Revista Exame

Planilha de inclusão no mercado: o trabalho para reduzir as desigualdades

Startups e empresas estão reparando desigualdades crônicas em todas as suas formas no mercado de trabalho

Iana Chan, CEO da PrograMaria: missão de atrair mais mulheres e pessoas trans para a área de TI (Leandro Fonseca/Exame)

Iana Chan, CEO da PrograMaria: missão de atrair mais mulheres e pessoas trans para a área de TI (Leandro Fonseca/Exame)

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Daniel Salles

Publicado em 29 de julho de 2021 às 06h00.

Última atualização em 5 de agosto de 2021 às 11h19.

O advento do ESG, sigla em inglês que resume boas práticas ambientais, sociais e de governança, pode dar a impressão de que as desigualdades crônicas do mercado de trabalho já estão à beira da extinção. Talvez na teoria.

Na prática, os desafios se mantêm gigantescos e estarrecedores. Tome-se como exemplo a presença feminina nos conselhos de administração das grandes empresas brasileiras. Só o do Enjoei, considerando as 382 companhias listadas na bolsa, tem mais mulheres do que homens.

A disparidade foi apontada por um ranking criado em março pela Teva Indices, empresa dedicada a coletar dados relacionados ao ESG, em parceria com a plataforma Easynvest. Dos cinco integrantes do conselho de administração do brechó online, dois são do sexo masculino.

O segundo lugar do ranking é ocupado pelo banco BMG, que distribuiu metade das oito cadeiras de seu principal colegiado para eles e a outra metade para elas. Em terceiro lugar aparece o Magazine Luiza, cuja dona, Luiza Helena Trajano, virou sinônimo de empoderamento feminino. Mas, dos sete conselheiros do Magalu, quatro são homens.

A edição mais recente do levantamento feito pela recrutadora Talenses em parceria com o Insper, o Panorama Mulher, revela outras graves desigualdades no universo corporativo. Das 532 companhias analisadas, só 13% são presididas por mulheres.

Menos de 2% das CEOs são negras; e todas as demais, brancas — não há representatividade parda, amarela ou indígena. Dos mandachuvas do sexo masculino, 95% são brancos. Negros correspondem a 0,3%, pardos a 2,2%, amarelos a 2,2% e indígenas a 0,3%.

O estudo concluiu que a probabilidade de as mulheres virarem líderes em empresas com presidência feminina é 2,5 vezes maior, e a de que elas ascendam ao conselho é 4 vezes maior. Por outro lado, constatou um suposto paradoxo: entidades presididas por homens são racialmente mais diversas e mais comprometidas com o empoderamento feminino e a igualdade de gênero. A explicação: ações concretas para tornar o quadro de funcionários mais diverso.

Líder global em software de gestão corporativa, a Salesforce aparenta ser uma das companhias mais comprometidas em reparar desigualdades crônicas do mercado de trabalho. A disparidade de salários motivada por diferenças de gênero, raça e etnia é uma delas. Desde 2015, a multinacional avalia anualmente os rendimentos de toda sua equipe — formada atualmente por 57.000 pessoas — com o intuito de reverter distorções, que são corrigidas com aumentos, pagamentos de bônus ou transferências de ações da companhia.

Karina Lima, integrante do Women’s Network: um dos grupos de equidade da Salesforce (Salesforce/Divulgação)

“Nenhuma empresa está imune às disparidades salariais”, afirmou Brent Hyder, presidente e chief people officer da Salesforce. “Para resolver o problema de vez, precisamos de colaboração e soluções compartilhadas.” Neste ano, 3,5% dos funcionários solicitaram ajustes de salário. A justificativa apresentada por 81% deles tem a ver com gênero — os demais alegaram questões raciais ou étnicas. Para resolver o problema, foi desembolsado o equivalente a 3,8 milhões de dólares. Desde 2015 foram cerca de 16 milhões de dólares.

A Salesforce tem metas de inclusão ambiciosas. Uma delas: até 2023, 50% da força de trabalho nos Estados Unidos será formada por grupos minorizados, de indígenas a membros da comunidade LGBTQ+. A porcentagem atual é de 47,4%.

Outro objetivo: dobrar o número de lideranças negras até o mesmo ano. Um site informa cada uma das metas e em que pé andam. Permite saber, por exemplo, que as mulheres ocupam 33,6% das vagas globais e 25,5% dos cargos de liderança. “A divulgação de dados como esses nos mantém constantemente provocados e comprometidos a agir para alterá-los”, diz Karina Lima, vice-presidente regional de vendas da Salesforce.

A executiva não se esquece de um evento organizado pela multinacional há poucos anos para homenagear profissionais em destaque. “Subiram no palco só pessoas que admiro, mas apenas homens”, recorda ela, que decidiu então virar uma das lideranças femininas. Lima é uma das integrantes do Women’s Net­work, uma das 12 comunidades internas formadas por profissionais de todos os níveis hierárquicos. “São grupos que nos ajudam a dar vazão a demandas que em geral são deixadas de lado”, resume a vice-presidente regional de vendas. Outra comunidade reúne veteranos do Exército americano, por exemplo, enquanto uma terceira abriga pessoas com idades mais avançadas.

Registre-se que não são poucas as empresas com iniciativas de inclusão bem-sucedidas. No ano passado, por exemplo, o Magazine Luiza anunciou um programa de trainee exclusivo para negros — e, veja a triste ironia, foi acusado de discriminar os brancos. Já o Nubank anunciou em março deste ano o Semente Preta. Trata-se de um fundo de investimento voltado para startups lideradas por negros — os aportes poderão totalizar 1 milhão de reais.

Para diversas companhias, a solução para aumentar a diversidade é recorrer a terceiros. À startup Se Candidate, Mulher!, por exemplo, fundada em maio do ano passado pela mineira Jhenyffer Coutinho. Exclusiva para mulheres, oferece três tipos de cursos preparatórios para processos seletivos e desenvolve projetos de contratação sob medida, encomendados por entidades como Movile e PicPay.

Fundada há quatro anos, a PrograMaria tem como objetivo atrair mais mulheres e pessoas trans para a área de TI. Além de um curso de programação, que já soma 5.000 alunos, ela promove eventos em parceria com empresas como Loft, Intel e Itaú. “Hoje em dia, as companhias precisam deixar claro que apoiam a diversidade”, diz Iana Chan, CEO da startup. “Do contrário, correm o risco de afastar os melhores talentos.”


Pelos próprios olhos

Empresas como Google e Salesforce estimulam os funcionários a se apresentarem no gênero com o qual se identificam

“A gente se esforça para que os funcionários venham de maneira autêntica para o trabalho”, diz Priscila Castanho, diretora regional da Salesforce na América Latina. Responsável pela área de recursos humanos, ela está às voltas com a implantação na região de um programa de autoidentificação voluntária, o Self-I.D. Lançado em 2017 pela Salesforce nos Estados Unidos, permite que todo funcionário informe sua orientação sexual, o gênero com o qual se identifica e o pronome que quer associar ao próprio nome.

A maioria das informações coletadas é mantida em sigilo. “Temos como objetivo criar programas de inclusão específicos para cada comunidade, mas para isso precisamos saber mais sobre nossos funcionários”, justifica Castanho.

Outra companhia que adotou o Self-I.D, em 2019, foi o Google. No ano passado, 62% dos “googlers”, como são chamados os funcionários do gigante da internet, aderiram à novidade. Dos participantes, 7,1% se identificaram como LGBTQ+ ou trans; 6,1% disseram ter alguma deficiência; 5,5% registraram passagem no Exército americano; e cerca de 1% afirmou não se identificar nem como homem nem como mulher.

“Os dados colhidos ajudam a tornar todos no Google mais visíveis e permitem criar um local de trabalho ainda mais inclusivo”, declarou James Heighington, head global de diversidade da empresa.

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