(Leandro Fonseca/Exame)
Da Redação
Publicado em 26 de outubro de 2016 às 05h55.
Última atualização em 26 de outubro de 2016 às 14h56.
São Paulo – Os smartphones estão por todas as partes — nos ônibus, vagões do metrô, ruas, praias, escolas, salas de reunião, shows de rock, igrejas e jogos de futebol. Os usos são os mais diversos. Com eles, é possível responder a e-mails, ouvir música por streaming, navegar pelas redes sociais, ler as últimas notícias, jogar, enviar mensagens e — sim — também dá para fazer chamadas. Tamanha obsessão pelo aparelho faz dos brasileiros os campeões mundiais em uso de smartphones.
Passamos cerca de 4 horas online por dia — quase o dobro do tempo de coreanos, americanos e britânicos. Mas um dos maiores passatempos nacionais é, infelizmente, apenas isso: um passatempo. No Brasil, a contribuição da internet para o crescimento do PIB é estimada em apenas 2%. No Reino Unido, por exemplo, o impacto é de 23%. Os brasileiros usam muito o smartphone, mas compram pouco pela internet — apenas 3,6% das vendas realizadas pelo varejo são feitas por canais digitais. Para efeito de comparação, a participação do e-commerce no Reino Unido sobre o total é de 13,4%.
Um estudo da consultoria McKinsey, obtido com exclusividade por EXAME, mostra o caminho para o Brasil tentar mudar essa situação. Caso o lento grau de avanço registrado nos últimos anos seja mantido, a digitalização acrescentará de 125 a 205 bilhões de dólares à economia brasileira em 2025, algo entre 5% e 9% do PIB — e continuaremos longe dos países líderes nessa corrida.
Agora, se o Brasil conseguir acabar com a maior parte das barreiras à inovação, será possível adicionar até 274 bilhões de dólares em 2025, algo como 12% do PIB. Nesse caso, o Brasil começaria a ter um peso maior no campo da inovação.
Melhorar, rapidamente, o clima para o empreendedorismo é o primeiro passo na direção certa. O Brasil aparece como 124o colocado no ranking de 139 países com os melhores ambientes para negócios digitais, feito pelo Fórum Econômico Mundial. Nossos vizinhos nessa lista são Benim e Argélia.
Como tem uma economia em que a burocracia e os impostos são gigantes, o Brasil acaba jogando fora sua capacidade técnica. Há cerca de 1 milhão de profissionais de tecnologia no mercado brasileiro, um número similar ao da Alemanha e do próprio Reino Unido. “Para elevar a competitividade das empresas locais, não há solução melhor do que o empreendedorismo”, diz Fabian Salum, professor de estratégias da inovação na Fundação Dom Cabral e pesquisador na França do Insead, uma das escolas de negócio de maior prestígio da Europa.
Em termos da eficácia dos investimentos públicos, o Brasil também tem muito que avançar. Países bem-sucedidos nessa área focam os esforços em poucos polos. Por aqui, a regra é pulverização. Somente o estado de São Paulo tem cinco centros de excelência em tecnologia. Uma análise das experiências que dão certo mundo afora mostra a importância da parceria entre o meio acadêmico e as empresas — outro ponto em que o Brasil está atrasado.
Nesse sentido, a Índia é um exemplo. Desde os anos 80 o país incentiva as instituições de ensino superior de Bangalore, no sul do país, a apoiar sua indústria de software. Hoje, 50% das startups do país estão instaladas na região. “Todos os casos bem-sucedidos de salto tecnológico envolveram interações contínuas entre governo, indústria e academia”, diz Calestous Juma, professor de desenvolvimento internacional e de tecnologia na Universidade Harvard.
Nas últimas duas décadas, as empresas indianas ganharam dinheiro vendendo produtos e serviços a consumidores americanos e britânicos. Uma medida do sucesso dessa estratégia é o fato de que 56% dos aplicativos e linhas de código feitos no país hoje têm como destino o exterior. Para continuar a crescer, porém, o setor percebeu que era necessário investir mais no desenvolvimento do mercado interno.
Para isso, contou, mais uma vez, com a ajuda do governo, que lançou, no ano passado, o Digital Índia, programa que promete conectar mais de 250 000 vilarejos — a expectativa é que 800 milhões de pessoas tenham acesso à internet até 2025. “As novas tecnologias estão ajudando a Índia a dar um salto”, afirma Som Mittal, executivo de tecnologia e ex-presidente da associação indiana de software.
Nos países ricos, o governo também tem um papel aglutinador fundamental. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, realizou na última semana uma conferência em que discutia as fronteiras da tecnologia. Obama debateu sobre o uso de carros autônomos, energias renováveis e os desafios para chegar a Marte. Suas ideias mostraram um compromisso claro do governo com a ciência e com aqueles que estão dispostos a correr riscos.
“O governo desempenha um trabalho fundamental, definindo o enquadramento legal e institucional em que o setor privado tem os incentivos adequados para realizar a adoção de inovação”, diz Klaus Prettner, professor de economia da tecnologia na Universidade de Hohenheim, na Alemanha.
Os exemplos de liderança no exterior contrastam com o que acontece por aqui. Um executivo brasileiro ouvido por EXAME, com experiência em multinacionais de tecnologia e atuante em conselhos de administração, vê um cenário desorganizado no setor de tecnologia no Brasil, onde, segundo ele, não há um projeto claro. “Nosso Ministério da Ciência e Tecnologia tem muito pouca envergadura”, afirma. Se fizer mudanças nessa área, o país poderá se beneficiar com a nova onda de inovação que se forma em algumas partes do mundo.
O estudo da McKinsey sobre os entraves para a expansão da economia digital no Brasil aponta a internet das coisas como uma grande oportunidade para a indústria local. Com a adoção de máquinas inteligentes, capazes de reconhecer e avisar o desgaste de peças, as fábricas podem reduzir o tempo ocioso com consertos. Nesse caso específico, a McKinsey estima que o Brasil poderia ter um ganho de 25 bilhões de dólares em 2025.
A digitalização no setor industrial também tem o potencial de estimar demandas com maior precisão e ter maior controle do estoque. Somente a melhoria da operação da rede de fornecedores e de distribuição poderia render ganhos estimados em 70 bilhões de dólares em meados da próxima década. Ao ouvir executivos de 151 empresas brasileiras de vários setores, a McKinsey observou que os gestores brasileiros estão conscientes dos desafios impostos pela tecnologia em suas operações. O percentual dos que mostram essa preocupação está muito próximo do registrado no exterior. A diferença, porém, é que as empresas brasileiras não investem o suficiente na digitalização. E isso pode ser decisivo.
Cada vez que as empresas brasileiras adiam a aplicação de recursos, aumenta a distância com os países que estão na liderança dessa corrida. Na Europa, as empresas consideradas mais avançadas em termos tecnológicos viram a receita crescer 18% de 2012 a 2015, um período de forte crise econômica. “A distância entre os líderes digitais e quem está mais para baixo está aumentando”, afirma Patricia Ellen da Silva, sócia da consultoria McKinsey. Estudos e análises sobre os entraves brasileiros são o primeiro passo. Mas, para desatar o nó da inovação, o país precisa de mais ações.