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Para a AstraZeneca, o lugar do inimigo é no conselho

Entenda por que a empresa farmacêutica AstraZeneca recrutou para seu conselho uma cientista que faz críticas declaradas ao setor

Neurônios (Photopin)

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Da Redação

Publicado em 11 de março de 2015 às 18h00.

São Paulo - Aos 53 anos, a neurocientista americana Cori Bargmann é professora da Universidade Rockefeller, em Nova York, e pesquisadora do Instituto Howard Hughes, uma das mais renomadas instituições médicas do mundo, sediada nos Estados Unidos. Com um currículo invejável, a exposição pública não é novidade para ela.

Em 2013, foi uma das vencedoras do Break­through Prize in Life Sciences, badalado prêmio criado por bilionários como Mark Zuckerberg, do Facebook, e Sergey Brin, do Google, para quem pesquisa formas de prolongar a vida humana e doenças ainda sem cura. Em fevereiro, ela voltou aos holofotes. Dessa vez porque a farmacêutica britânica AstraZeneca, com receitas de 26 bilhões de dólares em 2014, anunciou que, em abril, Cori deverá fazer parte de seu conselho de administração.

O anúncio causou barulho pelo perfil ativista que Cori assumiu nos últimos anos. E o alvo tem sido justamente a indústria farmacêutica. Em 2012, quando a companhia britânica GlaxoSmith­Kline levou uma multa de 3 bilhões de dólares por falhas na propaganda de seus medicamentos, como a omissão de efeitos colaterais de um remédio contra diabetes, Cori endossou a reprimenda no Twitter: “O GSK vende ilegalmente drogas para fins recreativos. Em outros segmentos da economia, essa prática leva à prisão”.

No ano seguinte, criticou a farmacêutica indiana Ranbaxy por falhas de qualidade em genéricos. Cori usou o Twitter para classificar a empresa de “terrível”. Ao ser questionada pelo jornal britânico Financial Times sobre sua indicação, ela respondeu que “todos devem fazer o melhor para se comportar eticamente”. E que levaria essa perspectiva “para a AstraZeneca, se eleita, ou para qualquer outro lugar”.

A indicação ocorre num momento particularmente tenso na relação entre ativistas e empresas, especialmente nos Estados Unidos e na Europa. Dados da consultoria Activist Insight e do escritório de advocacia Schulte Roth & Zabel revelam que, em 2014, os ativistas reali­zaram 344 investidas contra empresas abertas nos Estados Unidos, quase 20% mais do que no ano anterior.

O porte das empresas afetadas também cresceu — o faturamento médio das companhias que são alvo de ativistas quintupli­cou na última década e chegou a 10 bilhões de dólares em 2014, segundo uma pesquisa da consultoria McKinsey. A percepção de que um ataque pode ocorrer a qualquer momento é tão real que, em outra pesquisa da consultoria Deloitte com 250 companhias abertas americanas, 55% delas declararam discutir no âmbito do conselho como se preparar para enfrentar algum tipo de oposição pública.

Para muitas empresas, não há como escapar desse tipo de ataque — especialmente as que possuem investidores minoritários dispostos a exercer de maneira beligerante o direito de ter um assento no conselho. Esses ativistas criticam decisões estratégicas e se metem na operação — não raro pressionam por trocas no comando ou mudanças de rota.

Manter os “inimigos” por perto voluntariamente está longe de ser a regra. Há casos de empresas que convocam integrantes de ONGs e até de tribos indígenas para participar de grupos externos de discussão de temas específicos, como sustentabilidade, junto ao conselho. É o caso da anglo-holandesa de bens de consumo Unilever e da brasileira produtora de celulose Fibria.

Mas o poder real desses grupos de discussão tende a ser limitado. “Nesses casos, é muito difícil medir o grau de influência que essas pessoas têm de fato”, diz Carlos Eduardo Lessa Brandão, especialista associado ao Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.

Independência

Embora o resultado imediato em geral seja uma dor de cabeça, há indícios de que a presença desses forasteiros dentro do conselho traga benefícios. Ao analisar 1.400 conflitos entre conselheiros ativistas e empresas na última década, a consultoria McKinsey concluiu que 400 deles resultaram em melhorias financeiras para a empresa que duraram pelo menos 36 meses.

“É melhor que as companhias renovem seus conselhos com membros de fato independentes ou poderão ter de fazê-lo por pressão externa”, diz Dennis Carey, vice-presidente do conselho da consultoria americana Korn Ferry.

Episódios anteriores mostram que o risco, nesses casos, é fazer um movimento para manter as aparências. Há quase três décadas, em agosto de 1989, cinco meses depois de protagonizar o maior vazamento de óleo em alto-mar de todos os tempos até então, a petroleira Exxon cedeu às pressões de fundos de pensão para trazer ao conselho um ambientalista.

Recrutou John H. Steele, pesquisador da Woods Hole, instituição americana de pesquisa ocea­nográfica. Mas, aos olhos do mercado, Steele não passava de um fantoche — e a Exxon não ganhou o pretendido respeito. A lição: ou a indicação ao conselho é feita com real convicção, ou é melhor deixar para lá.

“É inteligente ter conselheiros que possam ajudar a antecipar conflitos, sobretudo antes que eles se tornem públicos”, diz Margaret Blair, professora da escola de direito da Universidade Vanderbilt, no Tennessee, especialista em governança. O tempo dirá de que maneira a AstraZeneca vai entrar para a história.

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