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Os riscos da polarizaçao política no Brasil

Steven Levitsky, coautor do livro "Como as Democracias Morrem", diz que o atentado contra Bolsonaro é um alerta para o extremismo, um risco à democracia

Levitsky: “O PT e o PSDB precisam dar um sinal claro de moderação e credibilidade um para o outro” | Aloisio Mauricio/Fotoarena/Folhapress /

Levitsky: “O PT e o PSDB precisam dar um sinal claro de moderação e credibilidade um para o outro” | Aloisio Mauricio/Fotoarena/Folhapress /

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Flávia Furlan

Publicado em 13 de setembro de 2018 às 05h58.

Última atualização em 13 de setembro de 2018 às 16h32.

O Brasil alcançou mais uma vez um nível alto de polarização na política, não tão elevado quanto aquele identificado nas décadas de 60 e de 80, mas igualmente perigoso para a democracia no país. A tentativa de assassinato do candidato Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal, que levou uma facada durante um comício no dia 6 de setembro, denota essa situação. Essa é a opinião do cientista político americano Steven Levitsky, de 50 anos, professor de governo da Universidade Harvard e autor do livro Como as Democracias Morrem, ao lado de Daniel Ziblatt.

“A polarização é muito perigosa. Ela pode matar uma democracia, porque os políticos e os cidadãos não ficam em alerta para os riscos e se tornam menos responsáveis em suas posições”, disse Levitsky a EXAME. Segundo ele, a situação pode ser solucionada quando houver o restabelecimento da confiança do cidadão nos políticos e no combate à corrupção — e quando os partidos de centro-direita e centro-esquerda retomarem o diálogo. Confira.

O que o episódio da facada no candidato Jair Bolsonaro revela sobre o momento da política brasileira?

Tentativas de assassinato por pessoas loucas podem acontecer em qualquer lugar e a qualquer momento. Mas não há dúvida de que a extrema polarização e o nível elevado de medo e ódio que existem hoje na política brasileira, que não existiam há dez anos, estão criando um clima em que esse tipo de ataque se torna mais comum. Esse é um mau sinal.

O país alcançou um nível inédito de polarização em sua história?

O Brasil teve momentos de maior polarização no passado, como nos anos 60 e nos 80. No final dos anos 80, a centro–direita, principalmente a paulista, estava muito preocupada com o PT, que era muito mais radical naquela época do que é hoje.

Nesse nível de polarização, o que pode ocorrer com o país?

Sempre que houver violência na política, seja no discurso dos candidatos, seja no de líderes e seus apoiadores, a democracia está ameaçada de novo. A polarização é muito perigosa. Ela pode matar uma democracia, porque políticos e cidadãos não ficam alerta para os riscos e se tornam menos responsáveis em suas posições.

Quais são esses riscos aos quais o senhor se refere?

Estou realmente preocupado com o país. As democracias não morrem atualmente como morriam no passado. Estive no Brasil em agosto e notei que ainda se fala em golpe militar pensando que esse é o caminho da morte de uma democracia. Não é o caso. As democracias hoje morrem nas mãos de presidentes eleitos que destroem as normas constitucionais lentamente. A preocu-pação com o Brasil é que está ficando cada vez mais difícil garantir que um partido democrático, de centro-direita ou de centro-esquerda, eleja um presidente do país. 

O senhor está pessimista…

Muitos países, incluindo os Estados Unidos, sobreviveram a períodos de maior polarização e a episódios de violência. O final dos anos 60 e o início da década de 70, por exemplo, foi um período de ódio político para os americanos. A situação ficou mais séria com o assassinato de John Kennedy em 1963, de Bob Kennedy e Martin Luther King em 1968, e com o atentado ao candidato à Presidência George Wallace em 1972, que me lembra o ataque a Bolsonaro. Foram tempos difíceis. O Brasil não está condenado a nada. Mas aqui vai um alerta: as coisas estão ficando perigosas.

Qual seria, então, a saída para essa situação no Brasil?

Esse tipo de episódio violento poderia ser usado como motivo para reduzir a polarização, mas não sei se vai ser. Alguns fatores, no entanto, ajudariam. Por exemplo, se a economia voltasse a crescer e se os brasileiros acreditassem que a Justiça e as elites políticas estão dando os passos reais para combater a corrupção.

A Operação Lava-Jato não deu um sinal de combate à corrupção?

O Judiciário tem sido muito ativo, mas não acho que os brasileiros estejam convencidos de que os líderes políticos estão seriamente dispostos a mudar o jeito como fazem política. Então, uma séria reforma na política mostraria um sinal de resiliência, de que a democracia está funcionando e de que as soluções extremas não são mais necessárias.

Os próprios partidos poderiam tomar a frente desse processo?

É urgente que o PT e o PSDB, os dois pilares da democracia brasileira, falem um com o outro de maneira muito consciente, para colocar um fim na polarização extrema entre a centro-direita e a centro-esquerda.

De que forma isso se tornaria viável?

O PT está muito bravo e desconfiado. O partido acredita que foi removido ilegitimamente do poder em 2016 e, apenas dois anos mais tarde, está sendo prejudicado na oportunidade de voltar ao poder. Já o PSDB não confia que o PT seja um partido responsável e apto a governar — e o fato de os petistas defenderem o governo de Nicolás Maduro, da Venezuela, não ajuda. Cada um precisa dar um sinal claro de moderação e credibilidade para o outro.

A polarização do Brasil faz parte de uma tendência global?

Essa é uma boa pergunta. É verdade que existem muitas democracias no mundo sofrendo de extrema polarização. Os Estados Unidos estão claramente passando por isso. Até mesmo a Suécia, uma das democracias mais estáveis e bem-sucedidas do mundo, fez uma eleição no dia 9 de setembro que estava altamente polarizada. Não tenho certeza se as causas da polarização na Europa e nos Estados Unidos, que têm muito a ver com a imigração, são as mesmas do Brasil. Não acho que exista uma única causa que explique tudo. Mas não há dúvidas de que a polarização está crescendo em várias partes do mundo.

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