O americano Lorenzo Fertitta, sócio da UFC: faturamento anual de 400 milhões de dólares e planos ousados de expansão da marca (Brian Smith/Corbis Outline)
Da Redação
Publicado em 10 de setembro de 2011 às 08h00.
São Paulo - O empresário americano Lorenzo Fertitta, membro de um clã que comanda uma rede de cassinos em Las Vegas, cresceu assistindo aos grandes combates de boxe realizados na cidade. Lá, ele se tornou fã do esporte ao ver de perto lendas como Mohammed Ali e Mike Tyson nocautearem os adversários.
Curiosamente, hoje, Fertitta representa uma das maiores ameaças ao esporte que idolatrou. Sócio desde 2001, ao lado do irmão Frank, da franquia Ultimate Fighting Championship, de campeonatos de lutas de artes marciais mistas (MMA, na sigla em inglês), Fertitta trabalha para deixar para trás o boxe — modalidade à qual se refere hoje como praticamente moribunda — na preferência dos aficionados de pancadaria.
Em entrevista exclusiva a EXAME, pouco antes da edição brasileira do UFC, realizada no final de agosto no Rio de Janeiro, Fertitta falou de seus planos.
Em meio a informações pouco plausíveis — como a de que as lutas do UFC atingem mais de 500 milhões de lares por edição mesmo sendo transmitidas apenas por TV pay-per-view —, ele disse que, com boa organização e investimentos em marketing, vai transformar o MMA no esporte mais popular do mundo nos próximos dez anos.
EXAME - O que despertou seu interesse pelos campeonatos da UFC?
Lorenzo Fertitta - Desde criança eu tenho paixão por esportes de combate. Nasci e cresci em Las Vegas, e meu pai me levava para assistir a todas as grandes lutas na cidade. Vi Mohammed Ali, Mike Tyson e outros ídolos. Quando eu tinha 27 anos, fui trabalhar na comissão esportiva de Nevada. Cuidava da parte regulatória das lutas de boxe.
EXAME - O senhor trabalhou com promoção de lutas de boxe?
Lorenzo Fertitta - Não. Quando passei a conhecer melhor o boxe, percebi que esse esporte jamais seria muito bem-sucedido como negócio. Havia muita corrupção, organização ruim, muita divisão e briga por poder. Foi então que eu fui apresentado ao MMA e ao UFC, e comecei a treinar jiu-jítsu.
Conheci muitos dos lutadores e foi muito marcante para mim o altíssimo nível de educação deles. O MMA e o jiu-jítsu requerem muita atividade cerebral, você precisa de fato pensar para poder usar seu corpo da melhor maneira possível.
EXAME - O MMA antes se chamava vale-tudo e tinha uma imagem ruim, que beirava a marginalidade. Como isso foi revertido?
Lorenzo Fertitta - Sentimos que, se comprássemos os direitos do UFC, teríamos de reavaliar as regras do jogo e dar atenção a todas as questões relacionadas à segurança e à saúde dos atletas. Com minha experiência na parte regulatória de lutas, eu sabia o que precisava ser mudado.
Do ponto de vista do marketing, tivemos de mostrar que tanto a modalidade quanto os atletas estavam envolvidos em um negócio sério e bem organizado. Tivemos de abandonar o conceito implantado pelos fundadores (a família Gracie, do Rio de Janeiro), que era basicamente ter dois adversários lutando em uma gaiola, sem regra nenhuma.
EXAME - Mas esse contexto selvagem não tinha um apelo especial?
Lorenzo Fertitta - Sim, mas apenas para uma pequena parcela do público. Quando nós começamos, o MMA era legalizado em apenas um dos 51 estados americanos. Não podíamos aparecer na TV, nem aberta, nem a cabo, e nem no pay-per-view.
Por isso, tivemos de ir a campo e educar a mídia, convencer os congressistas, principalmente os estaduais, e todos os profissionais envolvidos na regulação do esporte. Sabíamos que aquele apelo selvagem não bastaria para que pudéssemos ter um negócio mais amplo. Hoje somos legalizados em 45 estados.
EXAME - O senhor pensava em popularizar o esporte desde o início?
Lorenzo Fertitta - Acreditávamos — e, quando dissemos isso pela primeira vez, todos riram — que esse esporte poderia ser o maior do mundo. O que acreditávamos, e está se tornando realidade, é que as diferentes modalidades de esporte não se traduzem de forma completa entre culturas e países distintos. No Brasil, o futebol é o esporte número 1. Nos Estados Unidos, o futebol não tem relevância.
Lá há milhões de fãs da NFL (liga de futebol americano), mas ao redor do mundo as pessoas nem sabem as regras desse esporte. E há muitos outros exemplos no mundo, como o críquete na Índia, o rúgbi na Austrália. As lutas são universais. No Rio de Janeiro, teremos dois dos melhores lutadores do mundo se enfrentando, usando as artes marciais que quiserem.
Isso é entendido em qualquer lugar do mundo. Como seres humanos, a luta faz parte de nosso sangue. É por isso que hoje somos televisionados em 145 países e chegamos a mais de meio bilhão de lares. Vamos entrar na Índia e na China, o que fará com que alcancemos mais de 1 bilhão de lares.
EXAME - Qual foi o investimento inicial?
Lorenzo Fertitta - Compramos os direitos da franquia UFC por 2 milhões de dólares. Depois criamos um reality show chamado Ultimate Fighter, no qual investimos 10 milhões de dólares, para levar o tema de forma divertida aos lares americanos. Isso tudo foi investimento próprio, dinheiro que ganhamos com nossa empresa de cassinos. Tivemos de financiar prejuízos durante cinco anos.
EXAME - Como sua experiência em cassinos influencia a gestão da UFC?
Lorenzo Fertitta - Meu pai já trabalhava com cassinos e me ensinou que é necessário conhecer os desejos do cliente, fazer com que ele se sinta valorizado e sempre surpreendê-lo com um espetáculo mais impressionante do que o esperado. É isso o que tentamos fazer. No boxe, o espectador paga muito caro e apenas a luta principal vale a pena.
As preliminares são muito fracas. No UFC, nós cobramos caro pelo ingresso, mas fazemos com que as pessoas saiam da arena com a sensação de ter passado as melhores 4 ou 5 horas de entretenimento que já tiveram. Todas as lutas são boas, com atletas de ponta. A sensação de quem vai a um evento nosso é ter recebido mais do que pagou.
EXAME - Qual a importância do mercado brasileiro no negócio?
Lorenzo Fertitta - O Brasil representa a terceira maior audiência no pay-per-view, atrás de Estados Unidos e Canadá. Mas tem potencial para crescer. Por isso estamos divulgando a marca no país, realizamos o evento no Rio de Janeiro e queremos aproveitar transmissões em TV aberta para popularizar ainda mais as lutas de MMA.
EXAME - O senhor diz que o MMA se transformará no esporte mais popular do mundo. Quando isso vai acontecer?
Lorenzo Fertitta - Daqui a dez anos.