Kodak (Reprodução/Divulgação)
Renata Vieira
Publicado em 15 de fevereiro de 2018 às 05h00.
Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 08h21.
O fenômeno das criptomoedas chama a atenção por diversas razões. A primeira é a velocidade com que surgem. Entre as cerca de 1 500 existentes, 10% foram criadas neste ano. A segunda é a rapidez com que se valorizam. Embora tenha encolhido 50% no último mês, o valor do bitcoin, pioneiro e mais popular, com mais de 140 bilhões de dólares em circulação, saltou 1 500% só em 2017. Por fim, e não menos intrigante, é a criatividade de seus criadores, jovens empreendedores de todo o mundo. A sex-coin promete segurança absoluta em pagamentos por conteúdo pornográfico. Já a potcoin viabiliza transações em torno de produtos derivados da maconha. Há também a putincoin, em homenagem ao presidente russo, Vladimir Putin. No dia 9 de janeiro, um nome bem mais conhecido passou a integrar a galeria das criptomoedas: a kodakcoin. A centenária e combalida fabricante de equipamentos fotográficos anunciou uma ICO (sigla em inglês para oferta inicial de moedas). O mercado reagiu com otimismo — e o valor da ação da Kodak mais do que dobrou. “A força de uma grande corporação em relação às demais moedas é já ter um mercado consumidor”, afirma Yoshimiti Matsusaki, presidente da empresa de tecnologia TI Finnet e membro do comitê para discussão da padronização mundial de blockchain (sistema de registro digital), organização com 30 países representados.
Há rumores sobre a intenção de empresas como Facebook e Amazon seguirem a mesma trilha, mas nunca foram confirmados. O que se viu até agora são casos como o da gigante de tecnologia Microsoft, que aceita bitcoins como meio de pagamento. Ao lado de companhias como as consultorias Accenture e Deloitte e a empresa de eletroeletrônicos Samsung, a Microsoft se dedica a desenvolver novas funcionalidades para a Ethereum, plataforma de block-chain que permite firmar contratos inteligentes. No caso da Kodak, além da moe-da própria, a ideia é criar uma plataforma exclusiva para o gerenciamento de direitos de imagens de fotógrafos. Segundo a empresa, trata-se de uma maneira de resolver um problema real: a reprodução desautorizada na internet. Ao registrar o próprio material na plataforma, o profissional poderá controlar a venda de suas imagens e ser remunerado por isso. “Para muitos na indústria de tecnologia, ‘block-chain’ e ‘criptomoedas’ são palavras mágicas. Para os fotógrafos, são palavras-chave para resolver um problema que parecia insolúvel”, diz Jeff Clarke, presidente mundial da Kodak. Dias depois, o aplicativo de mensagens instantâneas Telegram, criado na Rússia e que já tem 170 milhões de usuários, anunciou que espera levantar 1,2 bilhão de dólares na oferta inicial de uma nova criptomoeda própria, a gram, cuja primeira venda privada de tokens está prevista para março. A proposta é que os usuários possam fazer pagamentos uns para os outros via aplicativo e, para isso, usem a nova moeda.
Uma série de dúvidas cerca as empreitadas. No caso da Kodak, a SEC, comissão de valores mobiliários americana, exigiu que detalhes sejam esclarecidos antes do lançamento, inicialmente previsto para 31 de janeiro. Ainda não se sabe com que liquidez as moedas digitais poderão ser convertidas em dólares, por exemplo. No caso do Telegram, embora não haja restrições da SEC, o problema é outro. No Fórum Econômico Mundial, a primeira-ministra britânica, Theresa May, descreveu o aplicativo como “casa de criminosos e terroristas”, em menção a indícios de que tenha sido usado para planejar ataques recentes. Embora nos dois casos haja entusiasmo por parte de investidores, existe pouco consenso entre especialistas sobre a própria utilidade das moedas. Por que os fotógrafos prefeririam receber em kodak-coins, e não em dólares? O mesmo questionamento cabe para o Telegram e seus grams. O aplicativo de mensagens chinês WeChat já integrou pagamentos a seus usuários, sem criar uma moeda. Para alguns especialistas, a inovação pode ser uma medida quase desesperada. A Kodak chegou a entrar em recuperação judicial em 2012 — a empresa que já foi sinônimo de fotografia foi atropelada nos anos 90 pela câmera digital. “É uma tentativa de mostrar fôlego e evitar um destino cruel”, diz Fúlvio Xavier, fundador da Smart-Chains, empresa brasileira especializada em desenvolvimento de blockchains. “É uma jogada de marketing oportuna.” Resta saber se será apenas isso — ou se a oferta de fato poderá inaugurar uma nova fase em que as criptomoedas serão mais um rentável produto no portfólio de grandes empresas.