Donald Trump: o caos na política americana favorece o presidente Paul Hennessy (SOPA Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2019 às 05h38.
Última atualização em 16 de outubro de 2019 às 10h45.
Uma das peculiaridades das eleições presidenciais americanas é a longuíssima duração da campanha. A votação só acontece em 3 de novembro do ano que vem, porém mais de uma dezena de pré-candidatos democratas estão há meses visitando os estados-chave das primárias e debatendo na TV. Até agora havia pelo menos um consenso entre os postulantes à candidatura do Partido Democrata: falar de políticas e propostas concretas em vez de antagonizar diretamente o comportamento de Donald Trump, a estratégia que fracassou com Hillary Clinton em 2016. Mas o anúncio da investigação do impeachment virou a política americana de cabeça para baixo — e colocou os democratas num impasse sem saídas óbvias.
Em primeiro lugar, é preciso entender que Donald Trump pode vir a ser indiciado pelos deputados, mas as chances de que ele seja afastado do cargo são mínimas. Se aprovado o impeachment na Câmara (controlada pela oposição), o processo vai a julgamento no Senado, onde o Partido Republicano detém maioria confortável. O que preocupa os democratas, entretanto, não é o resultado final, mas, sim, o desenrolar do processo.
Quanto mais se estender a investigação, mais complicada ficará a vida dos candidatos da oposição. Os democratas terão de se equilibrar numa corda bamba para chegar à Casa Branca. Falar demais em impeachment significa abrir uma avenida para a narrativa de caça às bruxas e perseguição, refrões prediletos de Trump. Evitar o assunto também é virtualmente impossível; afinal de contas, o tema vai dominar o noticiário nos próximos meses.
Nancy Pelosi, democrata e presidente da Câmara, disse que o objetivo é conduzir o processo de impeachment com rapidez para que ele não se sobreponha ao período agudo da campanha eleitoral. Os democratas esperam que a votação na Câmara aconteça ainda neste ano. Mas não existem garantias. O escopo da investigação aumenta a cada dia e, além da Casa Branca, envolve ministérios e outros órgãos governamentais. “A Casa Branca tem se recusado a cumprir — ou até mesmo a responder — diversos pedidos de documentos de maneira voluntária. Parece claro que o presidente decidiu tomar o caminho da resistência, da obstrução e do acobertamento”, escreveu o deputado Adam Schiff, presidente da comissão de inteligência, numa carta à Casa Branca requisitando documentos.
Considerado por muitos democratas a maior esperança para retomar a Presidência, Joe Biden, vice do ex-presidente Barack Obama e um dos favoritos para as primárias, está em situação delicada. Seu filho Hunter Biden é um personagem central da investigação do impeachment (Trump teria pedido ajuda aos ucranianos para obter munição contra Hunter por supostos negócios ilícitos, em troca de um pacote de ajuda militar).
Além de lidar com ataques diários de Trump — e uma campanha de 10 milhões de dólares de anúncios negativos por parte dos apoiadores do presidente —, Biden está ficando para trás dos concorrentes na arrecadação de fundos. O montante levantado pelos pré-candidatos é visto como um termômetro da inclinação dos eleitores. Biden levantou 15,2 milhões de dólares no terceiro trimestre do ano. A senadora Elizabeth Warren arrecadou 24,6 milhões no mesmo período. O também senador Bernie Sanders liderou a corrida financeira, com 25,3 milhões.
Sanders foi a surpresa da eleição de três anos atrás, mas agora, aos 78 anos, pesam dúvidas sobre seu estado de saúde. Ele passou três dias no hospital no início de outubro para a colocação de dois stents. Dias depois, sua campanha revelou que a cirurgia havia sido precipitada por um ataque do coração sofrido pelo candidato após um evento em Las Vegas. Se vencer a disputa interna do Partido Democrata, Sanders será o mais velho candidato a presidente da história dos Estados Unidos, superando Trump, que estará com 74 anos no dia da eleição.
Joe Biden tem 76 anos; e Elizabeth Warren, 70. Mas a idade não é a maior preocupação que cerca a senadora do estado de Massachusetts. A pré-candidata, líder das pesquisas nos primeiros estados a realizar primárias, faz a campanha mais à esquerda numa disputa em que os democratas estão notoriamente distantes do centro. Warren fala em mudanças “grandes e estruturais” e defende aumento de impostos para os mais ricos, aumento do salário mínimo, expansão de projetos sociais e ensino superior gratuito.
Ela defende ainda a quebra dos gigantes da tecnologia em negócios separados. Facebook, Amazon e Google estariam “esmagando pequenos negócios e inovações e colocando interesses financeiros à frente dos interesses mais amplos dos americanos”, disse Warren em março. Num áudio vazado em outubro, Mark Zuckerberg, presidente do Facebook, disse que, se a senadora chegar à Presidência, “aposto que vamos desafiar [a divisão da empresa] na Justiça. É um saco para a gente? Sim. Mas, se alguém ameaça algo tão existencial, entramos no ringue e lutamos”.
Warren já teve de declarar publicamente que não é socialista. O mesmo aconteceu com a senadora Kamala Harris, outra pré-candidata democrata. O empreendedor Andrew Yang, uma das surpresas da campanha, defende um programa de renda mínima que garantiria 1.000 dólares mensais a todos os americanos adultos e fala dos riscos que a automação vai trazer para os empregos. Apesar de 54% dos integrantes do Partido Democrata se descreverem como “liberais” (em oposição a moderados ou conservadores), segundo uma pesquisa da Universidade de Chicago, o tom esquerdista da campanha democrata também promete ser uma novidade em eleições americanas.
Para Brian Winter, vice-presidente do centro de estudos Americas Society, essa deriva à esquerda se explica por uma mudança na forma de fazer política no mundo. “Muitos candidatos estão percebendo que ter apoiadores comprometidos e energizados é mais importante do que ter o apoio de moderados”, diz Winter. “Isso é especialmente verdadeiro no caso de Warren, que é vista como uma candidata autêntica.” E também é verdadeiro no caso de Trump: bater boca é o que ele mais gosta de fazer, e o processo de impeachment é o pretexto perfeito para entrincheirar sua base eleitoral.
Para os democratas, moldar a mensagem do impeachment será um dos pontos-chave. Mesmo que Trump não seja afastado, um indiciamento na Câmara, sustentado por evidências de que ele se envolveu em um toma lá dá cá com líderes estrangeiros, será uma arma importante da campanha. Já o presidente deve se apoiar na tática de causar ruídos, segundo Paul Light, professor na Universidade de Nova York: “A Casa Branca sabe que o caos é amigo do presidente, assim como desinformação, confusão e acusações. Os democratas têm de se certificar de que a mensagem fique clara durante todo o processo de impeachment”.