Boris Johnson (à esq.) e Jeremy Hunt: um deles será o próximo primeiro-ministro do Reino Unido (Andrew Parsons/Zuma Press/Fotoarena/Reprodução)
Filipe Serrano
Publicado em 18 de julho de 2019 às 05h30.
Última atualização em 22 de julho de 2019 às 06h00.
Era verão e Londres estava em festa em agosto de 2012. A cidade sediava os Jogos Olímpicos e dezenas de milhares de turistas passeavam pelas ruas da capital inglesa.
Foi quando o então prefeito da cidade, o político conservador Boris Johnson, decidiu participar de uma das festividades da Olimpíada num parque perto de onde ocorriam os Jogos.
Vestindo terno, camisa rosa e sapatos pretos, Boris subiu em uma torre de dezenas de metros de altura. Lá em cima, amarrou-se a um cinturão, colocou um capacete azul-claro e desceu meio desajeitado, deslizando por uma corda de aço de 320 metros, balançando duas bandeirinhas do Reino Unido com as mãos.
Faltando pouco mais de 30 metros para o final, a tirolesa emperrou, e o prefeito ficou pendurado por cerca de 5 minutos até que alguém arrumasse uma corda para retirá-lo de lá. Embaixo, no gramado, um grupo de pessoas ria, tirava fotos e aplaudia a cena inusitada.
Quase sete anos depois, o Partido Conservador britânico, que governa o país, está numa situação parecida com aquela do ex-prefeito londrino.
O plano para retirar o país da União Europeia empacou, depois de ter sido vetado três vezes pelo Parlamento, e ninguém tem uma ideia clara de como vai sair dessa situação.
A data do divórcio já foi adiada duas vezes e a população do Reino Unido está cada vez mais impaciente com a novela que se tornou o Brexit — nome como é conhecida a saída do bloco de países europeus.
Diante do impasse, a inclinação política do eleitorado britânico deu uma virada surpreendente.
Pesquisas de opinião mais recentes mostram que é cada vez maior o número de pessoas que estão trocando sua preferência pelo Partido Conservador ou pelo Partido Trabalhista — as duas forças que dominam a política do Reino Unido desde 1922 — por uma das demais legendas do país, que antes recebiam uma minoria dos votos.
Entre os grupos que estão atraindo os eleitores estão os Liberais Democratas, os Verdes e, principalmente, o novíssimo Partido do Brexit.
Formado por políticos do antigo Ukip (Partido de Independência do Reino Unido), o Partido do Brexit nasceu em janeiro de 2019, liderado por Nigel Farage, um dos maiores nomes da campanha pró-Brexit, e passou a atrair parlamentares conservadores descontentes com o rumo das negociações com a União Europeia.
Em poucos meses, o jovem partido eurocético ganhou corpo e recebeu 30% dos votos dos britânicos nas eleições para o Parlamento Europeu, em maio, conquistando 29 dos 73 assentos do Reino Unido na casa legislativa, de um total de 751. O Partido Conservador teve 9% dos votos e ficou com apenas quatro assentos.
“Tanto os Conservadores quanto os Trabalhistas estão sendo seriamente desafiados. Ainda não sabemos aonde isso vai levar, mas essa é a maior ruptura no sistema convencional de dois partidos que já tivemos desde o fim da Segunda Guerra”, diz o cientista político John Curtice, professor na Universidade de Strathclyde, na Escócia, que ficou conhecido por ter sido o único a prever a perda de assentos do Partido Conservador nas últimas eleições gerais, em 2017.
É nesse ambiente conturbado e ameaçado de ser devastado politicamente, a exemplo do que ocorreu com os partidos tradicionais na França, na Itália ou na Espanha, que o Partido Conservador escolhe agora quem será seu novo líder e o próximo primeiro-ministro do Reino Unido no lugar de Theresa May, que está de saída.
O resultado da eleição entre os 160.000 votantes do partido será conhecido no dia 23 de julho e o futuro primeiro-ministro tomará posse no dia seguinte.
Os dois finalistas na disputa não poderiam ser mais diferentes um do outro. Um deles é justamente o ex-prefeito de Londres, Boris Johnson, que tem um estilo debochado e carismático e um inconfundível cabelo loiro despenteado.
O outro é Jeremy Hunt, um político de jeito conciliador, que fala de maneira calma e educada. Ele comandou as pastas da Cultura e da Saúde nos governos de David Cameron e de Theresa May e hoje é secretário de Relações Exteriores.
Johnson tem uma vantagem em relação a Hunt. Ele é mais enfático na defesa do Brexit. Na época do referendo, foi um dos maiores articuladores da saída. Para ele, a retirada da União Europeia no dia 31 de outubro — prazo-limite para um acordo — é uma questão de “executar ou morrer” (do or die). Johnson promete deixar o bloco nessa data, com ou sem acordo.
O discurso agrada aos eleitores conservadores mais radicais, mas a medida dificilmente passaria no Parlamento, por causa dos prejuízos econômicos envolvidos. “Teríamos uma depreciação ainda maior da libra em relação ao dólar, e isso aumentaria os preços das importações, elevando a inflação”, diz Andrew Goodwin, chefe de análise macroeconômica da consultoria Oxford Economics.
A desaceleração da economia seria inevitável. Portanto, o risco de a promessa de Johnson se esvaziar é alto. Num debate recente na televisão, ele se recusou a responder se renunciaria ao cargo caso não conseguisse deixar o bloco no dia 31, e manteve em aberto a possibilidade de suspender o Parlamento para aprovar seu plano — uma polêmica prerrogativa do primeiro-ministro.
Hunt, por outro lado, tem uma postura mais pé no chão. Ele também promete sair do bloco com ou sem acordo, mas admite que a data pode ser estendida, possivelmente até o Natal, se isso for necessário para conseguir o aval dos parlamentares. Por ter uma postura mais moderada, ele defende ser o candidato mais preparado para alinhar os diferentes interesses presentes no Parlamento e aprovar logo um acordo.
“A única forma de o novo primeiro-ministro resolver o impasse é convencendo a União Europeia a fazer concessões. Só um acordo assim terá chance de passar”, diz Tim Bale, professor de ciências políticas na Universidade de Londres Queen Mary. Para os críticos, no entanto, essa é a mesma estratégia adotada pela atual primeira-ministra, Theresa May, e fadada ao fracasso.
“Hunt é visto como um burocrata ortodoxo, e não um político. As pessoas tendem a vê-lo como mais competente, enquanto Boris é um risco”, diz Iain Begg, cientista político e professor na London School of Economics. Mas é justamente o radicalismo de Johnson que fez com que ele se consolidasse entre os conservadores. Aos olhos dos colegas de partido, Johnson fez colar em si a imagem de que ele seria a melhor alternativa contra a ascensão do Partido do Brexit.
No meio da disputa, as incertezas permanecem: quanto tempo mais esse processo de saída vai levar, e quais serão as regras de comércio e movimentação de pessoas entre o Reino Unido e a União Europeia? Esses são os maiores desafios que o próximo primeiro-ministro enfrentará, seja quem for. “A questão central não é apenas o Brexit, mas também a duração desse processo. Quanto mais tempo o Reino Unido demorar para sair da União Europeia, maior o prejuízo para o crescimento do país”, diz Mohamed El-Erian, economista-chefe da seguradora Allianz.
A incerteza já fez vir à tona estratégias mirabolantes. Uma delas, mencionada por Boris Johnson, é a de que o Reino Unido estaria protegido da cobrança de tarifas de importação em razão do Artigo no 24 do Acordo Geral de Tarifas e Comércio. Criado em 1947, o dispositivo prevê um congelamento de tarifas enquanto dois países negociam um acordo de livre-comércio.
“Isso não é uma solução para o cenário sem acordo, porque esse dispositivo exige a existência de um acordo em primeiro lugar”, diz David Henig, diretor do UK Trade Policy Project, fórum que debate o futuro da economia do Reino Unido pós-Brexit. Quando votou a favor da saída da União Europeia em 2016, parte dos britânicos acreditou na promessa de que a retirada seria fácil e o futuro do Reino Unido cheio de glórias. O que se vê até aqui é um país que ainda não sabe a direção que quer tomar.