Revista Exame

Por dentro da Apple, em primeira mão

O livro que desvendou alguns dos principais segredos da empresa chega ao Brasil. Leia, em primeira mão, trechos de Nos Bastidores da Apple, do jornalista americano Adam Lashinsky

Steve Jobs: um líder carismático, porém centralizador e muitas vezes desrespeitoso (Justin Sulivan/AFP Photo)

Steve Jobs: um líder carismático, porém centralizador e muitas vezes desrespeitoso (Justin Sulivan/AFP Photo)

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Da Redação

Publicado em 28 de julho de 2012 às 09h00.

São Paulo - "Em 24 de agosto de 2011, no dia em que renunciou como presidente da Apple, Steve Jobs participou de uma reunião com o conselho de diretores da empresa. Ele estava muito doente e chegara o momento de deixar o cargo.

Faltavam poucas semanas para a apresentação do ma is recente iPhone, que pela primeira vez incluiria o programa Siri, um assistente pessoal que entende comandos de voz. Assim como o computador HAL do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, Siri respondia a perguntas e conversava com o dono.

Scott Forstall, um alto executivo da Apple para smart­phones, estava demonstrando o programa para a diretoria quando Jobs o interrompeu. ‘Deixe-me ver o telefone’, disse Jobs, indicando que queria testar o Siri por conta própria. Forstall, que havia trabalhado para Jobs durante toda a carreira, hesitou.

A apreen­são se justificava: todo o encanto do Siri é que ele aprendia com a voz de seu dono, adaptando-se com o tempo a idiossincrasias e entendendo detalhes pessoais.

‘Tome cuidado com isso’, ele disse. ‘Ele está muito bem sintonizado com a minha voz.’ Jobs­ tipicamente não aceitava ‘não’ como resposta. ‘Dê o telefone’, ele esbravejou, indicando que Forstall lhe entregasse o aparelho.

O debilitado Jobs fez, então, uma pergunta existencial: ‘Você é homem ou mulher?’ O telefone respondeu: ‘Eu não tenho um gênero definido, senhor’. Vieram as gargalhadas e um pouco de alívio de Forstall.

A cena ilustra muitos dos princípios pelos quais a Apple é notável — mas também diferente da maioria das empresas tidas como modelo de boa gestão. A versão 4S do produto havia sido desenvolvida em extremo sigilo. A mecânica e o design do celular refletiam um obsessivo foco no detalhe.

Uma empresa gigantesca havia concentrado sua melhor mão de obra em um único produto. Também estava em exibição, pela última vez, um presidente que exibia traços de personalidade que normalmente a sociedade considera negativos — narcisismo, extravagância e desrespeito pelos outros.

Mas será que eram negativos mesmo? Será que o sucesso da Apple é único ou a empresa faz algo que o resto do mundo dos negócios deveria imitar? 


No último ato oficial de Steve Jobs, a equipe do iPhone já estava no máximo de seus limites. O projeto do modelo 4S do telefone estava colocando pressão sobre o resto da empresa. A nova versão do sistema operacional dos computadores Mac, o Mac OS, estava atrasada porque os engenheiros que escreviam o código haviam sido deslocados para trabalhar no iPhone.

O ressentimento se alastrou entre os colaboradores que não foram escolhidos para o projeto, pois, de repente, os crachás de identificação eletrônica pararam de funcionar nas áreas que haviam sido isoladas e reservadas para o desenvolvimento do aparelho.

Uma elite dentro da elite havia sido criada e o empurrão para terminar o projeto do iPhone 4S era como uma mobilização para a guerra. Será que outra empresa teria conseguido realizar um feito similar num prazo inferior a um ano? Provavelmente não. 

A Apple, com vendas anuais de 108 bilhões de dólares, é uma empresa cujos métodos vão contra décadas de máximas de gestão estabelecidas. É como se a empresa não prestasse atenção no que estavam ensinando nas escolas de administração e negócios — e, de fato, não estava.

A Apple é sigilosa em uma época em que a tendência nas empresas se direciona para a transparência. Longe de possuir poder, seus colaboradores operam dentro de uma faixa restrita de responsabilidade. Espera-se que os funcionários sigam ordens, não que ofereçam opiniões. Pouca gente — incluindo os próprios funcionários — tem pistas do que acontece na Apple antes do lançamento oficial de um produto.

É exatamente assim que a Apple quer. Os colaboradores sabem que algo grande está para acontecer quando os carpinteiros aparecem nos prédios da matriz da companhia, em Cupertino. Novas paredes são erguidas rapidamente. Portas são acrescentadas e novos protocolos de segurança são implantados.

Janelas que antes eram transparentes ficam foscas. Para o funcionário deixado de fora, a confusão é desconcertante. É bem provável que você não faça ideia do que esteja acontecendo e provavelmente não é para você saber. Se nada lhe foi revelado, então você não tem nada a ver com isso. Fim da história.

Os bons gerentes, como nos ensinam, são aqueles que delegam. Na Apple, pelo contrário, o próprio Jobs era um ‘microgerente’ em todos os sentidos da palavra, da aprovação de cada publicidade criada na empresa à decisão de quem participaria ou não das reuniões ultrassecretas.

A Apple ainda despreza outra peça do culto à eficiência da gestão moderna: ela deixa dinheiro na mesa quando os lucros estão em alta. A Apple, de fato, demonstra pouco interesse em Wall Street, dando a impressão de que vê os investidores como pessoas­ irritantes, na pior das hipóteses, ou como um mal necessário, na melhor das hipóteses.


A Apple não é sequer um lugar particularmente agradável, em uma era em que legiões de empresas competem para ser listadas na classificação anual dos lugares mais desejáveis para trabalhar. A Apple faz questão de não participar dessas disputas. É o oposto do ambiente do Google, talvez o melhor exemplo do que é considerado ‘bacana’ em termos de gestão de pessoas nos dias de hoje.

‘Posso trabalhar de pijama, comer salgadinhos e apostar corrida de patinete elétrico com os outros engenheiros.’ Essa é uma frase possível no Google que jamais foi ouvida na empresa criada por Jobs. A Apple paga salários competitivos com os do mercado, mas longe de serem os melhores.

Um diretor sênior pode receber um salário anual de 200 000 dólares mais bônus, que podem, nos anos bons, aumentar a remuneração total em 50%. De acordo com executivos da empresa, falar em dinheiro na Apple é desaconselhável, mesmo que a carga de trabalho muitas vezes inclua fins de semana e feriados. Quando era o vice-presidente de operações da Apple, Tim Cook era famoso por agendar reuniões com sua equipe nos domingos à noite.

Os executivos referem-se ao manual­ de procedimentos da empresa como a receita do ‘tempero secreto’. Quanto aos aparelhos da Apple — por mais que o mundo admire ou goste deles —, poucos entendem como ela os faz e os comercializa.

Não se sabe como seus líderes atuam — a maneira como a empresa coloca equipes para competir umas contra as outras e a falta de abordagem para o desenvolvimento de carreira.

Na Apple, muitos membros de posições médias trabalham duro durante anos na mesma função — mais uma diferença do resto do mundo corporativo, que costuma ter planos de carreira muito claros. Na empresa com a marca de Jobs, um punhado de assistentes dos executivos mais importantes é eleito para formar a próxima geração de líderes.

‘O que o Steve faria?’ certamente será a pergunta mais repetida por essa geração durante os próximos anos. Se eles conseguirem colocar em prática o que lhes foi ensinado, o sucesso da empresa está garantido. De fato, a ausência de Jobs colocará em teste a cultura da empresa que ele tentou institucionalizar em seus últimos anos de vida.

O último conselho que Jobs deixou a seus executivos, inclusive a Cook, o atual presidente, foi: ‘Nunca pergunte o que fazer, apenas faça o que é certo’. Pode demorar alguns anos, mas no futuro o mundo descobrirá se Steve Jobs era a Apple — ou se ele foi bem-sucedido na criação de um organismo suficientemente forte para sobreviver à sua morte.” 

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