Revista Exame

Otimismo, mas cauteloso

Uma pesquisa exclusiva mostra que a maioria dos líderes está confiante de que Bolsonaro vai tirar o Brasil da crise. Mas algumas preocupações continuam

O presidente Jair Bolsonaro: a aprovação do governo entre empresários e executivos subiu com a reforma da Previdência Reuters  (Adriano Machado/Reuters)

O presidente Jair Bolsonaro: a aprovação do governo entre empresários e executivos subiu com a reforma da Previdência Reuters (Adriano Machado/Reuters)

AJ

André Jankavski

Publicado em 29 de agosto de 2019 às 05h44.

Última atualização em 29 de agosto de 2019 às 14h23.

Os executivos da fabricante americana de latas de alumínio Ball estão otimistas com o futuro no Brasil. Em 2016, a empresa comprou a operação brasileira da britânica Rexam e tornou-se a principal fornecedora do ramo no país, com cerca de 50% de participação no mercado. Por ano, produz 14 bilhões de latas nas dez fábricas espalhadas pelo Brasil.

Com suas unidades fabris funcionando praticamente com 100% da capacidade instalada, a empresa americana decidiu que abrirá mais duas fábricas até 2020. A Ball não confirma, mas EXAME apurou que os investimentos podem chegar a 500 milhões de reais nessas duas unidades, e isso aumentaria a capacidade de produção em 10%. “A Ball chegou aqui em um período de crise, mas sabemos que o mercado brasileiro é muito importante e se recuperará logo”, diz Carlos Pires, presidente da Ball no Brasil. O pensamento de Pires está longe de ser uma exceção entre empresários, executivos e gestores. Uma pesquisa exclusiva para MELHORES E MAIORES, realizada pela consultoria de gestão Betania Tanure Associados (BTA), de Belo Horizonte, ouviu 445 dirigentes de grandes empresas e identificou que o otimismo voltou para boa parte dos empresários e executivos no país.

Nem mesmo a demora para a economia engrenar e a queda na expectativa de crescimento para este ano — de 2,5% em janeiro para os atuais 0,8%, segundo o Boletim Focus, termômetro do mercado financeiro compilado pelo Banco Central — serviram para tirar a visão positiva da maioria dos entrevistados. Se em pesquisa semelhante de 2018 o número de “otimistas” ou “muito otimistas” não passava de 11%, neste ano está em 40%.

No horizonte de quatro anos, a quantidade de esperançosos aumenta ainda mais: 81%. “A expectativa nunca foi tão boa e um dos fatores que mais auxiliaram essa retomada do otimismo é a aprovação da reforma da Previdência”, diz a consultora Betania Tanure, coordenadora da pesquisa, realizada pelo quarto ano consecutivo. Para 94% dos entrevistados, a mudança nas regras da aposentadoria terá impacto positivo na economia. A aprovação da reforma, inclusive, foi fundamental para melhorar a percepção dos entrevistados em relação ao governo Jair Bolsonaro. Enquanto em março a visão “positiva” e “muito positiva” do governo era de 44%, em agosto foi para 54%.

Mas, se o otimismo é tão grande, por que ele ainda não foi convertido em recuperação econômica? Para Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da gestora Gávea Investimentos, a falta de uma agenda mais clara do governo Bolsonaro, somada às declarações polêmicas do presidente, ajuda a criar um ambiente de instabilidade. “O futuro da Amazônia, a educação, além de outros assuntos mais técnicos e científicos, como o desenho da reforma tributária, são temas importantes e que merecem a atenção. A tensão política também dá sinais de que não vai diminuir, e isso atrasa a recuperação”, diz Fraga (leia a entrevista completa na pág. 61).

Logo, não é por acaso que a taxa de investimento no Brasil não tenha mostrado sinais de reação e seja a menor dos últimos 50 anos. Em um estudo, os economistas Marcel Balassiano e Juliana Trice, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, mostraram que a taxa de investimento média dos últimos quatro anos está em 15,5% (em relação a 2019, foram utilizados apenas os dados do primeiro trimestre). Esse é o menor percentual desde 1967, em razão, sobretudo, do momento complicado que empresas do setor de construção civil e de máquinas e equipamentos enfrentam.

Sede do Nubank, em São Paulo: a fintech alcançou valor de mercado de 10 bilhões de dólares | Germano Lüders

Fundo do poço

Porém, mesmo com as pressões macroeconômicas, o ano de 2019 deve ser melhor para as empresas. Segundo o levantamento da BTA, 43% das companhias esperam um faturamento maior do que as previsões realizadas no início do ano. Em 2018, essa proporção era de 31%. “Estamos saindo do fundo do poço, então resultados de crescimento são normais. Mas ainda cresceremos bem menos do que o potencial do país”, diz Rafael Cardoso, economista-chefe do banco Daycoval. Porém, há riscos internos e externos que podem afetar essa conta. A pesquisa questionou também os entrevistados sobre seus maiores temores para o país: o cenário macroeconômico (18%), as crises políticas (18%) e os custos tributários e trabalhistas (14%) lideram. Não é para menos. Um exemplo é a crise que a vizinha Argentina está sofrendo, ampliada pela vitória da chapa oposicionista, formada pelos candidatos Alberto Fernández e Cristina Kirchner, nas prévias da eleição presidencial. Terceira maior parceira comercial do Brasil, a Argentina enfrenta uma piora na situação econômica, e isso poderá resultar em menos atividade em alguns setores no Brasil. O setor automotivo, que representa cerca de 24% no produto industrial, é um deles. No primeiro semestre, houve uma queda de 46% na receita de exportações de veículos brasileiros em comparação com o mesmo período de 2018. O resultado foi uma redução das estimativas para 2019: projetada uma exportação de 590 000 veículos, as vendas externas não devem ultrapassar 450 000 unidades neste ano. Ainda assim, as projeções de aumento de produção no Brasil continuam valendo para 2019 e o setor deve fechar com uma expansão de 9% em relação ao ano passado. “A melhora do mercado interno pode fazer com que as vendas locais compensem a perda nas exportações”, diz Luiz Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores.

Não são apenas as — muitas — questões políticas e econômicas que preocupam os líderes das empresas. Uma extensa agenda de mudanças urgentes ocupa o dia a dia de quem toca os negócios. A principal delas, de longe, é a tecnológica. Para 22% dos executivos ouvidos pela BTA, a transformação digital é o maior temor para o futuro. De fato, há novos rumos apontando em diversas áreas, movidos pela tecnologia e por alterações no comportamento. O próprio setor automotivo está diante de desafios como o compartilhamento de carros, estampado com o crescimento de aplicativos de transporte, como Uber e 99. Um estudo realizado pela consultoria Bain mostra que, hoje, menos de 25% dos consumidores brasileiros usam com frequência esses aplicativos. Nos próximos três anos, o número de usuários poderá ultrapassar os 80%. Para Carlos Libera, sócio da Bain, a indústria precisará se reinventar e deixar de focar somente a produção. “As empresas devem aproveitar o momento para entender o consumidor e virar prestadoras de serviço, pois o carro vai se tornar uma commodity”, afirma Libera.

A transformação digital também está criando empresas que se destacam em meio à crise. Um exemplo é o crescimento do Nubank. A fintech criada pelo colombiano David Vélez, conhecida principalmente por seu primeiro produto, um cartão de crédito roxo sem a cobrança de anuidade, escalou de uma receita de 28 milhões de reais para 1,2 bilhão nos últimos três anos. Um aporte feito pelo fundo TCV no valor de 400 milhões de dólares no fim do mês de julho fez o Nubank ser avaliado em 10 bilhões de dólares. Para comparação, a tradicional varejista Magazine Luiza tem um valor de mercado próximo a 14 bilhões de dólares. “O período de recessão é uma oportunidade para o crescimento de novos modelos de negócios. O consumidor se sente mais afetado por problemas e quer empresas que prestem serviços melhores”, diz Vélez. Nem mesmo a crise global, que poderia reduzir a liquidez de investimentos de risco, perturba o colombiano, que já anunciou a entrada em novos mercados, como o México e a Argentina: “Neste ano teremos nosso maior crescimento e nosso modelo de negócios já está testado. Não creio que uma crise internacional possa afetar nossos planos”. É claro que, se as economias local e global ajudarem, pode ser melhor.

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A ECONOMIA AINDA ESTÁ INSEGURA

Para o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, a falta de uma agenda do governo atrasa a recuperação econômica | André Jankavski

Armínio Fraga: “Estados fora da reforma da Previdência é uma irresponsabilidade” | André Horta/Fotoarena

Os ruídos emitidos pelo governo do presidente Jair Bolsonaro tendem a assustar. Quem afirma isso é o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da gestora Gávea Investimentos. Para ele, os sinais controversos que o governo propaga atrasam a recuperação. Porém, apesar da estagnação deste ano, Fraga vislumbra a possibilidade de um crescimento mais robusto em 2020.

Qual é sua análise de 2019? Por que a recuperação não começou?

Está sendo um ano difícil, com a economia quase parada. Existem alguns sinais positivos, mas outros nem tanto. Não podemos dizer que a recuperação começou. Um dos pontos positivos é que o Congresso está assumindo a responsabilidade por uma parte importante da agenda de reformas, às vezes contra o próprio Executivo. Mas o governo dá os sinais mais variados e cria um ambiente de insegurança. 

O que causa essa insegurança?

Existem diversos ruídos que denotam uma falta de clareza no modelo que será adotado, na economia e fora dela, e que tendem a assustar. E são temas importantes, que merecem atenção: o futuro da Amazônia, da educação, até mesmo das instituições, além de outros assuntos mais técnicos, como o desenho da reforma tributária. A tensão política dá sinais de que não diminuirá, e isso prejudica a recuperação.

O que o governo deveria mostrar?

O mais importante seria a percepção de que há uma agenda e que ela é colocada em prática. A reforma tributária é importante, assim como os assuntos ligados ao custo do crédito, as dificuldades para fazer negócios no Brasil, além de temas regulatórios. Mas há pontos positivos: com as taxas de juro baixas, as empresas estão conseguindo se financiar e refinanciar a custos atraentes. É uma novidade para o Brasil.

O risco político é maior do que o risco econômico?

O risco global, por exemplo, tem as dimensões política e econômica, como a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. As coisas também não andam bem em algumas economias importantes. No Brasil, o lado político pesa mais, e ainda existem riscos econômicos, como a questão fiscal.

A reforma da Previdência não deu uma folga à questão fiscal?

Melhorou com a reforma, mas está longe de ser resolvida. A situação dos estados está muito complicada. Eu considero absolutamente incrível que não se aborde essa questão na reforma da Previdência, por oposição de alguns governadores. É um sinal de irracionalidade e irresponsabilidade que vai custar caro para os estados.

Quando a recuperação deve vir?

Não descarto uma recuperação em 2020, mas nuvens carregadas fora e dentro do Brasil não permitem descartar cenários complicados. Isso não se resolve da noite para o dia. Não dá para esperar que certas características do governo mudem do nada. Ao contrário. Começa a se confirmar um estilo de governar que não é propício a um ambiente previsível. Nesta altura, deveríamos estar olhando para uma recuperação clássica de uma pós-recessão colossal como a que tivemos. Em tese, é possível que venha, mas é difícil investir em um cenário geral como este.

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