Revista Exame

Parou? Parou por quê?

Em um livro que reúne textos sobre a crise econômica, Barry Eichengreen, um dos mais reputados economistas americanos, analisa a polêmica a respeito da ideia de que os países ricos estão fadados ao baixo crescimento

Lawrence Summers com Barack Obama: o economista iniciou o debate sobre as causas da crise dos Estados Unidos (Corbis/Latinstock)

Lawrence Summers com Barack Obama: o economista iniciou o debate sobre as causas da crise dos Estados Unidos (Corbis/Latinstock)

DR

Da Redação

Publicado em 31 de outubro de 2014 às 05h00.

São Paulo - "Quando, no fim do ano passado, o ex-secretário do Tesouro americano Lawrence Summers sugeriu que as economias avançadas, e os Estados Unidos em particular, poderiam estar experimentando uma ‘estagnação secular’, suas observações causaram comoção.

A ideia de que os Estados Unidos e as outras economias avançadas poderiam estar sofrendo mais do que a ressaca de uma crise financeira repercutiu junto a muitos economistas. Mas apesar de o termo estagnação secular ser muitas vezes repetido, ele não foi amplamente entendido.

Estagnação secular significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Ao analisar se o crescimento lento nos Estados Unidos e em outros países avançados pode ser classificado como estagnação, é importante ter clareza sobre o conceito e suas possíveis causas. Uma primeira explicação dada para argumentar que estamos em um perío­do de longa estagnação é a falta de grandes invenções.

Robert Gordon, respeitado professor de economia na Northwestern University, defende que a eletricidade, o motor de combustão e o encanamento de casas nos últimos dois séculos foram infinitamente mais importantes para estimular a criatividade e melhorar o padrão de vida do que qualquer coisa produzida pela revolução das empresas de internet.

Segundo ele, os eletrônicos podem ser ótimos para brincar, mas não são tão bons para melhorar a produtividade. Ainda de acordo com Gordon, não há nenhuma grande invenção equivalente à eletricidade ou ao motor de combustão no horizonte próximo. 

Para a maioria dos historiadores econômicos, esse argumento não se sustenta. Pessimistas vêm anunciando taxas de invenção e inovação mais lentas há séculos — e eles têm errado sistematicamente. Olhando para o futuro, parece claro que o potencial produtivo da robótica e das pesquisas sobre o genoma humano, só para citar dois exemplos, está apenas começando a dar resultados.

Fora isso, há muitas evidências de que estamos aprendendo a usar máquinas inteligentes para substituir, primeiramente, trabalhadores não especializados e, depois, mesmo os especializados. Gordon baseia seu argumento no fato de que o crescimento da produtividade, em particular nos Estados Unidos, tem sido mais lento nas quatro décadas desde o início dos anos 70 do que em boa parte do século 20.

A taxa de crescimento da produtividade entre 1995 e 2005, porém, rivalizou com a dos primeiros 70 anos do século 20. Parafraseando o Prêmio Nobel de Economia Robert Solow, nesses dez anos foi possível ver a importância do computador em toda parte — até  mesmo nos dados de produtividade. 

O argumento de Gordon, no meu entender, ignora o fato de que as primeiras sete décadas do século 20, a era de ouro do progresso técnico, também viram períodos de crescimento lento da produtividade. Isso foi comum particularmente quando novas tecnologias estavam sendo criadas, mas a economia ainda não havia se adaptado a elas.

O período de eletrificação que começou por volta de 1890 é um exemplo clássico. De certa forma, há similaridades entre o que aconteceu nos primeiros anos da eletrificação e o que se viu logo após a popularização dos computadores e da internet. O mesmo pode ser dito sobre o crescimento lento da produtividade agora, quando estamos às vésperas de uma revolução da robótica e do genoma humano. 

Uma segunda versão do argumento da estagnação secular afirma que temos um problema porque as famílias não estão gastando o suficiente e as empresas não investem o bastante mesmo tendo taxas de juro próximas de zero — no jargão dos economistas, um problema de estagnação da demanda agregada.

As famílias com rendas muito altas têm uma propensão relativamente baixa ao consumo, e virtualmente todos os ganhos de renda nos Estados Unidos têm sido direcionados para essas famílias. O resultado é uma abundância de poupança que as empresas são incapazes de usar em investimentos que deem uma taxa de retorno positiva.

Nessa situação, segue o argumento que parece ser o preferido de Summers, os países avançados, mesmo com taxas de juro próximas de zero, não conseguem sustentar um ritmo de crescimento respeitável.

Uma visão global

Confesso que tenho minhas dúvidas quanto à validade dessa hipótese. O que pesa nas taxas de juro não é a poupança americana, mas a poupança global. Não podemos esquecer que no século 21 os recursos podem transpor facilmente as fronteiras. Olhando com mais atenção, percebe-se que a poupança global se manteve basicamente estável na última década e meia.

Na média, não saiu muito da faixa entre 23% e 24% do PIB global. Na melhor das hipóteses, as taxas de poupança globais subiram apenas modestamente. E olhando para o futuro, com a China redirecionando sua economia para o consumo, há todas as razões para pensar que a taxa de poupança global cairá. Portanto, o segundo argumento não me parece ter a força que seus defensores acreditam que possui. 

Um terceiro argumento usado por quem acredita na estagnação secular sugere que a produção e o crescimento da produtividade estão estagnados porque países como os Estados Unidos não investiram em infraestrutura, educação e treinamento. Tenho uma simpatia muito grande por essa posição.

Os gastos públicos federais nos Estados Unidos que são direcionados a infraestrutura, educação e treinamento foram cortados até o osso — exceção feita àqueles relacionados a Defesa e direitos sociais.

Ainda que pessoalmente goste desse argumento, o fato é que os estudos na área econômica sobre a relação entre, de um lado, infraestrutura e educação e, de outro, crescimento econômico não são totalmente conclusivos. Intuitivamente, sabemos que esses fatores estão relacionados, mas simplesmente não sabemos o quanto. 

Uma quarta e última versão da hipótese da estagnação secular diz que o potencial do lado da oferta da economia americana foi reduzido permanentemente pela Grande Recessão a partir de 2009 e pela recuperação lenta que a sucedeu. O fato de o crescimento econômico não ter recuperado a tendência pré-Grande Recessão é consistente com essa visão.

O desemprego alto pode ter fragilizado em caráter permanente o potencial produtivo da força de trabalho. Ao ficar um longo período fora do mercado de trabalho, milhões de trabalhadores deixam de ter o treinamento comum em todo o emprego e acabam, assim, com suas habilidades profissionais atrofiadas.

Infelizmente, o desemprego prolongado e em níveis altos é de fato uma caraterística importante da atual recuperação. Mas a grande pergunta é se os danos à acumulação de capital humano em razão da permanência fora do trabalho são duradouros ou temporários — em outras palavras, se os efeitos são facilmente reversíveis ou não. Essa questão tem inflamado os debates nos corredores do Federal Reserve, o banco central americano. 

A resposta que todos perseguem é se os desempregados de longa duração se tornaram não empregáveis com a crise. Nesse ponto, nem as evidências contemporâneas nem as históricas permitem conclusões definitivas.

Os estudos de Nick Crafts, professor de economia na Universidade de Warwick, sobre o Reino Unido nos anos 30 confirmam que o desemprego prolongado tem pouco impacto no comportamento salarial, como se as pessoas fora do trabalho por períodos muito longos tivessem efetivamente se desligado do mercado de trabalho.

Por outro lado, estudos sobre a economia americana durante a Segunda Guerra Mundial, feitos por ninguém menos do que Robert Gordon, mostram que um choque positivo de demanda de mão de obra, se for suficientemente forte, pode atrair desempregados de longa duração novamente ao trabalho e reduzir rapidamente a taxa de desemprego.

Depois de toda essa análise, voltamos à questão inicial: existe ou não um problema de estagnação secular? Há razões para temer que a taxa de crescimento dos Estados Unidos nos próximos dez ou 20 anos decepcionará se tivermos em mente os padrões do século 20. Mas o importante é saber que esse desfecho não é inevitável.

Se os Estados Unidos experimentarem uma estagnação secular nas próximas décadas, será por inabilidade de seu governo. É crucial tomar medidas para corrigir os danos causados pela Grande Recessão e sustentar a demanda agregada num esforço para trazer os desempregados de volta ao mercado de trabalho.

Esse problema é concreto e tem soluções igualmente concretas. É importante não aceitar a estagnação secular como um fato consumado. É possível tomar medidas para evitá-la.”

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