Revista Exame

Para montadoras é hora de caminhar sem a ajuda do governo

As montadoras se acostumaram a receber incentivos oficiais para impulsionar suas vendas. Agora terão de se virar sozinhas para sair da atual crise do setor


	Pátio lotado: os fabricantes de carros têm estoque suficiente para 46 dias de vendas
 (Paulo Whitaker)

Pátio lotado: os fabricantes de carros têm estoque suficiente para 46 dias de vendas (Paulo Whitaker)

Valéria Bretas

Valéria Bretas

Publicado em 25 de maio de 2015 às 09h38.

São Paulo - Nos últimos anos, as fabricantes de veículos no Brasil passaram por vários momentos difíceis. Nos períodos mais críticos, porém, elas puderam contar com a ajuda do governo. Foi assim em 1998, quando a desvalorização do real e a alta dos juros fizeram com que as vendas de automóveis no país caíssem 21% em relação ao ano anterior.

O mercado rea­giu depois que o governo Fernando Henrique Cardoso lançou mão de um recurso que seria usado à exaustão nos anos seguintes: a redução da alíquota do IPI, imposto sobre produtos industrializados. O mau momento para as montadoras voltou com a crise financeira global de 2008 — de novo, as empresas conseguiram reanimar as vendas com a providencial ajuda do governo Lula, que cortou os impostos do setor em troca da manutenção de empregos nas fábricas.

Em 2012, a presidente Dilma Rousseff resolveu usar o mesmo expediente para socorrer as montadoras e tentar impulsionar a economia. Entre renovações e prorrogações, o corte do IPI sobre carros se estendeu até o fim de 2014 — só nesse último período, o governo deixou de arrecadar 11,5 bilhões de reais em impostos.

Foi bom enquanto durou. Com o governo Dilma tendo agora de encarar um ajuste fiscal para colocar as contas públicas em dia, as montadoras sabem que tão cedo não poderão contar com a ajuda do padrinho generoso dos últimos anos. “O que queremos agora é a aprovação rápida do ajuste fiscal para que possamos conhecer as regras do jogo e administrar nossos negócios”, afirma Luiz Moan, presidente da Anfavea, associação que reúne as fabricantes de veículos.

O momento não poderia ser pior. Com a economia estagnada e o aumento da inflação e do desemprego, os pátios das fábricas estão lotados. Os estoques são suficientes para abastecer as lojas de carros por 46 dias — em tempos normais, a média é de 30 dias. Até abril, a venda de veículos novos no país teve queda de 19% em relação ao mesmo período do ano passado.

Nessa toada, a previsão é que as vendas no ano fechem em 2,8 milhões de veículos. Se isso se confirmar, será a primeira vez desde 2008 que o volume vendido ficará abaixo de 3 milhões. (Mais dados do setor virão na edição MELHORES E MAIORES 2015, que EXAME publicará no início de julho.)

O fim da redução do imposto sobre os carros vai permitir que o governo arrecade 5 bilhões de reais a mais neste ano. É bom para equilibrar as finanças públicas, mas, para o setor automotivo, a perda do incentivo fiscal deve causar queda de até 10% nas vendas de veículos novos com motor 1.0, que representam 40% do mercado.

A retração já resultou no fechamento de 250 revendas de carros nos primeiros meses deste ano. “Se a economia continuar a caminho da recessão, é possível que até 10% das lojas encerrem as atividades até dezembro, o que significaria a demissão de 40 000 funcionários”, diz Alarico Assumpção, presidente da Fenabrave, federação que reúne as distribuidoras de veículos.

Nas fábricas, o enxugamento de mão de obra se intensificou. Já foram eliminados 4 600 postos de trabalho neste ano, o que levou o setor a encerrar o mês de abril com menos de 140 000 empregados, o menor número em quatro anos. Para as empresas, essa foi uma medida inevitável diante da ociosidade média de 37% nas linhas de montagem — a previsão é que esse índice suba para 41% nos próximos anos.

Com a derrapagem dos últimos meses, o Brasil já perdeu quatro posições no ranking global de vendas de carros — é hoje o oitavo maior mercado do mundo. A crise fez com que algumas montadoras tirassem o pé do acelerador. Um levantamento da consultoria Roland Berger mostra que um grupo de 14 fabricantes tinha planos de investimentos no país que ampliariam a capacidade de produção em 1,6 milhão de veículos de 2012 a 2018.

Uma projeção mais recente aponta que esse número não deve passar de 1 milhão. Mesmo as montadoras que continuam apostando no Brasil estão revendo os planos. É o caso da chinesa JAC, que pretende investir 1 bilhão de reais na construção de uma fábrica em Camaçari, na Bahia, com capacidade para montar 100 000 veículos por ano.

O plano era inaugurar a fábrica neste ano, mas uma série de contratempos, como o atraso na liberação da licença ambiental e do financiamento pela agência de fomento do governo baiano, deve atrasar o início das operações para 2016.

“Quando lançamos o projeto da fábrica, o setor estava em ascensão”, diz Eduardo Pincigher, diretor de assuntos corporativos do Grupo SHC, representante da JAC no Brasil. “Se o mercado ainda estiver ruim quando inaugurarmos a fábrica, poderemos reduzir o ritmo de produção.”

Busca de eficiência

Na análise da Roland Berger, a recuperação do setor depende de três fatores: estímulos na economia, aumento da confiança do consumidor e ampliação do acesso ao crédito. “Apesar do clima geral de pessimismo, estamos confiantes”, diz François Dossa, presidente da Nissan. “O Brasil tem uma economia forte e uma capacidade de reação rápida.”

Especialistas ouvidos por EXAME, no entanto, preveem uma retomada mais firme das vendas apenas em meados de 2017. Até lá, parece não restar outro caminho para as montadoras senão apertar os cintos e aumentar a produtividade. Buscar a eficiência, claro, não pode ser uma preocupação apenas em momentos de crise — deve ser um objetivo permanente para qualquer empresa.

Nesse aspecto, as montadoras avançaram bastante nos últimos anos, passando a fazer carros que compartilham o maior número possível de componentes e, assim, têm os custos reduzidos. A alemã Volkswagen, por exemplo, tem uma plataforma sobre a qual produz mais de uma dúzia de modelos, entre eles o Golf e o Audi A3.

Enquanto a economia não melhora, outra saída para as empresas é conquistar fatias de mercado das concorrentes — especialmente em faixas de produtos que são mais rentáveis.

É o que estão tentando a japonesa Honda, marca que lançou recentemente o utilitário compacto HR-V para concorrer com o EcoSport, da americana Ford, e o grupo italiano Fiat Chrysler, que apresentou o Jeep Renegade para disputar a mesma categoria.

Qualquer que seja a estratégia das montadoras para enfrentar o período difícil que têm pela frente, uma coisa é certa: elas terão de fazer o carro pegar no tranco sozinhas, sem esperar o costumeiro empurrãozinho do governo.

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