Revista Exame

A economia global terminará 2019 bem? Vai depender de 7 fatores

A cena econômica global, que parecia assustadora no final de 2018, melhorou. Se a melhora vai durar, dependerá de sete fatores

Xangai, na China: preocupação com o excesso de estímulos | Frédéric Soltan/Corbis/Getty Images

Xangai, na China: preocupação com o excesso de estímulos | Frédéric Soltan/Corbis/Getty Images

DR

Da Redação

Publicado em 28 de fevereiro de 2019 às 05h54.

Última atualização em 28 de fevereiro de 2019 às 05h54.

Após a sincronizada expansão econômica global de 2017, veio o crescimento não sincronizado de 2018, quando a maioria dos outros países fora os Estados Unidos começou a passar por desacelerações. As preocupações com a inflação nos Estados Unidos, a trajetória política do Federal Reserve (o banco central americano), as guerras comerciais em andamento, o orçamento e os problemas da dívida italianos, a desaceleração da China e as fragilidades dos mercados emergentes levaram a uma queda acentuada nos mercados acionários globais no fim do ano.

A boa notícia no início de 2019 é que o risco de uma recessão global é baixo. A má notícia é que estamos caminhando para um ano de sincronizada desaceleração global; o crescimento cairá — e, em alguns casos, ainda mais — para abaixo do potencial na maioria das regiões.

Com certeza, o ano começou com uma recuperação de ativos de risco (ações dos Estados Unidos e do mundo) após o banho de sangue do último trimestre de 2018, quando as preocupações com a elevação das taxas de juro e com o crescimento da China e dos Estados Unidos fizeram desabar muitos mercados. De lá para cá, houve uma reviravolta do Fed em direção a um novo clima de conciliação, os Estados Unidos mantiveram um crescimento sólido e o afrouxamento macroeconômico da China tem mostrado alguma esperança de conter a desaceleração no país.

Se essas condições relativamente positivas serão duradouras, dependerá de muitos fatores. A primeira coisa a considerar é o Fed. Os mercados estão agora precificando a pausa na política monetária do Fed para o ano inteiro, mas o mercado de trabalho dos Estados Unidos continua robusto. Se os salários acelerarem e produzirem mesmo que uma moderada inflação anual acima de 2%, os temores de pelo menos mais duas elevações de taxas de juro neste ano retornariam, possivelmente provocando choques nos mercados e levando a um aperto nas condições financeiras. Isso, por sua vez, reavivaria as preocupações sobre o crescimento da economia dos Estados Unidos.

Em segundo lugar, à medida que a desaceleração na China continua, a combinação atual de modestos estímulos monetários, creditícios e de incentivos fiscais pode se mostrar inadequada devido à falta de confiança do setor privado e aos altos níveis de capacidade ociosa e de empréstimos assumidos pelas empresas. Se as preocupações com a desaceleração da China ressurgirem, os mercados poderão ser seriamente afetados. Por outro lado, uma estabilização do crescimento renovaria adequadamente a confiança do mercado.

Um terceiro fator, relacionado a esses, é o comportamento do comércio. Embora uma escalada do conflito sino-americano possa prejudicar o crescimento global, a continuação da atual trégua por meio de um acordo sobre o comércio tranquilizaria os mercados, mesmo que a rivalidade geopolítica e tecnológica dos dois países continue crescendo ao longo do tempo.

Em quarto lugar, a zona do euro está em plena desaceleração econômica. Ainda não é possível saber se a União Europeia está caminhando para um crescimento potencial mais baixo ou se estamos diante de algo pior. O cenário só será determinado por uma conjunção de variáveis nacionais — tais como os acontecimentos políticos na França, na Itália e na Alemanha — com fatores mais amplos, tanto regionais quanto globais.

Obviamente, um Brexit “difícil” afetaria negativamente a confiança dos negócios e dos investidores no Reino Unido e na União Europeia. A hipótese de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ampliar sua guerra comercial para o setor automotivo europeu reduziria gravemente o crescimento em toda a União Europeia, e não apenas na Alemanha. Por fim, muito dependerá de como os partidos eurocéticos se comportarão nas eleições para o Parlamento Europeu em maio deste ano. E isso, por sua vez, aumentará as incertezas que cercam o sucessor do presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, e o futuro da política monetária da zona do euro.

Em quinto lugar, a política disfuncional interna dos Estados Unidos poderia aumentar as incertezas em nível global. A recente paralisação do governo federal sugere que todas as próximas negociações sobre o orçamento e o teto da dívida se transformarão em uma guerra de atrito entre os partidos. Um relatório esperado do procurador especial Robert Mueller pode ou não levar a um processo de impeachment contra Trump. E, até o fim do ano, o incentivo fiscal dos cortes de impostos republicanos se transformará em empecilho fiscal, possivelmente enfraquecendo o crescimento.

Em sexto lugar, os mercados de ações tanto nos Estados Unidos quanto em outros lugares ainda estão supervalorizados, mesmo após a recente correção. À medida que aumentam os custos salariais, podemos ter a indesejada surpresa de ver cair as receitas e margens de lucro das empresas americanas. Com a possibilidade de as companhias, já altamente endividadas, terem de arcar com custos de empréstimos de curto e longo prazos mais altos, e com muitas ações do setor de tecnologia ainda sujeitas a novas correções de preço, não se pode descartar o perigo de outra onda de aversão a riscos e uma consequente correção (uma baixa significativa) do mercado.

Em sétimo lugar, os preços do petróleo podem ser empurrados para baixo por um excesso de oferta, devido à produção de xisto nos Estados Unidos, a uma potencial mudança de regime na Venezuela (que traria expectativas de aumento de produção ao longo do tempo) e a fracassos dos países da Opep em cooperar uns com os outros para limitar a produção. Embora os preços baixos do petróleo sejam bons para os consumidores, eles tendem a enfraquecer as bolsas dos Estados Unidos e os mercados nas economias exportadoras de petróleo, gerando preocupações quanto à inadimplência das empresas nos setores de energia e afins (como aconteceu no início de 2016).

Fábrica na Alemanha: uma guerra comercial movida por Trump ameaçaria a União Europeia | Ralph Orlowski/Reuters

Finalmente, as perspectivas para muitas economias dos mercados emergentes dependerão das mencionadas incertezas globais. Os principais riscos incluem desaceleração nos Estados Unidos ou na China, maior inflação nos Estados Unidos e um subsequente aperto financeiro do Fed, guerras comerciais, um dólar mais forte e queda nos preços do petróleo e das commodities em geral.

Embora paire uma nuvem sobre a economia global, o ponto positivo é que isso tornou os principais bancos centrais mais conciliadores, começando pelo Fed e pelo Banco Popular da China, rapidamente seguidos pelo Banco Central Europeu, pelo Banco da Inglaterra, pelo Banco do Japão e outros. Ainda assim, o fato de a maioria dos bancos centrais estar numa posição altamente acomodada significa que há pouco espaço para flexibilização monetária adicional. E, mesmo que a política fiscal não estivesse constrangida na maioria das regiões do mundo, as medidas de estímulo tendem a ser adotadas somente depois que o crescimento econômico já está estancado, e normalmente com um atraso significativo.

Pode haver fatores positivos suficientes para fazer deste um ano relativamente decente, embora medíocre, para a economia global. Mas, se alguns dos cenários negativos delineados anteriormente se concretizarem, a desaceleração sincronizada de 2019 poderá levar a uma paralisação global do crescimento e a uma forte desaceleração do mercado em 2020.


Pier Marco Tacca/Getty Images

Nouriel Roubini é executivo-chefe da Roubini Macro Associates e professor na Escola de Negócios Stern, da New York University 

Acompanhe tudo sobre:Crescimento econômicoFed – Federal Reserve SystemRecessão

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda