Alberto, um dos quatro filhos do falecido banqueiro bilionário Joseph Safra (Germano Lüders/Exame)
Natália Flach
Publicado em 14 de março de 2019 às 05h36.
Última atualização em 15 de março de 2019 às 09h49.
A imponente fachada que reveste de granito marrom os 24 andares do edifício 2.100 da Avenida Paulista esconde o vasto saguão que se estende depois da porta de vidro escuro (na verdade, são 23 pisos, já que o 13o andar, por superstição, não é contado). Dentro do prédio é possível apreciar uma escultura do artista francês Auguste Rodin, instalada no piso de granito e mármore, enquanto se espera na fila para acessar os elevadores.
A sede do banco Safra retrata bem as características da instituição financeira discreta e suntuosa que tem como clientes famílias donas de algumas das maiores fortunas do Brasil. Mas, por trás das poltronas de couro marrom em que é recebida a clientela de sempre, uma revolução silenciosa está em curso no quarto maior banco privado em total de ativos do país.
Desde que os irmãos Alberto, de 40 anos, e David Safra, de 35, assumiram o dia a dia dos negócios em 2012, o banco vem ampliando o escopo de atuação. Se, até 2017, para ser cliente pessoa jurídica era necessário ter faturamento de pelo menos 10 milhões de reais, com o lançamento das maquininhas SafraPay em 2016, a instituição expandiu a base, atraindo empresas com receita anual de 1 milhão de reais. Para as pessoas físicas, a régua vai baixar de 50.000 reais na conta para 10.000 reais a partir de abril.
Para o Safra, é uma guinada que pode ser chamada de mergulho no Brasil profundo. A mudança começou com o serviço de adquirência, que inicialmente era voltado para grandes varejistas, mas acabou provando ser também uma importante fonte de entrada nas pequenas e médias empresas. No ano passado, esse segmento de companhias iniciantes cresceu quase 34%, puxando para cima o volume total da carteira de crédito expandida, que superou 70 bilhões de reais. A expectativa é que essa fatia cresça ainda mais em 2019 com a possível retomada econômica. “Isso mostra que estamos no caminho certo”, afirma Marcelo Dantas, diretor de planejamento do banco. Mesmo com a recente abertura, o Safra continua sendo o Safra: Alberto e David não deram entrevista nem aceitaram posar para fotos.
A dúvida em aberto é quanto o Safra terá de mudar com a nova estratégia voltada para clientes pessoa física. Para quebrar as resistências internas, a atual gestão do banco começou com um teste nas linhas de crédito consignado e de financiamento de veículos, modalidades que definitivamente não são prioridades para bancos de alta renda.
Os produtos foram criados em 2017 e cresceram, respectivamente, 46% e 53% no ano passado. Mesmo com eles na conta, o índice de inadimplência do banco (atrasos acima de 90 dias) se manteve em apenas 0,5% da carteira total de crédito. Passado o teste, é hora de ir a campo aberto. A meta da instituição agora é atrair correntistas dos estratos de alta renda dos bancos de varejo, como Personalité (Itaú Unibanco), Select (Santander) e Prime (Bradesco). “São pessoas com grande potencial de investimento. Vamos trabalhar para que o patrimônio delas cresça ao longo dos anos”, afirma Dantas.
A ideia, portanto, é oferecer aos correntistas produtos distribuí-dos pela gestora e pela corretora, entrando assim na briga pelos pequenos investidores. É um mercado tão disputado que, nos últimos meses, foi palco de uma briga entre a corretora XP Investimentos e o banco BTG Pactual pelos agentes autônomos — a XP acusa o BTG de “roubar” seus agentes. Enquanto isso, o Safra aproveita para correr por fora.
O banco está contratando 1.000 funcionários para reforçar a área de pessoas físicas, sendo que metade deles terá o programa de desenvolvimento de talentos Top Advisor como porta de entrada. A ideia é acompanhar, durante um ano e meio, o desempenho dos novatos (para participar do processo seletivo não precisa ter tido experiência no setor financeiro) e apoiar aqueles que se interessam em obter algum tipo de certificação, como a de planejador financeiro, necessária para atender a clientela do private bank. Somente no ano passado, foram contratados 200 profissionais por meio do Top Advisor - em um movimento contrário ao de outras instituições que têm enxugado o seu quadro de colaboradores. O objetivo do Safra é dar conta da demanda de novos clientes que virão pela redução do tíquete de entrada. Dantas prefere não estimar o número. Atualmente, o banco tem pouco mais de 1 milhão de correntistas, total que vem crescendo com o novo escopo de atuação. Isso representa uma fração ínfima perto dos 23 milhões de correntistas do Santander ou dos 50 milhões do Itaú. Ainda.
A ideia é replicar o atendimento de excelência para o novo segmento sem sobrecarregar os profissionais que já trabalham no banco. Um gerente do setor de alta renda no Safra atende cerca de 100 pessoas, número que o banco quer manter mesmo com a entrada em novas faixas. Mas como o Safra pretende atrair os novos clientes? A resposta passa pela facilidade de abrir contas online, que em breve estarão disponíveis, pela recomendação de amigos e familiares, além da prospecção ativa. “Nosso negócio não é ganhar com as taxas de juro, mas com o relacionamento de longo prazo”, afirma Dantas.
Um banco cuja história remonta a quase dois séculos sabe muito bem a importância de se reinventar — mesmo que aos poucos. Membro de uma família tradicional de banqueiros do Oriente Médio, Jacob Safra imigrou para cá e comprou uma pequena instituição financeira em Santos em 1955. Hoje, o banco fundado por ele tem 182 bilhões de reais em ativos. Depois do patriarca, morto em 1963, os filhos Moise e Joseph dividiram o controle até 2006, quando desfizeram a sociedade.
Dois anos depois, Joseph — que atualmente ocupa o posto de brasileiro mais rico do mundo com um patrimônio estimado em 25 bilhões de dólares — começou a preparar uma gradual sucessão para os filhos Alberto e David, ambos formados na escola de negócios Wharton, na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Eles passaram a investir em tecnologia e inovação, além de fazer parcerias com startups. Não há nenhum problema com os números do Safra, é bom que se diga. O retorno sobre o patrimônio do banco está em 20%, no mesmo patamar dos principais concorrentes privados. Mas Alberto e David sabem que não fazer nada é assumir o risco de deixar o banco obsoleto num mercado que muda aceleradamente.
O Safra não é o primeiro banco tradicional a disputar o varejo brasileiro com os gigantes Itaú, Bradesco e Santander. O inglês HSBC e o americano Citi fizeram esse movimento na última década, mas acabaram vendendo suas operações para os concorrentes. O motivo? Segundo executivos do setor, não ofereciam pacotes complementares, como crédito para empresas e serviços para pessoas físicas, por exemplo, que acabam por baratear os custos para os clientes. “Não havia incentivo para sair do Itaú ou do Bradesco, que oferecem toda gama de produtos. Além disso, contratar parte dos serviços aqui e parte acolá pode gerar custos desnecessários”, diz um analista, que preferiu não se identificar.
Outra questão importante tem a ver com os canais de atendimento: o número de agências do Citi e do HSBC era pequeno perto do total dos concorrentes. Mas o mundo mudou. Hoje é mais importante oferecer aos clientes de alta renda acesso pelos canais digitais do que nas agências. “Como toda a estrutura de backoffice do Safra já está pronta, a instituição terá ganho de eficiência com a entrada de novos clientes”, diz outro analista. “O Safra pode estar um pouco atrasado nessa corrida, mas isso não importa muito, pois não falta dinheiro para investir e ganhar mercado.” Para chegar lá, o Safra precisa perder a fama de banco dos milionários e passar a chamar a atenção também dos transeuntes da Avenida Paulista. E, para isso, seus gerentes terão de explicar com mais frequência o que aconteceu, afinal, com o 13º andar que não faz parte ali do prédio.