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Por que Hugo Chávez fracassou

Para o autor do aclamado livro Por Que as Nações Fracassam, Hugo Chávez atacou uma elite corrupta — e colocou outra no lugar. Com alguma sorte, porém, o chavismo terá vida curta

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Da Redação

Publicado em 11 de abril de 2013 às 13h37.

São Paulo - Após a morte do presidente Hugo Chávez, a pergunta que fica é: que legado ele deixou para a Venezuela? Para analisar esse ponto, é preciso reconhecer que no centro do chavismo havia uma contradição fundamental. Por um lado, seu projeto era uma reação da sociedade venezuelana contra as elites que haviam mantido as instituições do país numa camisa de força desde a independência. Mas, por outro, sua batalha contra as elites solapou a possibilidade de criar novas instituições que poderiam ter substituído as controladas pelas elites tradicionais.

As causas da ascensão de Chávez ao poder são fáceis de compreender. Na Venezuela havia um sistema partidário oligárquico conhecido como punto fijo. Em 1958, os dois principais partidos do país — a  Acción Democrática (AD ) e o Comité de Organización Política Electoral Independiente (Copei) — fizeram um pacto para se alternar no poder. À sombra dos partidos políticos havia um grupo de elites econômicas conhecido como os “doze apóstolos”, que criou esse sistema de “partidocracia”. Quando novas forças chegaram ao poder com propostas alternativas, logo mudaram de ideia. Carlos Andrés Pérez foi eleito presidente na década de 80 com uma plataforma mais à esquerda, mas, em pouco tempo, mudou de ideia. 

É nesse contexto que surge Chávez. Em 1992, ele protagonizou um golpe militar contra Pérez sob a bandeira do Movimento Bolivariano Revolucionário 200. Com o fracasso da tentativa de chegar ao poder, Chávez e os demais oficiais do movimento foram presos. Seriam libertados pelo sucessor de Pérez, Rafael Caldera, dois anos depois. Chávez voltaria à cena em grande estilo em 1998, quando foi eleito presidente pela primeira vez, uma clara resposta do povo ao sistema político que não conseguia se modificar.

Em desespero, a maior parte dos venezuelanos acabou atraída para uma proposta radical. Depois de empossado, Chávez se entregou ao processo de reescrever a Constituição. As mudanças que ele implantou incluíam redução na independência dos poderes, tão cara às democracias. O Legislativo dividido em duas câmaras foi transformado em unicameral, um movimento para permitir que mudanças constitucionais futuras pudessem ser aprovadas por maioria simples.

Também significativo foi o fato de que o Legislativo poderia conceder, por maioria, poderes quase ilimitados ao presidente, um recurso muito usado. Em 2000, Chávez obteve o direito de governar por decreto durante um ano sem precisar obter aprovação do Congresso. Em 2007, esse poder foi renovado e estendido para 18 meses. Ele foi renovado novamente em dezembro de 2010 por mais 18 meses. 

Em 2004, a Assembleia Nacional aprovou uma lei expandindo o tamanho da Suprema Corte de 20 para 32 membros e tornando possível o Legislativo ratificar a indicação de novos juízes por maioria simples. Cinco magistrados renunciaram em protesto, o que permitiu a Chávez nomear 17 novos juízes. Como Chávez defendeu essas mudanças?

Segundo ele mesmo colocou, era a melhor maneira de “romper com o passado, de superar esse tipo de democracia que só responde aos interesses dos setores oligárquicos, de se livrar da corrupção”. Seus argumentos eram persuasivos porque, como argumentou o sociólogo venezuelano Fernando Coronil, as pessoas comuns viam as elites como um clube corrupto que havia privatizado o Estado, saqueado a riqueza da nação e abusado do povo. “As pessoas foram traídas por seus líderes, e a democracia se tornou uma fachada”, diz Coronil. “A elite usava o Estado em seu próprio benefício.” 


Esse tipo de retórica é muito comum nos mais recentes regimes de esquerda da América Latina. Depois de assumir a Presidência do Equador pela primeira vez, em 2007, Rafael Correa observou: “Não sejamos ingênuos. Ganhamos as eleições, mas não o poder. O poder é controlado pelos interesses econômicos, os bancos, a partidocracia e a mídia associada aos bancos”. A palavra partidocracia é exatamente a mesma usada na Venezuela.

Em 28 de fevereiro de 2007, Correa fez um discurso significativo quando propôs a realização de um referendo para montar uma Assembleia Constituinte. Começou seu discurso da seguinte forma: “Nós dissemos que íamos transformar a pátria na revolução do cidadão, democrática, constitucional, mas revolucionária, sem nos enredar nas velhas estruturas, sem cair nas mãos daqueles com o poder tradicional, sem aceitar que a pátria tenha donos particulares. A pátria é para todos sem mentiras, com absoluta transparência”.

Chávez, como o equatoriano Correa e o boliviano Evo Morales, ganhou apoio porque sua plataforma política estava em sintonia com a do eleitor médio. De acordo com seus diagnósticos, os problemas econômicos de Venezuela, Equador e Bolívia decorriam do fato de que suas sociedades tinham sido apropriadas por uma elite. Na visão dos líderes dos três países, qual seria a receita para mudar essa situação? Romper o controle dessas elites sem criar uma nova.

A abordagem de Chávez, Correa e Morales foi fortalecer o presidente e remover o equilíbrio entre os três poderes, que no passado foram ferramentas para as elites bloquearem agendas reformistas. É quase como se fosse preciso “fogo para combater o fogo”. O raciocínio: as instituições haviam sido aprisionadas por elites no passado; logo, seria preciso demolir essas instituições para construir uma sociedade distinta. Em linhas gerais, é esse o argumento da esquerda latino-americana.

Curiosamente, esse apelo por uma sociedade nova não levou à construção de instituições diferentes na Venezuela. Isso porque o poder e a influência pessoal de Chávez estão muito ligados à desinstitucionalização. Na política venezuelana, Chávez era a personificação do poder. O maior problema de toda revolução — e a de Chávez não é exceção — é que ela substitui uma velha elite por uma nova. Mas, no caso venezuelano, o estilo de governo centralizador de Chávez pode, paradoxalmente, abrir uma janela de oportunidade agora que ele se foi.

Exatamente pela essência personalista dos anos Chávez, ele não pôde — ou não quis — institucionalizar seu regime. No melhor dos mundos, o período recente na Venezuela será visto, no futuro, como o de um ataque à velha elite sem criar uma alternativa duradoura. Se a Venezuela tiver sorte, essa situação poderá criar uma nova política muito mais fluida, em que exista uma chance de surgirem instituições mais inclusivas — órgãos públicos responsáveis por garantir a liberdade e a igualdade de escolha dos cidadãos na esfera econômica, independentemente do grupo social ou político a que pertençam. Uma comparação interessante é com a Argentina.

O ataque do ex-presidente Juan Domingo Perón às elites tradicionais de seu país nos anos 40 criou uma máquina política que tem governado a Argentina desde então. O chavismo, por sua natureza não institucionalizada, parece não ter criado nada semelhante. E isso talvez tenha sido seu maior legado — assim esperamos.

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