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A virada da Black & Decker foi causa de seu presidente?

Nos últimos anos o executivo Nolan Archibald comandou uma virada sensacional na Black & Decker. Mas até que ponto o mérito é seu?

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Da Redação

Publicado em 11 de setembro de 2013 às 13h14.

Joseph Galli, presidente da divisão mundial de ferramentas elétricas da Black &amp; Decker, foi às Olimpíadas no verão passado - mas não àquelas a que você deve ter assistido na TV. O evento do qual participou aconteceu em Kansas City, no final de junho. Foi a Olimpíada dos Clubes Vocacionais e Industriais da América. É onde os melhores alunos das escolas técnicas americanas constroem casas, montam circuitos elétricos e consertam motores de carro, concorrendo a medalhas de ouro por seus trabalhos. É um dos melhores lugares para a Black &amp; Decker marcar presença.</p>

O ginásio Kemper, em Kansas City, estava repleto de bandeirinhas, cartazes, funcionários e ferramentas elétricas da Black & Decker. Galli andou no meio dos jovens presentes ao evento e fez um discurso sobre motivação profissional aos candidatos a encanadores, marceneiros e eletricistas, seus futuros clientes. Alguns dias mais tarde, numa manhã de sol quente na cidade de Charlotte, Carolina do Norte, Galli visitou as lojas Home Depot, Lowe s e W.W. Grainger, vestindo uma camiseta pólo amarela e preta que ostenta o logotipo mais quente da empresa, o das ferramentas elétricas DeWalt. Galli se desloca numa picape Dodge amarela e preta, também com o logotipo DeWalt nas laterais e no teto. Por que no teto? Quem sabe, talvez passe por clientes potenciais trabalhando em cima de telhados ou escadas altas.

Já deu para perceber que Joseph Galli não é daqueles executivos que se fecham em seus escritórios, escondidos atrás de suas mesas. Ele é responsável por 2,8 bilhões dos 4,8 bilhões de dólares de faturamento da Black & Decker - não apenas em ferramentas elétricas, mas também em produtos para uso ao ar livre, como cortadores de grama elétricos e tesouras para aparar cercas vivas. Sua divisão opera em cem países e emprega cerca de 14 000 pessoas, quase metade do total de 29 300 funcionários que tem a Black & Decker. Um detalhe: Galli tem apenas 38 anos.

Ele se reporta diretamente ao presidente do conselho de administração da Black & Decker, Nolan Archibald - e talvez seja essa a parte mais difícil de seu trabalho. Entre os capitães da indústria americana existem muitos que têm ego grande, mas poucos se comparam a Archibald nesse quesito. Entrevistado pela Forbes, Archibald falou extensamente sobre sua filosofia "cortar e construir" de direção e mostrou um organograma da empresa detalhando todas as suas divisões. Mas só havia um nome no organograma: o de Nolan Archibald.

"Só existe uma pessoa na Black & Decker, e essa pessoa é Nolan Archibald", diz um ex-vice presidente da companhia. Como a reportagem da Forbes tinha feito sua lição de casa, já sabia que Joe Galli é o homem chave da empresa. Mas foi preciso encaminhar diversos pedidos de entrevista à direção para convencer Archibald a permitir que entrevistássemos Galli. Fica mais do que claro que Archibald, um ex-campeão de basquete universitário, de ... 1,95 metro de altura, quer os refletores dirigidos apenas a ele próprio.


Egos inflados nem sempre representam desvantagem para uma empresa. Muitas vezes vêm acompanhados de muito talento. Mas a Black & Decker paga um preço alto pelo ego de Archibald. Excetuando um punhado de pessoas como Joe Galli, faltam à empresa bons quadros de direção. Vários executivos a abandonaram, sucessivamente, e acabaram se dando bem em outras empresas. Entre eles figuram três principais executivos: George Sherman, da Danaher, Michael Hammes, da Coleman e Gary DiCamillo, da Polaroid.

COMO OS REIS - Mas Nolan Archibald faria bem em não perder Joe Galli. Os subordinados de Galli o reverenciam. "Joe é um visionário", diz Rick Read, 26 anos, representante de vendas da Black & Decker. "Ele tem uma energia que nos fortalece a cada vez que a gente o encontra." Nos últimos quatro anos a equipe montada por Joe Galli conseguiu recapturar o mercado dos usuários profissionais de ferramentas elétricas de marcas japonesas e alemãs como Makita e Bosch.

A participação da Black & Decker no mercado profissional americano de ferramentas elétricas subiu de 8%, em 1991, para mais de 40%, em 1995. Durante esse período Galli reviveu uma marca dormente chamada DeWalt, fazendo nascer um novo negócio com altas margens de lucros, cujo faturamento anual cresceu de menos de 30 milhões de dólares, em 1992, para mais de 500 milhões de dólares este ano.

Ainda em 1989 a Black & Decker enfrentava problemas sérios, graças em boa parte à aquisição da Emhart Corporation, fabricante de fechaduras, torneiras e software de alta tecnologia, compra essa feita por Archibald em má hora e por preço alto demais.

Archibald estava interessado nas fechaduras Kwikset e nas torneiras Price Pfister porque elas se encaixam bem com as ferramentas elétricas Black & Decker, e costumam ser vendidas aos mesmos clientes. A aquisição, feita por 2,8 bilhões de dólares pagos inteiramente à vista, aumentou a dívida da empresa de 500 milhões de dólares para 4 bilhões de dólares, ou seja, 85% de seu capital total. O que a salvou foi a recuperação da divisão de ferramentas elétricas. Em 1995 a empresa ganhou 224 milhões de dólares e sua dívida havia caído para 2,4 bilhões de dólares, 62% de sua capitalização. Os lucros voltaram a subir no primeiro semestre de 1996, chegando a 83 milhões de dólares.

Num ramo onde os produtos não demoram a virar commodities, a Black & Decker vem gerando um fluxo constante de novidades, desde os aspiradores de pó portáteis Dustbuster, na década de 70, até eletrodomésticos que poupam espaço, como cafeteiras elétricas e liquidificadores montados nos armários da cozinha, na década de 80. Mais recentemente, a Black & Decker tornou-se a maior fabricante de faroletes, com o lançamento, em 1994, dos faroletes flexíveis SnakeLight.


Aos 53 anos de idade, Nolan Archibald gosta de comparar-se aos presidentes de outras empresas que têm marketing ótimo. "Assim como a 3M e a Gillete são empresas únicas, nós também somos", diz ele. Quando Archibald diz "nós", fala como os reis quando se referem a sua própria pessoa como "nós".

Os relatórios anuais dessas empresas a que ele se refere são preenchidos com fotos de executivos e referências a eles. Os relatórios anuais da Black & Decker mostram a foto de apenas um executivo, e praticamente não mencionam nenhum outro nome além do de Archibald.

VIRADA TOTAL - Poucos anos depois de Archibald assumir a direção da Black & Decker, dez anos atrás, seus executivos sêniores começaram a fugir para outras empresas.

Em 1986 Archibald cortejou e depois contratou George Sherman, da divisão Skilsaw da Emerson Electrics. Sherman promoveu uma virada total nas operações fundamentais de ferramentas elétricas da Black & Decker, no final dos anos 80. Mas em 1990 deixou a empresa para dirigir a Danaher, fabricante de ferramentas manuais.

Seu sucessor, Michael Hammes, foi trazido da Chrysler. Hammes ajudou a supervisionar o lançamento das ferramentas DeWalt - um sucesso total - e ascendeu na empresa, chegando a tornar-se vice-presidente do conselho da Black & Decker. Mas, em 1993, deixou a empresa para dirigir a Coleman, fabricante de equipamento para camping. No ano passado a Black & Decker perdeu o sucessor de Hammes, Gary DiCamillo, que a deixou para tornar-se o principal executivo da Polaroid.

Este ano a empresa já perdeu dois executivos de alto escalão: Steven Simms, que dirigia sua divisão de acessórios para ferramentas elétricas, que apresentava altas margens de lucros, e, mais recentemente, Don Graber, chefe da divisão de eletrodomésticos. Graber fora responsável pelo lançamento do produto mais quente da Black & Decker no momento, o SnakeLight, um farolete flexível vendido a cerca de cinco vezes o preço dos faroletes comuns.

A obstinação é uma qualidade desejável num líder, mas a arrogância, não. A cada seis meses os sete chefes das divisões operacionais da Black & Decker se reúnem na sala de conferências da empresa. Archibald manda aqueles que não conseguiram cumprir suas metas formarem uma fila do lado direito da sala. Os que passaram no teste ficam no lado esquerdo.

Os chefes do lado direito são obrigados a fazer uma confissão de seus pecados, em que explicam por que não atingiram as metas. "Eles odeiam ser colocados do lado direito", diz Archibald, sorrindo. "Nós" -note-se o uso do "nós" em tom de monarca - "achamos que esse tipo de competição entre pares é algo que os motiva."


Archibald parece achar que humilhar executivos ajuda a motivá-los. De acordo com um relato, Archibald certa vez se desculpou repentinamente no meio de uma reunião em que se discutia a venda de uma divisão da Black & Decker, pegou o jatinho da empresa e foi para casa, assistir a um jogo de basquete, deixando seus executivos num local distante de Long Island, sem alojamento ou transporte disponível. Ele é de longe a pessoa que mais freqüentemente faz uso do jatinho Falcon 900 da empresa. Os chefes das divisões viajam em vôos comerciais.

Nolan Archibald, natural de Ogden, Utah, formou-se na universidade Weber State, do Utah, saindo de lá como jogador de basquete, e depois estudou na Harvard Business School. Enquanto seus colegas de primeiro e segundo ano da faculdade faziam estágios em empresas de consultoria e bancos de investimentos, Archibald tentou, mas não conseguiu, uma vaga no Chicago Bulls.

Em 1970, quando se formou em Harvard, Archibald foi trabalhar na fabricante de trailers Conroy, na qual em pouco tempo chegou a gerente de marketing, depois passou para a Beatrice. Ali, pulou de uma divisão a outra até dirigir seu grupo de produtos duráveis para o consumidor, que incluía as malas Samsonite.

Em 1985 Archibald chegou à Black & Decker, como presidente, sob a direção do presidente do conselho Laurence Farley. A empresa andava de mal a pior, desde que Alonzo Decker Jr. deixara o comando, em 1975. Archibald não demorou a mostrar que sabe jogar muito duro.

Segundo ex-executivos da empresa, seis meses depois de assumir o cargo ele declarou ao conselho que ele e a equipe que montara deixariam a Black & Decker se ele não fosse nomeado executivo-chefe. Foi o sinal para a demissão do homem que o havia contratado, Laurence Farley. Archibald, então com 42 anos, conseguiu o que queria.

Seu passo seguinte foi enxugar a empresa, e em dois anos 2 700 funcionários foram demitidos. Milhares de outros tiveram seus salários reduzidos. No afã de mostrar que sabia não apenas enxugar, mas também construir, Archibald deu um passo em falso.

HEMORRAGIA DE EXECUTIVOS - Depois de perder uma guerra de lances para a aquisição da American Standard, em 1988, comprou a Emhart Corporation, maior do que a própria Black & Decker, com seu faturamento de 2,3 bilhões de dólares.

Com a exceção de alguns produtos como as torneiras Price Pfister e as fechaduras Kwikset, que representavam apenas 600 milhões de dólares em vendas, a Emhart não tinha utilidade para a Black & Decker. Várias de suas subsidiárias foram postas à venda logo depois.

As ações da Black & Decker caíram de 25, antes da aquisição, para 8 dólares. Archibald teve grande dificuldade em mantê-la solvente. O principal responsável por essa proeza foi seu executivo financeiro chefe, Stephen Page. Mas depois de concluir essa tarefa árdua, Page também deixou a empresa. Hoje é executivo financeiro chefe da United Technologies.

Não há dúvida alguma: a Black & Decker é uma empresa de qualidade superior em algumas áreas. Usando as chamadas células de fusão, que reúnem funcionários dos departamentos de marketing, vendas, manufatura, engenharia e financeiros, a Black & Decker continuamente lança uma grande gama de produtos novos.

O SnakeLight, que não passa de um farolete acoplado a uma base flexível, foi inventado depois que um funcionário viu um encanador trabalhando debaixo de uma pia, segurando o farolete com o queixo.

O Snakelight foi responsável por um faturamento de mais ou menos 150 milhões de dólares no ano passado e foi a razão principal da lucratividade da divisão de produtos domésticos da Black & Decker. Esse fluxo constante de lançamentos, aliado ao marketing agressivo, vêm garantindo à empresa a liderança em vários de seus mercados.

Nolan Archibald merece elogios por muitas coisas. Ele reconheceu o valor de Joe Galli, o promoveu e lhe deu espaço para trabalhar, além de apoiar as inovações que vêm mantendo a empresa na dianteira da indústria de ferramentas elétricas e acessórios para elas. Mas quando essas realizações são contrabalançadas à aquisição da Emhart, feita no momento inoportuno, à hemorragia de executivos e aos resultados financeiros globais, a nota obtida por Archibald cai bastante.

Depois da revoada de bons executivos, a alta direção da empresa que permaneceu é fraca. Joe Galli é um homem de desempenho excepcional, mas resta ver se ele conseguirá agüentar o ego inflado de Archibald por muito tempo. Talvez a Black & Decker realmente seja uma empresa que cresce e tem potencial para crescer muito mais - mas tudo indica que isso acontece não devido a Nolan Archibald, mas apesar dele.

© 1996, Forbes

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