Da esquerda para a direita, sentados, Leany Lemos (secretária de Planejamento do governo federal); Eduardo Leite (governador do Rio Grande do Sul); Pedro Paulo Carvalho Teixeira (deputado federal); Helder Barbalho (governador do Pará); Marília Melo (secretária do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais); Eduardo Riedel (governador do Mato Grosso do Sul); Natália Resende (secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do governo de São Paulo); e Luiz Augusto Silva (secretário de Planejamento do Paraná). Em pé, Fernando Chucre (secretário de Planejamento e Entregas Prioritárias do município de São Paulo); Fernando Schuler (pesquisador na escola de negócios Insper); Regina Esteves (diretora-presidente da Comunitas); Paulo Alexandre Barbosa (deputado federal); e Vitor Saback (secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral): troca de conhecimentos sobre desafios ambientais (Bira Cosme/Divulgação)
Editor de Negócios e Carreira
Publicado em 24 de agosto de 2023 às 06h00.
Última atualização em 27 de agosto de 2023 às 10h05.
Julho de 2023 já entrou para a história como o período mais quente registrado no planeta — e por uma grande margem. Ao redor de 17 graus Celsius por mais de 20 dias, a temperatura média da Terra superou em 0,33 grau o recorde anterior, de 2019. É uma marca muito fora da curva: raramente o termômetro global avança mais de 0,02 grau de uma vez só. Nas últimas semanas, ondas de calor nos Estados Unidos e na Europa provocaram mortes em série, o número total de vítimas ainda é desconhecido. (No ano passado, um fenômeno semelhante e de menor intensidade matou pelo menos 61.000 pessoas só na Europa, segundo estudo publicado na revista Nature também em julho de 2023.) De lá para cá, incêndios de grandes proporções assolaram destinos até então idílicos ao redor do globo — da Grécia ao Havaí, onde as chamas dizimaram a Ilha Maui no início de agosto. Para boa parte da comunidade científica, o mundo já perdeu a chance de conter o aquecimento global a 1,5 grau Celsius, meta do Acordo de Paris assinado por lideranças das principais economias do planeta em 2015. Restaria, agora, lidar com as consequências de um clima imprevisível e destinado a provocar mais catástrofes.
A conta do desatino climático cairá sobre toda a humanidade. Principalmente sobre lideranças políticas encarregadas de alguma resposta à crise. É uma responsabilidade enorme. Como planejar algo com base em um fenômeno de proporções gigantescas e, em grande medida, ainda desconhecidas até mesmo por cientistas? Não à toa, a agenda climática virou prioridade de governos ao redor do planeta, independentemente da orientação ideológica. O Brasil tem tradição na agenda climática, mas muita lição de casa por fazer. A preservação da Amazônia, por exemplo, segue sendo o maior desafio. Em busca de boas ideias, em julho um grupo de gestores públicos brasileiros passou uma semana estudando o tema na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, considerada uma das melhores do mundo por ter sido um embrião do Vale do Silício — as sedes de big techs Meta (Facebook) e Alphabet (Google) estão a menos de 10 quilômetros do campus. A comitiva brasileira em Stanford incluiu 11 lideranças com poder de decisão em todas as esferas do Estado brasileiro e de diversos grupos políticos. Sentaram-se nos bancos escolares três governadores: os tucanos Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, Eduardo Riedel, de Mato Grosso do Sul, e o emedebista Helder Barbalho, do Pará. Os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Ratinho Jr. (PSD), do Paraná, enviaram secretários de pastas dedicadas ao meio ambiente e a projetos de infraestrutura. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava representado por lideranças das pastas de Planejamento e de Minas e Energia. Dois deputados federais e um secretário da prefeitura de São Paulo, comandada por Ricardo Nunes (MDB), também deram as caras. No grupo estavam, ainda, executivos de empresas brasileiras com olhos abertos para a agenda ESG, como a mineradora Vale, a elétrica Neoenergia, a empresa de mobilidade Rumo e o conglomerado Ultrapar.
A semana de estudos foi organizada pela Comunitas, uma organização sem fins lucrativos criada na virada dos anos 2000 pela antropóloga Ruth Cardoso para desenvolver projetos de inovação na máquina pública com base em arranjos que envolvem lideranças públicas e privadas. Hoje, a Comunitas tem 200 frentes de trabalho em temas como gestão fiscal, saúde, educação e meio ambiente em 15 prefeituras e seis estados. Em Stanford, o grupo capitaneado pela Comunitas estudou no Centro para Democracia, Desenvolvimento e Estado de Direito, fundado pelo filósofo e economista Francis Fukuyama. Ele ficou célebre ao publicar, em 1992, um texto em que defende a vitória da democracia liberal, representada na queda do Muro de Berlim como um ponto-final na evolução dos modelos de governo — ou seja, era o “fim da história”. De lá para cá, Fukuyama dedicou as décadas seguintes ao estudo de políticas públicas, sobretudo em países emergentes como o Brasil. As aulas foram ministradas por um conjunto de professores do Centro para Democracia e executivos de empresas como a montadora General Motors, convidados a dar visões sobre o desafio climático. “A combinação entre conhecimento acadêmico de ponta e experiência prática proporciona aos participantes uma visão ampla e integrada dos conteúdos”, diz Regina Esteves, diretora-presidente da Comunitas. “A meta com isso tudo é estimular soluções inovadoras no Brasil.”
Em cinco dias de aulas, às quais a EXAME teve acesso, os alunos foram expostos a fatos e dados envolvendo a transição para uma economia verde. A começar pelas boas notícias: nos últimos dez anos, o mundo passou a construir mais usinas de fontes consideradas limpas, como solar e eólica. Atualmente, apenas 20% do aumento de capacidade energética vem de combustíveis fósseis responsáveis pelo efeito estufa. Há, claro, um passivo muito grande a ser resolvido: fontes como carvão e petróleo ainda respondem por 82% de toda a energia consumida no mundo. A sobrevida delas, contudo, está com os dias contados, no que depender das promessas de descarbonização da economia global — conhecidas pelo termo “net zero”. No ano passado, as promessas feitas por instituições financeiras, governos e empresas para o net zero chegaram a 91% do PIB global. Há apenas quatro anos, o total era de só 16%, de acordo com Alicia Seiger, pesquisadora sobre economia verde de Stanford. Novas tecnologias, como a separação de partículas da água para a geração do chamado hidrogênio verde, devem ganhar tração nesta década. Se tudo correr conforme as projeções otimistas, o mundo pode chegar a 2030 com abundância de energia limpa, barata e renovável. A questão será o tamanho da conta para colocar de pé uma infraestrutura 100% livre de carbono. Um cálculo da seguradora Swiss Re, exibido no curso, estima em 271 trilhões de dólares, quase três vezes o PIB mundial, o custo para a humanidade deixar de emitir carbono em suas atividades diárias. Só na adaptação do transporte, com vias preparadas para carros elétricos, a despesa chega a 105 trilhões de dólares. “Esse tipo de informação é essencial não só para falarmos de ESG mas para entendermos, na prática, os caminhos da transição verde”, diz Solange Ribeiro, titular de conselhos das empresas do Grupo Neoenergia e, atualmente, vice-presidente do conselho do Pacto Global, iniciativa da ONU para o desenvolvimento da agenda sustentável nas empresas.
Como o Estado pode liderar a transição para uma economia verde usando de maneira eficiente os recursos existentes para tal fim? Numa tentativa de responder a essa pergunta, uma parte significativa do curso foi dedicada a estratégias para garantir uma boa governança na máquina pública. Para isso, os alunos assistiram a palestras sobre temas vitais num projeto de infraestrutura. Um exemplo disso são as perguntas a serem feitas sobre a viabilidade financeira de uma obra ou a inclusão de critérios ESG em projetos financiados por organismos financeiros multilaterais, como o Banco Mundial ou o BID, voltados para as Américas. Em paralelo, a turma foi instada a debater decisões tomadas por gestores públicos em obras de infraestrutura em três continentes.
Comuns em MBAs de outras universidades de elite, como Harvard, os estudos de caso renderam discussões acaloradas em grupos pequenos, não raro sob a sombra dos carvalhos típicos da Califórnia e espalhados pelo campus. Um deles foi o da criação de um bairro “inteligente” movido a energias limpas na orla de Toronto, maior cidade do Canadá. Discutida desde a virada dos anos 2010, a proposta foi encabeçada pela prefeitura local e por uma empresa de tecnologia de sócios do Google. Desde o início houve uma disputa sobre o escopo: os executivos da iniciativa privada queriam permissão para erguer prédios numa área 16 vezes superior à destinada pela prefeitura. A disputa territorial levou à desaprovação popular e à saída em massa de gestores envolvidos. Um deles, inclusive, publicou a carta de demissão no maior jornal local. Sem apoio, o projeto foi abortado em maio de 2020. Enroscos desse tipo provocaram certa contemporização por parte de alguns alunos. “É importante ver como outros países enfrentam os mesmos problemas que a gente costuma achar que só existem no Brasil”, diz Marcos Lutz, CEO do Grupo Ultrapar.
O curso seguido pela comitiva brasileira em Stanford faz parte de uma tendência global: nunca se falou tanto de sustentabilidade em sala de aula. Em certa medida, a Academia está reproduzindo o frenesi ESG de empresas e governos. A fatia do tempo dedicado ao tema em cursos de MBA ao redor do mundo saiu de pouco mais de 1% do total em 2019 para mais de 20%, de acordo com o perió-dico inglês Financial Times, que publica um dos guias mais respeitados sobre educação executiva. Na Europa, esse tipo de conteúdo beira 30% da carga horária. “O diferencial de um curso como esse é o fato de lideranças públicas e da iniciativa privada poderem debater juntos um problema global”, diz Luiz Ildefonso Simões Lopes, chairman da Brookfield Brasil, braço do fundo sediado no Canadá e com investimentos em infraestrutura ao redor do globo.
Em Stanford, alguns conteúdos já faziam parte do dia a dia dos alunos. “O cumprimento dos critérios de governança de organismos multilaterais para o financiamento de projetos é condição básica do nosso trabalho”, diz Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do governo paulista. O olhar de fora para a realidade brasileira também ajudou os alunos a terem uma perspectiva mais ampla sobre o próprio trabalho. “É interessante ver como o Brasil está avançado na discussão de critérios ESG em projetos públicos”, diz Luiz Augusto Silva, secretário do Planejamento do Paraná. Alguns alunos viram semelhanças entre o próprio trabalho e os temas em pauta. Um estudo de caso sobre a reurbanização do centro de Long Beach, cidade colada a Los Angeles, deu a oportunidade ao governador gaúcho de discorrer sobre um projeto de investir 1,2 bilhão de reais na reforma do cais Mauá, conjunto de armazéns desativado no centro de Porto Alegre. Caso saia do papel, o plano é fazer da área um polo comercial e de gastronomia com direito a ciclovias e a um cuidado renovado com as margens do Rio Guaíba. “É um projeto ambicioso para padrões internacionais”, diz Leite.
Ao que tudo indica, a temporada em Stanford deve render um legado para além dos cinco dias de estudos. Uma das atividades mais comentadas foi uma visita à recém-inaugurada Escola de Sustentabilidade, primeiro departamento criado pela universidade americana desde 1948. A função do local, de acordo com o reitor Arun Majumdar, é agregar pesquisadores de todas as áreas de Stanford com soluções práticas para combater o aquecimento do planeta. A abordagem mão na massa inspirou o governador do Pará a pensar num arranjo semelhante. “Já iniciamos a discussão com Stanford e estamos conversando com a Universidade Colúmbia para firmar parcerias”, diz Barbalho. A semana de estudos veio em boa hora para o governador paraense. No início de agosto, ele foi o anfitrião da Cúpula da Amazônia, um encontro de líderes de oito países margeados pela floresta. Realizado em Belém, é considerado uma prévia da Conferência das Partes, a COP, principal colóquio mundial para discussões ambientais, promovido pela ONU todo ano em algum lugar diferente. Em 2025, a capital paraense será a primeira cidade brasileira a sediar uma COP e quer, assim, atrair o turismo ecológico. Objetivo semelhante tem o governador Eduardo Riedel para Bonito, já um dos principais destinos de natureza no país. “Discutimos Bonito numa perspectiva de cidade inteligente e estamos buscando parcerias para isso”, diz Riedel, para quem a estadia em Stanford serviu sobretudo pelo networking. “São pessoas que trazem uma visão e uma realidade que fazem refletir sobre como você está conduzindo as coisas.”
Num mundo assolado pela emergência climática em tantas frentes, o impacto de interações como as vistas em Stanford deve ficar mais comum e ter repercussões mais amplas. “A agenda ESG não só é contemporânea como também é transversal e vai impactar todos os setores da economia”, diz Leany Lemos, secretária nacional de Planejamento designada pela ministra Simone Tebet para, entre outras tarefas, identificar as ações do governo federal para uma transição para uma economia de baixo carbono. “Queremos identificar como o crédito público pode financiar ações verdes.” Antes de Stanford, a Comunitas já havia promovido formações internacionais em outras universidades de ponta, como Colúmbia, e visitas a cidades-laboratório de políticas públicas, como Medellín, reconhecida pelo combate à epidemia de violência nos anos 1990. A comitiva que esteve na Califórnia foi a primeira em ESG e foi sucedida pela organização de uma imersão sobre o mesmo tema no início de agosto. Ao longo de um dia, 38 secretários de prefeituras das cinco regiões foram ao Rio de Janeiro estudar com professores de Colúmbia e alguns alumni de Stanford, como Marília Melo, secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais. Ainda é muito cedo para mensurar algum impacto de tantas iniciativas para uma economia verde. Uma coisa, contudo, é certa: o Brasil e o mundo vão precisar de muito mais conhecimento e força de vontade para transformar a teoria em prática, caso queiram fazer frente ao tamanho do problema causado pelo aquecimento global — cujas consequências estão cada vez mais evidentes.
GOVERNO PRAGMÁTICO
No curso para a comitiva brasileira presente em Stanford, o filósofo e economista Francis Fukuyama defendeu os protótipos para tomadas de decisão na máquina pública
Um mundo permeado de informações vindas de todos os cantos, e onde qualquer pessoa pode virar autoridade nas redes sociais (não raro usando o expediente das fake news), traz desafios muito particulares aos governos. Como responder à altura aos anseios de uma opinião pública atenta aos problemas ao redor? E, sobretudo, sem muita paciência para entender os rituais da máquina pública nem para esperar os tempos e os movimentos do Estado? Em meio ao descompasso entre desejos e capacidade de entrega dos governos, o apoio à democracia vem caindo em vários pontos do mundo. Em paralelo, lideranças políticas com discursos polarizantes ganham relevância.
O filósofo e economista Francis Fukuyama defende uma abordagem prática para acelerar as tomadas de decisão na máquina pública. E, dessa forma, dar mais chances ao Estado de responder às aspirações dos cidadãos num mundo acelerado. Nas últimas duas décadas, Fukuyama tem dedicado boa parte do tempo
a estudar metodologias para aumentar a eficácia de políticas públicas. O Centro para Democracia, Desenvolvimento e Estado de Direito, fundado em 2002 na Universidade Stanford, onde ele é um dos expoentes, tem a missão de encontrar paralelos no funcionamento de governos ao redor do globo, especialmente em economias emergentes, como o Brasil. O objetivo é buscar pontos em comum nas políticas públicas bem-sucedidas e traçar estratégias para replicá-las em outros cantos.
Os estudos em mais de 180 países renderam a publicação de uma estrutura para a tomada de decisão na política pública. Chamado de Master's in International Policy (MIP) Problem-Solving Framework, o documento resume como os acadêmicos ligados a Fukuyama enxergam a boa governança no mundo. Aprender o framework é o primeiro passo dos alunos do departamento de Stanford. Com a presença da comitiva brasileira no início de julho não foi diferente: o próprio Fukuyama repassou o conteúdo na aula inaugural do curso.
A metodologia divide a tomada de decisão em três momentos. O primeiro é a identificação do problema. Nessa etapa, o gestor público deve entender quem são as pessoas envolvidas no tema, mapear as causas potenciais para o problema em questão e definir um escopo de atuação. Na etapa seguinte, a de desenvolvimento de soluções, a intenção é pensar em como resolver o problema e, de alguma maneira, criar um protótipo da solução. O terceiro momento é de escalar os protótipos, consultar de novo os grupos envolvidos no problema e avaliar resultados.
Na prática, cada problema tem um jeito próprio de se desenrolar, afirmou Fukuyama. O framework, portanto, é uma ferramenta para organizar em caixinhas fluxos normalmente caóticos na tomada de decisão. Fukuyama defende quebrar problemas em caixinhas minúsculas de modo a resolvê-las, uma por uma, até conseguir chegar às grandes soluções. “O foco da tomada de decisão deve ser estreito”, diz Fukuyama. “Quando quebramos um problema em peças pequenas, aumentamos as chances de resolvê-lo.”
Para ilustrar o seu ponto, Fukuyama recorreu a uma analogia feita pelo líder chinês Deng Xiaoping, arquiteto das reformas liberais responsáveis pelo boom econômico visto no país asiático a partir dos anos 1970. Prototipar a tomada de decisão dá a mesma segurança de “cruzar um rio sentindo as pedras embaixo dos pés”. Às voltas com impactos diversos sobre as esferas de atuação do Estado (o aquecimento global e as fake news sendo duas das principais), os gestores públicos ouviram atentamente as palavras de Fukuyama. A abordagem pragmática pode, afinal, trazer as respostas que tanto estão faltando para a gestão pública mundo afora.