EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h57.
Imagine dois motoristas de táxi que dirigem carros iguais, comprados no mesmo ano. Ambos trabalham no mesmo lugar e têm receitas e gastos semelhantes. A única diferença entre eles é que o primeiro guarda, todos os meses, 5% do que ganha para comprar um carro novo, ao passo que o segundo não faz essa poupança. Se um gerente de banco só tivesse essa informação financeira, como decidiria a qual motorista emprestar dinheiro? Ou, se fosse um investidor e tivesse apenas esse número em mãos, qual deles receberia o dinheiro?
Em termos bastante simples, essa questão resume a principal discussão que está ocorrendo neste momento em que os balanços têm sua validade contestada e os investidores relutam em comprar ações. Qual é o melhor método de avaliação de uma empresa? Contadores e investidores vêm debatendo se avaliar apenas o resultado operacional de uma companhia é suficiente para determinar a qualidade do negócio. Mais especificamente, o que os especialistas analisam é a capacidade de um indicador conhecido como Ebtida, sigla para o inglês de Lucro Antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização, de antecipar, sozinho, se uma companhia vai bater a concorrência ou se está fadada a freqüentar as colunas de falência dos cadernos de economia dos jornais.
Desde o começo dos anos 90, o Ebitda (pronuncia-se ebítida ou ebidá) vem sendo cada vez mais utilizado na hora de analisar uma empresa. "O Ebitda mostra o potencial de geração de caixa de um negócio, pois indica quanto dinheiro é gerado pelos ativos operacionais", diz Ariovaldo dos Santos, professor de contabilidade da Universidade de São Paulo e responsável pela elaboração do anuário Melhores e Maiores, de EXAME. "O que vem sendo discutido é até que ponto o Ebitda é suficiente como regra de decisão sobre o futuro de uma companhia."
Para compreender o Ebitda, também conhecido no Brasil pela pouco empregada abreviatura Lajida, não é necessário obter um diploma de contador. Ao contrário, é possível entender com base no exemplo inicial dos táxis, pensando neles como empresas dedicadas à prestação de serviços de transporte. Esse serviço gera uma receita, que são os pagamentos dos passageiros. Entre ela e o lucro líquido -- quanto cada taxista de fato levou para casa no fim do mês -- há diversos custos, que as normas contábeis separam por tipo para facilitar a análise do negócio.
O primeiro são os custos do serviço prestado. Entram nesse item, por exemplo, a gasolina e o óleo lubrificante. Subtraindo-se esse custo da receita de serviços, obtém-se o lucro bruto. Há outros custos além do dos serviços, mas eles não são constantes e por isso são contabilizados no item "outras despesas". No caso do táxi, um bom exemplo são os gastos eventuais com estacionamento. Outro componente do item "outras despesas" é um dos mais importantes para qualquer empresa, o endividamento. Se o motorista serviu-se de um financiamento para comprar o carro e tem de pagar juros e amortizar a dívida, esses gastos são contabilizados como despesa financeira. Subtraindo-se todas essas outras despesas do lucro bruto se chegará ao resultado operacional (que pode tanto ser lucro quanto prejuízo).
O Ebitda fica exatamente aqui, com a importante diferença de que ele não considera os gastos financeiros. "O Ebitda indica quanto dinheiro os ativos operacionais de uma companhia produzem", resume o professor Ariovaldo dos Santos. Há mais alguns passos entre o resultado operacional e o resultado final. Ainda é preciso contabilizar outras despesas, como a depreciação, que mede o desgaste do carro pelo uso. No fim de tudo é hora de acertar as contas com o Leão para chegar, finalmente, ao lucro líquido.
O dinheiro percorre muitas etapas desde a hora em que é registrado como faturamento até chegar à ultima linha do balanço. É possível ser muito flexível na hora de contabilizar as despesas financeiras e de depreciação. Na hora de pagar impostos, então, nem se fala, mesmo na hipótese de que tudo seja feito estritamente de acordo com as regras. "Há um grande espaço para interpretações entre o resultado operacional e o lucro líquido", diz Fernando Musa, diretor da consultoria americana Monitor Group, especializada em assessorar compradores e vendedores de empresas. "Mesmo que não haja irregularidades, o lucro pode variar muito de um ano para outro, dependendo das premissas de onde o contador partiu."
A estratégia de internacionlização das empresas, via aquisições no exterior, tornou a situação ainda mais complexa. As formas de contabilizar depreciação, dívidas e impostos só são comparáveis dentro de um mesmo país. Quando a economia se globaliza os mesmos números passam a mostrar informações muito diferentes. "No Brasil, a depreciação dos ativos pode ser contabilizada em até dez anos, ao passo que nos Estados Unidos esse prazo é muito menor", diz Ariovaldo. Para voltar aos táxis: um motorista americano teria de "trocar" contabilmente seu carro em intervalos muito mais curtos do que um taxista brasileiro, e seu lucro seria aparentemente bem menor. Além disso, seu táxi ficaria mais "velho" muito mais depressa que o do brasileiro.
Aplique-se esse raciocínio a uma fábrica completa, uma empresa de energia ou uma companhia de petróleo -- todas elas operações com milhares de partes interligadas e uma quantidade colossal de capital investido em equipamentos --, e dá para ter uma idéia aproximada de como é difícil avaliar, contabilmente, o valor de uma empresa em outro país. "Nesse aspecto, o Ebitda é um instrumento muito mais fácil de trabalhar", diz Musa.
Segundo Musa, o Ebtida não é afetado por variáveis específicas de cada país, como taxas de juro, regras de depreciação e, principalmente, as complexas diferenças entre as leis tributárias. Tudo isso torna muito mais difícil fazer qualquer projeção sobre os resultados futuros da empresa. "O Ebitda é uma variável operacional e muda pouco de ano para ano e de país para país", diz Musa. "Por isso, ele é uma ferramenta muito útil quando uma empresa resolve comparar-se com um concorrente ou globalizar suas operações."
Há outras vantagens. "O Ebitda permite usar o passado para estimar o futuro, o que é algo difícil na contabilidade", afirma Haroldo Mota, gerente financeiro e de planejamento da TIM Maxitel, empresa de telefonia celular da banda B de Minas Gerais. "Com ele, é possível conciliar as estimativas futuras de fluxo de caixa com o resultado obtido em exercícios passados." Segundo Mota, é por causa desse poder de análise que o Ebitda ganhou tanta relevância nos últimos anos. "No começo dos anos 90, quem fizesse uma palestra sobre a empresa e falasse de Ebitda não seria entendido por ninguém", diz ele. "Hoje ocorre o contrário, se você não falar do Ebitda é que ninguém vai entender."
A TIM Maxitel usa o Ebitda para estabelecer suas metas de resultado. As empresas de telefonia da banda B têm um Ebitda médio que oscila ao redor de 35% do faturamento. Ou seja, cada real de serviços de telefonia cobrados gera 35 centavos em caixa. "Nós usamos esse indicador na hora de estabelecer as metas de desempenho para o ano", diz Mota. A preferência explica-se porque o lucro depende de decisões que vão além da eficiência operacional. Por exemplo, se a TIM Maxitel -- que é uma sociedade anônima de capital fechado, sem ações negociadas em bolsa -- oferecerá um dividendo maior aos acionistas italianos que a controlam ou se investirá na expansão de sua área de cobertura. Além disso, o que interessa de fato é saber se a empresa será capaz de gerar caixa suficiente para investir, pagar as dívidas e ainda remunerar os acionistas, especialmente num setor que demanda tanto capital como o da telefonia celular.
Se há tantas vantagens, por que as críticas ao Ebitda? Voltemos ao exemplo dos táxis. Os dois motoristas compraram seus carros no mesmo momento, mas o primeiro reserva uma fatia de 5% do que ganha para substituir o carro e o outro não. Ambos têm receitas (as corridas) e despesas (o combustível) iguais. O resultado gerado diretamente pela principal atividade é equivalente: o Ebitda dos dois motoristas é igual.
No entanto, o primeiro taxista guarda dinheiro para trocar de carro. Ao fazer isso, ele está reconhecendo que o veículo que usa para trabalhar se deprecia e está se preparando para essa despesa. "Reservando uma parte da receita para trocar de carro, o primeiro motorista vai compensar a depreciação", afirma Ariovaldo dos Santos. "Mas seu lucro será menor no fim do mês."
Por isso, no curto prazo é mais negócio apostar no táxi cujo motorista não guarda dinheiro, pois seu lucro será maior e ele terá mais facilidade para pagar empréstimos e dividendos. O problema é que, depois de cinco anos, o taxista terá um carro usado e precisará tomar dinheiro emprestado para substituí-lo, elevando seu risco no longo prazo. "Essa diferença não aparece olhando-se apenas para o Ebitda", diz o professor Ariovaldo.
Foi essa imprecisão que gerou as resistência ao Ebitda como o indicador "definitivo" para avaliar a saúde de uma empresa -- o mais famoso desses críticos é Ram Charam, ex-professor da Harvard Business School e consultor de executivos como Jack Welch, da GE. "As empresas têm de voltar a indicadores mais básicos, como entrada e saída de dinheiro do caixa", escreveu recentemente Charam na revista Fortune. Segundo Eduardo de Oliveira, sócio responsável por finanças corporativas e reestruturação de empresas da consultoria Deloitte Touche Tohmatsu, a ênfase excessiva na geração de caixa levou a alguns dos maus negócios dos anos 90. "As pessoas começam a usar o Ebitda como se fosse uma medida exata de valor de empresa, mas ele é um instrumento que mostra, quando muito, se o negócio deve ou não ser analisado a fundo", diz Oliveira. Além disso, o Ebitda não considera o endividamento. "Isso não é um problema quando o capital é abundante e barato, pois a idéia é que é possível rolar qualquer dívida a um preço menor se a empresa for comprada por uma concorrente maior ou mais lucrativa", diz Oliveira. "Só que tudo muda quando o crédito está mais apertado, como agora."
Outros especialistas vão além. "O Ebitda não interessa tanto assim a um investidor minoritário de longo prazo, que está preocupado mesmo com a política de dividendos da empresa", afirma Sidney Ito, sócio da empresa de consultoria KPMG. "Não dá para seguir adiante numa negociação de compra ou em uma análise de investimento sem olhar outros fatores como o endividamento e a estrutura de capital da companhia."