Revista Exame

Os pessimistas contra o dragão chinês

A China vem carregando a economia mundial nas costas — mas há gente apostando que tudo vai dar errado

Construção na China: Dubai multiplicada por mil? (Imagine China/Latinstock)

Construção na China: Dubai multiplicada por mil? (Imagine China/Latinstock)

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Da Redação

Publicado em 8 de fevereiro de 2012 às 05h00.

São Paulo - O investidor americano Jim Chanos é um especialista na arte de encontrar problemas onde reina o oba-oba. Gestor de um fundo de 6,5 bilhões de dólares, Chanos é o mais famoso “urso” do mercado americano — apelido dado aos investidores que apostam contra empresas que julgam problemáticas.

Sua fama foi catapultada em 2001, quando apostou pesado na queda das ações da companhia de energia Enron. Muito antes da divulgação de que os balanços da empresa eram tão verdadeiros quanto uma nota de 3 dólares, Chanos fez as contas e viu que nada, ali, parava em pé. À época, as ações valiam 90 dólares.

O resultado da história é conhecido: a cúpula da Enron foi parar na prisão, as ações caí­ram para 1 dólar e Chanos ficou ainda mais rico do que já era. Se encontrar problemas em companhias é sua especialidade, de uns tempos para cá ele decidiu inovar.

Uma década depois de faturar com o ocaso da Enron, ele aposta, agora, contra um país inteiro: a China, que, com seu incrível crescimento econômico, vem ajudando a impulsionar ações de empresas do mundo inteiro, sobretudo no Brasil.

Areia movediça

Como sempre acontece com investidores do contra, Chanos não economiza adjetivos e advérbios ao descrever o que identifica como indícios de que a China é um castelo de cartas prestes a desmoronar. Para ele, o país que vem carregando a economia mundial nas costas não passa de uma “Dubai multiplicada por mil”. Seu alvo principal é o sistema bancário chinês.

“Ele está construído em areia movediça. Os bancos deviam agradecer à Itália e à Grécia por tirar a atenção de cima deles”, disse recentemente. Uma de suas apostas são as ações do Agricultural Bank of China, um dos maiores do país.

Segundo Chanos, a instituição mantém no balanço papéis podres remanescentes de crises bancárias ocorridas desde o fim da década de 90 que somam o equivalente a 120% de seu valor contábil. Sua estratégia tem sido encorajada pelo desempenho da bolsa chinesa.

Em 12 meses, enquanto o principal índice de ações do mercado americano subiu minguados 2%, o da bolsa de Xangai caiu 13%, e o índice de instituições financeiras chinesas do país, 14%. Mesmo com o espantoso crescimento econômico dos últimos anos, portanto, a bolsa chinesa está longe de ser um bom lugar para investir.


Quando apostam contra uma determinada empresa, os ursos — como os pessimistas são conhecidos — têm uma estratégia básica. Primeiro, alugam ações dessa empresa, para depois vendê-las e, se tudo der certo, recomprá-las a um preço mais baixo.

Quando os ursos apostam contra o dragão, no entanto, essa estratégia é impraticável, já que as bolsas chinesas impedem as vendas a descoberto de ações (a exceção é a bolsa de Hong Kong). A solução é encontrar empresas estrangeiras que se beneficiam do fenômeno chinês e apostar contra elas.

Chanos, por exemplo, escolheu a brasileira Vale como um de seus alvos preferenciais. Nos últimos dez anos, as ações da empresa valorizaram 1 195% em razão da demanda chinesa por minério de ferro. 

Pouso suave ou colapso?

Outros gestores buscaram formas menos usuais de apostar contra a China. Um deles é o investidor britânico Hugh­ Hendry — que, com seu jeito fanfarrão, gosta de entrar em guerras verbais contra gente como o Nobel Joseph Stiglitz (num debate na TV sobre a crise grega, Hendry perguntou a Stiglitz: “Em que planeta você vive?”).

O britânico se tornou uma celebridade anti-China depois de uma viagem ao país em 2009, quando produziu e postou na internet um vídeo mambembe de 5 minutos. Nele, mostrava prédios e mais prédios desocupados nas cidades — um sinal, para os ursos, de que a China vive em estágio avançado a sua própria bolha imobiliária.

A fama de Hendry se consolidou em 2011, quando sua carteira dedicada à China, lançada em 2010, teve retorno de 46%. Nada mal para um ano em que 60% dos fundos de hedge ficaram no vermelho, segundo a consultoria Hedge Fund Intelligence. “O mundo faz um julgamento incorreto, associando o crescimento de PIB à criação de riqueza.

A China é imbatível para gerar PIB, mas em detrimento da criação de riqueza”, diz Hendry. Seu malabarismo envolveu montar uma carteira com seguros de proteção contra calote (credit-default swaps, ou CDS) de cerca de 20 empresas japonesas que exportam para a China. O custo do seguro, em 0,50% ao ano, estava baixo demais para companhias que sofreriam com a desaceleração chinesa, avaliou Hendry.

Apostas tão contundentes doem aos ouvidos de entusiastas da economia chinesa, como o veterano investidor Jim Rogers. Embora admita que o país sofrerá reveses no percurso, o ex-sócio do bilionário George Soros vê a China a caminho de se tornar a maior economia do mundo — portanto, um dos melhores lugares para investir.


No ano passado, em um almoço em Singapura, onde mora, Rogers fez um alerta ao colega Chanos, que visitava a Ásia. “Disse que, se ele realmente acredita que a China é Dubai vezes mil, como tem falado, ou não entendeu Dubai ou não entende a China”, disse Rogers a EXAME.

A frase de Chanos, sobre a bolha imobiliária do Emirado Árabe que desembocou em uma crise de dívida em 2009, virou seu bordão. E se os gestores estão fazendo dinheiro, diz Rogers, é pelas razões erradas. “Hendry só ganhou com os CDS do Japão porque lá houve um terremoto e um tsunami que afetaram o desempenho de todas as empresas, o que levou o preço do seguro às alturas.”

Não é difícil entender que previsões catastróficas sobre a China, como as de Chanos e de Hendry, sejam vistas com reserva. Gordon Chang, colunista da revista Forbes, é autor de um livro, publicado em 2001, no qual previa o colapso da economia e do sistema político do país em cinco a dez anos — coisa que, bem se sabe, não passou nem perto de acontecer.

Hoje ele está ainda mais pessimista, e, claro, totalmente desacreditado. À parte os exageros, o fato é que a desaceleração da economia chinesa se tornou o cenário-base para investidores do mundo inteiro — mesmo os líderes políticos do país consideram o ritmo dos últimos três anos insustentável.

Esse fenômeno será acompanhado com especial atenção pelos investidores brasileiros, dado que o vaivém da Bovespa, tão dependente das empresas de commodities, tornou-se umbilicalmente ligado ao desempenho da economia chinesa. Há sinais de que essa freada já começou.

Os preços dos imóveis na China, por exemplo, vêm declinando desde setembro, enquanto as vendas de terrenos nas 130 maiores cidades caíram 31% no ano passado. O que ninguém sabe é se essa desaceleração seguirá do jeitão atual (ou seja, suave) ou descambará para um pouso forçado cheio de mortos e feridos.

Para os brasileiros, o melhor é torcer para que tudo caminhe da forma mais tranquila possível. Quanto aos ursos, sabe-se muito bem qual é a torcida deles.

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