startups especializadas em financiar empresas de menor porte. Não são bancos nem instituições financeiras, mas companhias que fazem a intermediação entre o empreendedor e investidores interessados em emprestar dinheiro a ele.

Nos últimos 12 meses, formataram 475 milhões de reais em empréstimos. As maiores do mercado são a Biva e a Broota, que surgiram em 2014. Esse é um mercado bem mais desenvolvido nos países ricos. Apenas nos Estados Unidos, o volume total de crédito concedido por essas startups chegou a 5,5 bilhões de dólares em 2014, segundo um estudo da consultoria PwC.

Em tese, por ser menores e mais especializadas, essas companhias conseguem conhecer melhor seus clientes e emprestar dinheiro de forma mais ágil, cobrando menos. O juro médio pago pelos clientes da brasileira Biva, por exemplo, é de 3% ao mês, menos da metade da taxa dos bancos.

O que ninguém sabe é se os modelos de análise de risco das startups são tão sofisticados quanto os dos bancos — ou se elas resistirão ao aumento da inadimplência se a situação econômica piorar. Com tantos empresários desesperados por crédito, essas startups sabem — torcida pelo sucesso delas não há de faltar.

Acompanhe tudo sobre:ConcorrênciaEdição 1100EmpreendedoresFalênciasStartups

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil