Gisele Gasparoto, do grupo de mulheres LuluFive: aumento de 50% na procura depois da pandemia (Divulgação/Divulgação)
O que você comprou durante a pandemia? Muita gente colocou no carrinho móveis de escritório, notebooks e vinhos. Para além da necessidade imediata de produtos para home office, além daquele merecido prazer etílico, itens para saúde e bem-estar também tiveram boa demanda. Entre estes um em especial se destacou: bicicletas.
Entre 15 de junho e 15 de julho, as vendas de bikes aumentaram 118% no Brasil em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira do Setor de Bicicletas, a Aliança Bike.
“O aumento se deu especialmente porque a população buscou soluções para evitar as aglomerações do transporte público, seguindo inclusive recomendações da Organização Mundial da Saúde”, afirma André Ribeiro, vice-presidente da Aliança Bike.
Trata-se de um fenômeno global. Na Europa, o boom foi chamado de “a era de ouro da bike” por Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, que, assim como outros governantes, está apostando em uma série de medidas de incentivo, financeiros e de infraestrutura, ao uso da bicicleta para restringir o contágio do coronavírus no processo de reabertura da economia.
Países como França, Itália e Portugal chegam a oferecer subsídios para os cidadãos comprarem seus equipamentos. “As pessoas também estão procurando se exercitar de uma forma segura, com distanciamento”, completa Ribeiro. O resultado está nas ruas, nas ciclovias, nos parques e nas estradas.
PARA PASSEIO
A alta demanda por bicicletas nos últimos meses surpreendeu até gigantes do varejo, como a Decathlon, uma das maiores lojas de artigos esportivos do Brasil.
“Os maiores períodos de vendas de bicicletas sempre foram o Natal e o Dia das Crianças. Neste ano, a partir de maio, a procura foi tanta que faltou estoque, os distribuidores não estavam preparados”, conta Marcello Toshio, gerente de marca na Decathlon.
Ele explica que 60% desses novos compradores chegaram procurando bikes de uso esportivo, enquanto apenas 8% adquiriram modelos para mobilidade urbana.
“Imagine todas aquelas pessoas que jogavam futebol aos domingos, ou iam à academia, e ficaram carentes do seu esporte. Teve também quem não era muito adepto de atividade física, mas não aguentava mais ficar trancado dentro de casa e recorreu à bicicleta como forma de lazer quando a flexibilização começou”, explica Toshio.
Na Caloi, as vendas também dispararam. “Sentimos aumento de procura em todas as categorias”, diz Cyro Gazola, presidente da Caloi. “Tem gente buscando bicicleta para os filhos, para se locomover dentro da cidade evitando aglomeração, para economizar nas despesas fixas e para se exercitar ao ar livre. Vimos uma grande leva de novos entrantes.
A linha Caloi Explorer, por exemplo, está sendo bastante procurada por pessoas que não são do nicho da bicicleta, mas que viram na bike uma oportunidade de cuidar da saúde e se divertir na cidade ou na natureza.”
A empresária Paola Tarallo Altieri, dona de uma pizzaria em São Paulo, faz parte desse novo grupo. “Eu cumpri o isolamento à risca por mais de dois meses, então parei de frequentar a academia.
Com a flexibilização, passei a pedalar quase todos os dias com meu marido e meus filhos pelas ruas perto de casa ou no Parque Ibirapuera. Virou uma mistura de passeio e atividade física”, conta.
O hábito de procurar rotas mais próximas das residências movimentou também o Strava, app e rede social queridinho entre ciclistas e corredores. A funcionalidade routes builder, que mapeia percursos próximos ao usuário, virou uma das preferidas dos assinantes durante a pandemia.
“Lá você informa seu ponto de partida e até onde quer ir, escolhe tipo de pavimento, altimetria e distância. O algoritmo do app usa os mais de 3 milhões de atividades de todos os inscritos e sugere as três mais populares”, explica Rosana Fortes, country manager do Strava no Brasil. Ela conta que o país foi um dos que mais aderiram à novidade. No Brasil, o Strava atraiu mais de 3 milhões de novos atletas desde o começo de 2020.
MEIO DE TRANSPORTE
A bicicleta sempre foi um equipamento para ir e vir em curtas distâncias com independência e eficiência. Como representa baixo risco de aglomeração e contágio de coronavírus, o ato de pedalar está ainda mais em alta.
“Nesse cenário, a Europa, que tem uma cultura ciclística historicamente enraizada, incentivou fortemente o uso da bike por ser justamente um transporte individual, seguro, de baixo custo, eficiente e sobretudo que ajuda a promover o bem-estar”, diz Gonçalo Costa, gerente de produto da Specialized.
“No Brasil, por questões de topografia, infraestrutura e distância, o presente e o futuro próximos serão das e-bikes.” De olho nesse consumidor, a marca aposta nos modelos turbo. “Essas versões serão parte da solução no combate à crise climática.”
O inconveniente dessas bicicletas elétricas mais potentes é o preço, entre 28.000 e 110.000 reais. Uma alternativa são empresas como a E-Moving, de assinatura mensal de bikes elétricas.
Funciona assim: você escolhe um plano, o trimestral de 269 por mês ou o de 199 reais por 15 dias, e fica com a e-bike o tempo todo. Vem com bateria removível e trava de segurança, e a empresa oferece manutenção sempre que for preciso.
“Nos últimos dois meses, os clientes que haviam cancelado estão voltando”, garante Gabriel Arcon, CEO da E-Moving. “Agora, além daqueles que voltaram para o escritório, temos aqueles que seguem em home office e ganharam mais tempo para levar e buscar o filho na escola, famílias que tinham dois carros e venderam um, gente que tinha carro e se desfez na pandemia”, afirma.
Outros adeptos das bicicletas elétricas de aluguel são pessoas que já não tinham automóvel próprio, mas dependiam de transporte público, por aplicativo ou bicicletas compartilhadas, segundo Arcon. Para o executivo, o coronavírus antecipou ou acelerou tendências inevitáveis e trouxe para os próximos meses o que se esperava ver em dois ou três anos.
“A partir de agora, veremos mais empresas oferecendo a bike elétrica como benefício alternativo ao vale-transporte, por exemplo, ou até ao estacionamento. Se você considerar que a distância média diária percorrida pelo paulistano de carro é de 8 quilômetros, e que 42% das corridas de táxi são de até 2,5 quilômetros, faz muito mais sentido ter uma bike elétrica.”
NA ESTRADA
Nem só nas ciclofaixas se observa o boom do ciclismo da pandemia. Se você costuma viajar de carro já deve ter visto pelotões rodando pelo acostamento. “A essência do ciclista é sentir a brisa do vento no rosto e ir cada vez mais longe com sua bicicleta”, diz Costa, da Specialized.
“A busca pelo estilo de vida saudável, a fuga dos congestionamentos das grandes cidades e ainda conseguir se divertir durante um deslocamento é algo que somente uma bicicleta pode proporcionar. Durante os meses mais restritivos da pandemia, o rolo salvou os ciclistas em casa, mas com a flexibilização e cuidados de higiene e segurança reforçados, o natural é que os ciclistas queiram a rua.”
Desejo que já se reflete em escolas e grupos de pedal, como a LuluFive, empresa que inicia mulheres no ciclismo, dá treinamento de pedal em estrada, forma equipes de ciclistas amadoras com foco em performance e organiza travel experiences.
“Antes da pandemia estávamos com 57 alunas, e eu recebia em média um a dois contatos por dia de interessadas em começar. De lá para cá, crescemos 50% e os contatos telefônicos aumentaram para cinco por dia”, conta Gisele Gasparoto, fundadora da empresa.
Antes da pandemia, a empresa Pediverde dava aulas e organizava viagens em grupo. Agora prioriza roteiros exclusivos para pequenos grupos.
“Organizamos toda a infraestrutura e acompanhamos o ciclista, ou ainda oferecemos o serviço de carta de navegação personalizada para quem quer fazer o cicloturismo sozinho”, explica Gustavo Angimahtz, diretor fundador da Pediverde.
Já a Pisa, Trekking, especializada em trekking e expedições, oferece destinos no Brasil e no exterior e aposta no cicloturismo nos parques nacionais neste momento ainda restritivo.
Os adeptos das viagens a pedal são pessoas como a publicitária Maria Eugênia Cardoso, de São Paulo. “Comecei a pedalar no campus da Universidade de São Paulo e logo estava indo treinar na estrada para Romeiros”, conta. “Em pouco tempo estava inscrita para uma prova de ciclismo em Nova York, depois outra na Itália, e em outro momento passei alguns dias pedalando em Portugal, pelo Alentejo.”
Ou o casal de empresários Vera e Fred Modolin, que formou um grupo com mais quatro amigos e um professor de ciclismo para poder voltar à estrada. “Esse contato com a natureza, o vento no rosto, a sensação de liberdade, ao mesmo tempo que percebemos o bem-estar do corpo, o bom humor, bem-estar… Tudo isso é inigualável”, completa Maria Eugênia.
VOU ALI E JÁ VOLTO
Não sabe para onde se dirigem todos aqueles carros com a bike no teto nos fins de semana? Os especialistas contam
Rio de Janeiro
“Os dois percursos mais clássicos do Rio são a Mesa do Imperador e a rota Leblon-Prainha. O primeiro é todo feito em montanha. É um trecho curto, de cerca de 5 quilômetros, mas bastante duro, já que a inclinação pode chegar a 10% em alguns pontos, com algumas curvas bastante íngremes e fechadas. A vista no topo da Vista Chinesa e depois na Mesa do Imperador fazem valer o esforço. O segundo percurso é de ida e volta, saindo do Leblon até a Prainha. São cerca de 70 quilômetros, passando pela subida do Joá, a orla da Barra, da Reserva e do Recreio. A vista de lá é incrível, e cerca de 80% do trajeto é plano, ideal para ganhar cadência e ritmo. Mas lá é recomendado que se vá em pelotão, já que tem mais fluxo de veículos e pode ser perigoso.”
Marcos Cunha, head coach da equipe MCP Performance.
SÃO PAULO
“Romeiros e Campos do Jordão são dois points dos ciclistas paulistanos. Romeiros está sempre cheia de atletas aos sábados e domingos. É uma das estradas mais seguras do estado, fica bem próxima à cidade de São Paulo e tem várias opções de entradas e saídas que possibilitam percursos que vão
até 100 quilômetros, como Castelo Branco, Pirapora de Bom Jesus, Itu e Cabreúva. A estrada é ótima, funciona para iniciantes e atletas mais experientes, tem bastante árvore, pouco movimento de carros, e as prefeituras estimulam a prática do ciclismo com ótima sinalização. As estradas para Campos são um pouco mais duras, com subidas de 12 quilômetros e inclinação de 4%, que podem exigir de uma pessoa menos treinada cerca de 1 hora e meia de pedal. A Serra Velha é mais segura, já que tem menos fluxo de carros. A maioria das vias próximas a Campos é um pouco puxada, mas a vista dos picos atrai bastante gente.
Gisele Gasparoto, da LuluFive Ciclismo.