Revista Exame

Os verdes estao no vermelho

Os índices “sustentáveis” se multiplicam nas bolsas, mas não conseguem trazer retorno de verdade para os acionistas. Seus defensores prometem que, um dia, o lucro virá

Produção de aviões no hangar da Embraer, no interior de São Paulo: o desempenho da ação da empresa puxou o índice verde para baixo (Germano Lüders/EXAME.com)

Produção de aviões no hangar da Embraer, no interior de São Paulo: o desempenho da ação da empresa puxou o índice verde para baixo (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 25 de agosto de 2011 às 13h40.

Apesar de ter entrado no jargão financeiro há poucos anos, investir de maneira “sustentável” é coisa antiga. No século 18, os quakers no nordeste americano condenavam o investimento no comércio de escravos. O regime do apartheid levou a comunidade internacional a boicotar a economia sul-africana, na mais célebre campanha global de investimento ético do século 20.

Depois vieram a rejeição a indústrias consideradas nocivas, como as do tabaco e de armas, e a popularização das atuais ideias de sustentabilidade, até que o movimento assumiu as dimensões que tem hoje: mais de 50 índices de ações no mundo seguem o desempenho de empresas tidas como sustentáveis.

O programa Princípios para o Investimento Responsável, lançado pela ONU em 2003, conta hoje com 871 signatários de 45 países. Os participantes têm cerca de 20 trilhões de dólares em ativos sob sua gestão, cerca de um quinto do volume gerido no mundo. A tese que move esses investidores não tem nada de boazinha — para eles, negócios sustentáveis são menos arriscados e têm potencial para ser mais lucrativos e dar, assim, retornos maiores. Infelizmente, não é o que vem acontecendo.

Um levantamento feito por EXAME mostra que, nos últimos cinco anos, alguns dos principais índices “verdes” do mundo tiveram desempenho inferior aos índices referenciais de seus respectivos mercados. Foi assim nos Estados Unidos, na Inglaterra, no Brasil e na África do Sul. Não é, diga-se em defesa dos índices verdes, um desempenho desastroso.

Em todos os casos levantados, a diferença foi pequena. Uma das maiores foi observada justamente no índice verde da bolsa brasileira, puxado para baixo pelo mau desempenho de ações como as da Embraer. Mas estudos mais abrangentes mostram de maneira clara que esse negócio de ser ou não ser verde não influencia em nada o resultado de um investimento.

Uma pesquisa da Universidade de Regensburg, na Alemanha, criou carteiras hipotéticas baseadas em 755 ações de empresas pertencentes a indústrias execradas pela sociedade — pornografia, álcool, jogo, energia nuclear, tabaco e armas — e as comparou com os mais importantes índices internacionais de investimento socialmente responsável entre 1995 e 2007. Os pesquisadores não encontraram nenhum indício de que seleções éticas ou antié­ticas levem a diferenças significativas no resultado financeiro.


Essas constatações não têm sido suficientes para manchar a reputação dos índices verdes. Pelo contrário. Desde 1999, o número de índices formados por companhias que seguem políticas sustentáveis passou de um para mais de 50, com crescimento de mais de 50% só nos últimos quatro anos. Há índices sustentáveis em cada uma das principais bolsas do mundo.

E espera-se nos próximos anos um incremento das ofertas de investimentos verdes. A bolsa de São Paulo foi a quarta do mundo a lançar uma carteira desse tipo, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), no final de 2005. Ainda não é possível aplicar diretamente no ISE, mas a bolsa, otimista com a conquista do público, pretende lançar ainda neste semestre um ETF (fundo negociado em bolsa) que replica o desempenho do índice.

Além disso, já há no Brasil 11 fundos de ações concentrados em empresas com políticas sustentáveis, a maioria mantida por grandes bancos que buscam replicar ou superar o ISE, somando um patrimônio de mais de 1 bilhão de reais e quase 4 000 cotistas. Eles não parecem ligar para o desempenho abaixo do Ibovespa. “Nossos clientes querem melhorar o mundo”, diz Antonio Cassio Segura, gerente executivo da diretoria de varejo do Banco do Brasil, que mantém o fundo BB Ações ISE.

“Temos cada vez mais jovens nas agências, e eles se preocupam em investir de maneira consciente.” Em abril, o BB vai baixar o investimento mínimo nesse fundo dos atuais 200 para 15 reais.

O problema é: esses investidores estão mesmo apoiando empresas “verdes”? A resposta é um tanto complexa. No caso brasileiro, a carteira do ISE é cada vez mais parecida com o grupo de empresas que formam o índice Bovespa. A política da BM&F Bovespa é incentivar as práticas sustentáveis de qualquer empresa sem barrar aquelas vistas como poluidoras, por exemplo.

Os fatores negativos apenas tiram pontos na seleção e diminuem o peso das participantes no índice. Mas nada impede que uma empresa de petróleo entre na carteira — a ConocoPhillips, uma das maiores petrolíferas americanas, é uma das 15 empresas do Dow Jones Sustainability Index. Em janeiro, uma nova carteira do ISE entrou em vigor. Nela, entraram seis novas empresas, entre elas a Vale. No total, são 38 companhias em 18 setores, com destaque para mineração, energia e finanças.

Com a entrada da Vale, o índice verde representa hoje quase metade da carteira do Ibovespa. Para as empresas, o selo de “sustentável” traz um óbvio ganho de imagem — a própria Vale fez campanha para entrar no ISE. “As empresas mais sustentáveis acabarão sendo mais valorizadas”, afirma Vania Somavilla, diretora de sustentabilidade da Vale.

Quando isso vai acontecer? Sonia Favaretto, diretora de sustentabilidade da BM&F Bovespa, diz que os objetivos do ISE podem ser divididos em fases. “Nos primeiros cinco anos, o objetivo foi atrair participantes”, afirma ela. “Mas é claro que, a partir de agora, queremos também alcançar a boa rentabilidade.” Segundo ela, espera-se que a carteira do ISE se aproxime cada vez mais do Ibovespa. Eis aí uma boa notícia — perder para o principal índice da bolsa vai ficar cada vez mais difícil.

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