Revista Exame

P&G: a empresa é para a sociedade

“Está claro que o mercado tem a responsabilidade de se reinventar”, diz Marc Pritchard, presidente global de marcas da P&G em entrevista exclusiva à EXAME

Marc Pritchard, presidente global de marcas da P&G (Eric Gaillard/Reuters)

Marc Pritchard, presidente global de marcas da P&G (Eric Gaillard/Reuters)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 16 de julho de 2020 às 05h23.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 12h03.

A pandemia da síndrome respiratória covid-19, causada pelo novo coronavírus, vem acelerando tendências de negócios e consumo. No marketing, não basta mais falar apenas do produto. Para 71% dos entrevistados no estudo global Trust Barometer, da agência de comunicação Edelman, as companhias que estão colocando seus ganhos acima das pessoas durante a crise perderão a confiança para sempre.

Consumidores se importam com o papel social da marca, apesar da crise econômica: na hora das compras, 62% são mais propensos a escolher artigos de empresas que estão fazendo bem para a sociedade e 29% pagariam mais caro por marcas que contribuem para a comunidade, segundo uma pesquisa da consultoria EY.

Algumas companhias, porém, usam esses dados para nortear a estratégia de negócios há tempos, como é o caso da fabricante americana de bens de consumo Procter & Gamble. A empresa, cuja receita cresceu anualmente 4,85% nos 12 meses encerrados em março, para 70,3 bilhões de dólares, tem a seu favor, por exemplo, a maior busca por produtos de higiene e beleza durante a pandemia.

No Brasil, o setor registrou um crescimento de 2,8% em volume e de 0,6% em faturamento nos cinco primeiros meses deste ano, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. A P&G informou que as vendas aumentaram 10% no primeiro trimestre nos Estados Unidos também em razão da corrida para estocagem de itens como papel higiênico.

Nesse movimento, a P&G também é favorecida por seu histórico de campanhas publicitárias com propósito. No Festival de Publicidade de Cannes, o mais importante do setor, realizado virtualmente em junho, a P&G foi a vencedora do prêmio Anunciante da Década pelo lançamento de campanhas socialmente relevantes, como Like a Girl, da marca de absorventes íntimos Always, que buscou gerar confiança em meninas e mulheres ao desconstruir os tabus de gênero e da menstrua­ção.

A multinacional americana é uma das maiores anunciantes do mundo. No ano fiscal encerrado em junho de 2019, seu orçamento para publicidade ficou em 6,8 bilhões de dólares. Mesmo com poder e história, o desafio agora é continuar relevante e se preparar para um futuro incerto. “Está inevitavelmente claro que o mercado tem a responsabilidade de se reinventar. De marcas e empresas que se resumem a si mesmas, há uma mudança para as que se destacam com a força de negócio e a força do bem”, diz Marc Pritchard, presidente global de marcas da P&G. Leia a seguir a entrevista que Pritchard deu à EXAME por videoconferência, de seu escritório em Cincinnati, nos Estados Unidos.

Como a pandemia da covid-19 afetou as estratégias da P&G?
Em relação ao marketing, começamos 2020 ansiosos para emplacar nossas comunicações em grandes eventos. Tínhamos planos para Super Bowl, Olimpíada de Tóquio e Cidadão Global. Mas, no início de março, a pandemia atingiu os Estados Unidos e tudo mudou. Revisamos todas as comunicações para sermos úteis segundo a lógica de “como fazer”. Falamos sobre a importância de estar barbeado para usar máscara, como higienizar superfícies e até passamos a oferecer serviços de lavanderia grátis para profissionais de saúde. Em relação à produção, já estávamos acompanhando nossos colegas na Ásia e na Europa e foi preciso entender como agir. Aplicamos protocolos de segurança e contamos com os funcionários que possibilitaram a fabricação e a distribuição dos produtos, especialmente no início, quando muitos corriam para estocar os itens de higiene em casa.

Em muitas companhias as doações passaram a ser mote para o marketing. Foi assim na P&G?
Começamos a promover muitas doações sem comunicar. O objetivo principal era saber como ajudar e, por fim, isso passou a ser divulgado. Doamos produtos, dinheiro e equipamentos de proteção a quem mais precisa por meio de mais de 200 instituições ao redor do mundo. Mas, em muitos casos, acredito que as pessoas não saibam claramente que a P&G está por trás da força-tarefa. Um exemplo foi a provocação do governador de Ohio, Mike DeWine, dizendo que gostaria de entreter os jovens em casa. Lançamos, então, o desafio #DistanceDance no TikTok. Para os primeiros 3 milhões de vídeos originais postados, a P&G doa­ria produtos a famílias em situação de vulnerabilidade. Ultrapassamos a meta, e em junho o vídeo tinha sido visto aproximadamente 17 bilhões de vezes. O que se seguiu foram vários outros programas para ajudar a combater a covid-19 em todo o mundo. No Brasil doamos mais de 40 milhões de reais em produtos a comunidades vulneráveis e profissionais de saúde.

Fábrica da P&G no interior de São Paulo: as vendas de produtos de higiene pessoal aumentaram na pandemia | Fabiano Accorsi

O senhor criticou anteriormente as agências de marketing, especificamente pela falta de transparência na entrega de resultados e pela rigidez nos contratos. O modelo tem mudado com a pandemia?
O modo como as agências trabalham vem mudando drasticamente nos últimos cinco anos. Fazer publicidade era diferente, e elas retinham muito dinheiro no processo. Como companhia, estamos conseguindo direcionar ainda melhor os custos e investir no que faz mais sentido, pois agora é preciso pensar na publicidade em diferentes formatos e plataformas e também para diferentes públicos. Temos mais liberdade para escolher agências e até para trabalhar com mais de uma delas no mesmo projeto. A campanha The ­Choice, por exemplo, que lançamos em meio aos protestos antirracistas fortalecidos após a morte de George Floyd, aqui nos Estados Unidos, foi criada pela Grey de Nova York e pela Cartwright de Los Angeles.

Nos Estados Unidos, além da P&G, outras marcas se pronunciaram antirracistas, mas, no Brasil, não vemos claramente essa posição institucional. Por que esse discurso não acontece também por aqui?
Esperamos que haja uma mudança efetiva na maioria dos países da forma que for possível. No Brasil, talvez não tenha sido vista uma campanha como marca institucional, mas isso está acontecendo com as marcas de produtos. Um exemplo é que há dois anos a Head & Shoulders desenvolve a campanha Eu Respeito Minhas Raízes e, em junho, lançou o vídeo-manifesto Raízes, com a intenção de celebrar as raízes afro-brasileiras. De que forma usamos nosso poder é uma escolha e, como uma das maiores anunciantes do mundo, a P&G tem a responsabilidade de intensificar esse discurso para uma audiência tão grande. Nos Estados Unidos, sabemos que os afro-americanos têm 340% mais risco de morrer de covid-19 do que os brancos. Com base nisso, decidimos anunciar a doação de 5 milhões de dólares por meio do fundo Take On Race a organizações que possam mudar esses indicadores.

As empresas estão sendo mais pressionadas a realizar e comunicar ações sociais?
Sim, mas a comunicação efetiva não começa de uma hora para a outra. Digo que é importante aprender sobre como as desigualdades sistêmicas se desenvolveram e como foram institucionalizadas. Aprender sobre os privilégios concedidos às pessoas brancas. Por exemplo, sei que, se eu tivesse escolhido usar o sobrenome do meu pai, Gonzales, minha vida provavelmente teria tomado um caminho diferente. Os problemas de raça estão profundamente arraigados na sociedade. No entanto, como qualquer coisa, quanto mais sabemos, mais podemos encontrar maneiras de ajudar a fazer mudanças.

Ao se declarar antirracista, é preciso ser consistente nas ações de diversidade dentro da empresa. Como isso tem acontecido?
Fazemos um esforço global para ter um quadro de funcionários diverso. Sabemos que temos de, internamente, representar as pessoas dos países em que estamos presentes. Atualmente, cerca de 40% dos funcionários são mulheres, e a meta é chegar a 50%. Na liderança já conseguimos a equidade. Em toda contratação ou promoção, assegura-se que haja uma candidata mulher e um candidato homem, e os dois têm de ser avaliados igualmente de acordo com perfil, experiência e conhecimento que se está buscando, porém nunca deve ser dada somente uma opção ao gestor.

Queremos também refletir as multiculturas, e entendo que ainda não tenhamos chegado lá, mas estamos fazendo progresso. No escritório central de São Paulo, por exemplo, a representatividade de pretos e pardos cresceu 63% em dois anos. Entre todos os funcionários brasileiros, os negros são 32%. Ainda no Brasil, onde a companhia é presidida pela Juliana Azevedo,­ há grupos para a inclusão de LGBTI+ e pessoas com deficiência. Esses grupos são importantes da porta para dentro e da porta para fora da empresa.

A diversidade só funciona e faz sentido quando é aplicada na prática por meio de políticas e atitudes consistentes. Pesquisas comprovam que, além do impacto social, a diversidade traz valor para os negócios. Uma empresa como a P&G, e tantas outras que atendem clientes de diferentes países, perfis e interesses, só consegue ser mais assertiva quando conta com funcionários que podem ajudar na inovação e no desenvolvimento de produtos úteis e eficientes para todos.

The Choice: a campanha da P&G nos Estados Unidos convida pessoas brancas a se posicionarem na luta contra o racismo | Reprodução (Divulgação)

Qual é o papel de empresas do porte da P&G na representação da diversidade nas propagandas?
O modo mais visível é fazer propaganda respeitosa e representativa. No Brasil, isso tem ocorrido com um olhar especial, por exemplo, para influenciadores e embaixadores das marcas. Além de fazer propagandas sobre a força feminina, a equidade étnico-racial e outros temas, é preciso fomentar o ecossistema. Está havendo um progresso sólido, mas é preciso avançar na mudança das equipes de agências, e nem estamos perto de onde deveríamos nas equipes de produção desse conteúdo comercial.

Os objetivos são claros e exigem novas intervenções em contratação, treinamento, desenvolvimento de pessoas, rastrea­mento e prestação de contas. Anunciamos, então, que estamos reestruturando os sistemas de compras para aumentar o investimento em empresas, agências e fornecedores de mar­keting de negros ou operados por eles. O investimento econômico nas empresas negras e seu crescimento são bons para a comunidade e para a economia em geral.

Como o setor de bens de consumo pode se preparar para garantir negócios sustentáveis pós-pandemia?
Meu grande conselho é o mesmo para todos os setores. É preciso estar focado em seu produto e mostrar que ele é a melhor escolha. Vimos isso no início da crise, quando as pessoas estocaram produtos e escolheram nossas marcas. O que se vende, como os bens de consumo, deve estar ligado ao comunicado de valores da companhia. Os consumidores valorizam isso e respondem na hora da compra, mesmo numa recessão.

É preciso ser bom para a sociedade, ajudar economicamente e, por consequência, colher os benefícios. Outro fator determinante é deixar claro que nenhuma empresa funciona sozinha. Especificamente na categoria de higiene e beleza, a covid-19 aumentou a importância e a preocupação dos consumidores com os hábitos de limpeza e saúde.

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