Revista Exame

O pai da competição entre os cartões de crédito

A repercussão do fim do duopólio no setor de cartões criou uma briga pela autoria da ideia, mas a paternidade é de um funcionário do BC

José Antônio Marciano, do Banco Central: o mérito é dele (Celso Junior/AE)

José Antônio Marciano, do Banco Central: o mérito é dele (Celso Junior/AE)

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Da Redação

Publicado em 4 de março de 2011 às 17h17.

Turrão, inábil, equivocado, retrógrado... Esses foram alguns dos adjetivos gentis usados nos últimos anos por parte dos executivos da área de cartões em conversas privadas do setor para se referir a José Antonio Marciano, diretor de operações bancárias e sistema de pagamentos do Banco Central. Com 60 anos, dos quais mais de 30 dedicados ao Banco Central, Marciano é apontado como o responsável pelo fim do casamento entre a Cielo, operadora de "maquininhas" de cartões líder no país, e a Visa - marcado para julho. E por terminar com a união estável entre a Redecard, a segunda colocada, e a Mastercard. Hoje suplantados pela maioria dos executivos do setor de cartões, os críticos mais emotivos de Marciano andam em baixa, mas não estavam totalmente errados.

Marciano (proibido pela direção do Banco Central de falar com EXAME para esta reportagem) é mesmo turrão, de acordo com amigos pessoais e funcionários do banco. "Ele é difícil de convencer, é aquele tipo de cara que acha que tudo o que não foi ele quem fez não está inteiramente bom", diz um colega de trabalho. No Banco Central, um dos oásis de excelência do funcionalismo público brasileiro, esse tipo de postura não chega a ser uma raridade.

Mas o diretor do Departamento de Operações Bancárias e de Sistema de Pagamentos é um destaque no quesito teimosia. Desde o começo do ano passado, Marciano, nascido em Sorocaba, no interior de São Paulo, participa de uma gincana promovida por amigos que passaram a adolescência na década de 60 em Piedade, também no interior paulista. Recentemente, houve uma controvérsia por causa de uma imprecisão quanto ao horário de entrega de uma tarefa. A turma do "deixa-disso" tentou contemporizar, mas Marciano insistiu em sua argumentação de que havia um erro a ser corrigido. "Ele leva tudo a sério e não deixa pra lá só porque é uma brincadeira", diz Byron de Abreu Freire Jr., um dos organizadores do reencontro dos amigos.

Na opinião de ex-funcionários do Banco Central, que preferem não ter o nome revelado, Marciano é realmente inábil em algumas situações. Na sede do banco, em Brasília, são famosos os embates entre ele e os funcionários do departamento de normas e do jurídico. Marciano segue à risca as regras mesmo quando seria mais produtivo ter jogo de cintura. Para ele, as leis foram feitas para ser cumpridas, e quem não goste que as mude. "Ele puxou ao pai, que também era muito detalhista e metódico", diz Nina Marciano, a irmã mais próxima.


Até este ponto, os adjetivos usados pelos críticos de Marciano fazem certo sentido. Mas equivocado e retrógrado, garantem todos os entrevistados, são acusações totalmente descabidas. Diz Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da gestora carioca Gávea: "O Marciano é um servidor público com letra maiúscula. É obstinado, inteligente e correto". Alkimar Ribeiro Moura, que trabalhou com Marciano no Banco Central por dois anos durante a tensa crise bancária da década de 90, conta que essa também é sua impressão.

Luis Gustavo da Matta Machado foi chefe direto de Marciano por 13 anos e o descreve como um profissional sério e meticuloso. Quanto a suas posições supostamente retrógradas, Fraga discorda mais uma vez: "A quebra da exclusividade entre as credenciadoras e as bandeiras é um importante passo para aumentar a competição nesse segmento, o que deve melhorar a vida dos lojistas e a de quem tem cartão de crédito".

O grau de aprovação dessa mudança é hoje tão grande que há uma disputa de egos no governo - todos querem a paternidade da conquista. "O crédito é todo do Marciano. Houve ajuda dos ministérios da Fazenda e da Justiça, mas quem começou e tocou esse projeto, por volta de 2003, foi ele", diz Mario Torós, exdiretor de política monetária do Banco Central. Marciano é representante de uma elite entre os funcionários públicos brasileiros. O Banco Central, assim como a Receita Federal e o Itamaraty, conta com um corpo técnico visto como altamente capacitado. (Para quem tem dúvida, vale lembrar que a governança do mercado financeiro brasileiro se tornou uma referência depois da crise de 2008.) E, quando essa elite do funcionalismo coloca algum projeto para andar, é difícil parar.

Mesmo tendo sido o protagonista de uma decisão que vem transformando um mercado inteiro, Marciano continua um anônimo em Brasília. Mora com a mulher, Rita, em uma casa no Lago Sul - o casal já superou os piores momentos vividos depois da perda do filho único, na década de 90. Nos fins de semana, é comum o fã dos Rolling Stones e dos Beatles receber os amigos para um churrasco. Seguindo de forma peculiar a tradição musical da família - o pai e os tios tocavam numa banda -, Marciano coleciona gramofones e gravadores antigos. Também gosta de viajar e nunca vai a lugar nenhum sem seu cartão de crédito. "Sempre que ele se hospeda aqui, paga com um Visa", diz Marcel Vicentini, dono da Pousada Recanto Primavera, em Piedade.

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