Revista Exame

Os vizinhos que dão bom exemplo ao Brasil

Peru, Colômbia, Chile e México mostram que boas reformas e um ambiente favorável a negócios são fundamentais para o desenvolvimento

Bogotá, na Colômbia: crescimento do país no ano deve ser o dobro do brasileiro  (David Garzon/Stock.Xchng)

Bogotá, na Colômbia: crescimento do país no ano deve ser o dobro do brasileiro (David Garzon/Stock.Xchng)

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Da Redação

Publicado em 27 de setembro de 2012 às 11h46.

São Paulo - Imagine a América Latina como uma sala de aula e cada país como um aluno. Hoje, Argentina e Venezuela seriam os líderes da turma do “fundão”, aqueles maus alunos que se sentam nas últimas carteiras, chamam a atenção da pior maneira e não estão nem aí em passar de ano.

Nas primeiras carteiras estariam Chile, Peru, México e Colômbia. Alunos que, na base da dedicação, tiram as melhores notas e não têm vergonha da pecha de “caxias”. No meio desses dois grupos está o Brasil. O grandalhão da turma seria um estudante que confia demais na própria capacidade e nem sempre faz o dever de casa até o fim.

Não tem a mesma disciplina dos colegas da primeira fila e acha que se misturar vez ou outra com o pessoal do fundão não vai prejudicar seu desempenho. E, assim, arrisca aos poucos ir ficando para trás.

Não é que o Brasil mereça ser comparado a vizinhos como a Argentina de Cristina Kirchner ou a Venezuela de Hugo Chávez, que pregam abertamente o protecionismo, o desrespeito aos contratos e a forte intervenção estatal. Estamos, felizmente, num estágio muito, mas muito superior.

Mas temos, sim, lições a aprender com os países que trocaram políticas populistas pela cartilha liberal. Os quatro países citados acima colocam no centro de sua política a defesa da livre concorrência, o respeito aos contratos e o papel do Estado não como indutor da gastança, mas dos investimentos.

Esse é o grupo que, nos últimos anos, tem brilhado mais. Como quase todo o mundo, os quatro sofreram com a crise financeira de 2009. Mas se recuperaram no ano seguinte e, ao contrário do Brasil, que vem perdendo fôlego após um 2010 esfuziante, mantêm taxas de crescimento econômico invejáveis. 

Em 2012, Peru, Colômbia, Chile e México vão crescer mais do que o Brasil. O México recuperou a competitividade e voltou a exportar com força para os Estados Unidos, seu principal parceiro comercial. O Chile, caso mais antigo de sucesso, cresce com o consumo das famílias e a expansão de 8% na construção — isso a despeito de uma queda de 6% nas exportações de metais nos primeiros sete meses de 2012. 

O Peru vive um boom de comércio e investimentos. Em agosto, a socialite americana Paris Hilton abriu a primeira loja de sua grife em Lima, a capital peruana. “Estou feliz em ver que a minha loja está bombando”, escreveu ela no Twitter. A Colômbia, depois de tirar o poder das Farc sobre parte do território do país, viu o setor petrolífero crescer 18% no ano passado e receber 8,8 bilhões de dólares em investimento.


Os quatro devem crescer a uma taxa média de 5% — enquanto o Brasil terá de se contentar com cerca de 1,7%. “Esses países fizeram reformas, estão crescendo e se tornaram atraentes aos olhos dos investidores. O Brasil só agora começa a perceber que aumentar os investimentos é vital”, diz o economista Albert Fishlow, do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.

O Peru é um bom exemplo: de 2006 a 2011, teve a maior média de crescimento das Américas, 7% ao ano — e a quarta do mundo, atrás do Catar, da China e da Índia. Deixou para trás uma inflação média de quase 30% na última década do século 20 e, hoje, tem uma taxa média de 4,5%, inferior à do Brasil. Na última década, tirou 20% da população da pobreza.

Há cerca de dez anos, o Peru era o retrato do atraso, com instituições frágeis e um presidente, Alberto Fujimori, em fuga para o Japão, acusado de corrupção. Desde a saída de Fujimori, o país teve três presidentes eleitos: Alejandro Toledo, Alan García e Ollanta Humala. Mesmo com colorações políticas distintas, criou-se um clima de estabilidade que fazia muito tempo não se via.

Os três adotaram uma agenda de reformas e melhoria dos gastos. Em 2003, os peruanos aprovaram uma lei que impôs limite de 4% ao ano no aumento dos gastos públicos. Em abril, copiando o modelo chileno, o governo criou um fundo para acumular poupança nos tempos de bonança para ser usada nos períodos de carência.

Com recursos disponíveis, o Estado peruano pôde investir na infraestrutura, ainda precária. Em julho, o presidente Humala anunciou uma reforma para tornar mais ágil a execução de investimentos públicos e apresentou um programa de 4,5 bilhões de dólares para 8 000 projetos de infraestrutura.

“A continuidade de políticas permitiu a adoção de reformas que estão eliminando entraves burocráticos”, diz Jose Carlos Burga, presidente da organização Peruvian Business Council, com sede em Nova York. Com as reformas, o investimento estrangeiro direto aumentou oito vezes de 2001 a 2011. “O Peru, graças às reformas e ao crescimento, oferece aos investidores boas chances de ganho com risco baixo”, diz Gabriel Torres, analista da agência de classificação de risco Moody’s para a América Latina.

Confiabilidade é uma das características que unem o Peru ao Chile e à Colômbia. A Argentina, vira e mexe, inventa alguma medida que afasta os investidores. O Chile, ao contrário, há décadas é reconhecido pela estabilidade. A autonomia do Banco Central é garantida por lei desde 1989.

O país recebeu grau de investimento há 18 anos. A dívida pública chilena, de 10% do PIB, é uma das menores do mundo. Segundo Joseph Ramos, professor de economia da Universidade do Chile, tudo isso é resultado de reformas feitas desde o governo de Augusto Pinochet. “Nossas instituições são fortes e bem estabelecidas”, afirma Ramos. Ou seja, no longo prazo, a firmeza das regras torna os países interessantes. 


“O que atrai o investimento é a presença de governos que não surpreendem os empresários”, diz José Vicente Marino, vice-presidente de negócios da Natura, que mantém produção terceirizada na Colômbia e no México. “Você investe hoje e sabe que, amanhã, nada muda.” 

Abertura para o mundo

O Brasil, claro, ainda é o principal destino dos investimentos estrangeiros. O imenso mercado consumidor — duas vezes maior que o do segundo colocado, o México — nos torna o país mais vistoso da região. “Mas o ambiente de negócios hostil diminui o potencial de crescimento e ajuda a explicar por que nosso desempenho tem sido inferior ao desses vizinhos”, diz Cristiano Souza, economista do banco Santander.

Abrir uma empresa no Brasil é uma tarefa que demanda 13 procedimentos e 119 dias. “Há 12 anos, quando minha empresa se instalou no Chile, em dois dias já tinha conseguido um visto provisório para abrir o negócio”, diz Marco Stefanini, presidente da Stefanini, empresa de serviços de tecnologia.

Cerca de 70% dos custos de mão de obra da empresa de material de construção Tigre no Brasil correspondem a encargos sociais. No Peru, o índice é de 45% e, no Chile, 12%. A maior competitividade levou a Tigre a abrir fá­bricas no Chile e na Colômbia. No Peru, vai investir 24 milhões de dólares em 2013 na construção de uma ter­ceira fábrica. “Temos uma economia diversificada. Mas a burocracia e a carga tributária minam nossa capacidade de competir”, afirma Evaldo Dreher, presidente da Tigre.  

O Brasil precisa resolver esses problemas. E repensar com quem pretende se juntar. México, Peru, Colômbia e Chile têm acordos de livre comércio com as principais economias do mundo. Em junho, seus governos assinaram o tratado Aliança do Pacífico, futura integração dos quatro países.

Enquanto isso, o Brasil se mantém preso ao Mercosul, o bloco do protecionismo. Recentemente, o governo brasileiro comungou na questionável suspensão do Paraguai para aprovar a entrada da Venezuela no bloco. É prova de que, infelizmente, o Brasil ainda se deixa seduzir pela turma da baderna. Em vez disso, deveria mirar nos vizinhos que estão fazendo o dever de casa.

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