Revista Exame

Os novos sócios do Roberto Setubal

Inspirado no modelo criado pelos bancos de investimento, o Itaú Unibanco começa a distribuir ações a um grupo de eleitos entre seus 4 000 executivos

Executivos do Itaú Unibanco, na sede, em São Paulo: eles estão entre os 56 escolhidos na primeira etapa do programa (Germando Lüders/EXAME.com)

Executivos do Itaú Unibanco, na sede, em São Paulo: eles estão entre os 56 escolhidos na primeira etapa do programa (Germando Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.

Durante anos, o grupoda foto acima acostumou-se a tratar Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, pela respeitosa alcunha de doutor. A mesma reverência distinguia dezenas de executivos do banco até pouco tempo atrás. Hierarquia sempre foi coisa séria dentro da instituição financeira, conhecida como uma das mais formais do país. Num esforço para mudar a tradição construída ao longo de seis décadas, recentemente os funcionários foram estimulados a pôr fim nessa história de doutor pra cá, doutor pra lá. Pelo menos na teoria, Roberto Setubal virou simplesmente Roberto. Pedro Moreira Salles, presidente do conselho de administração, Pedro. Com o mesmo intuito, outros velhos símbolos de poder também ficaram para trás nos últimos dois anos — como um restaurante exclusivo para gerentes, crachás com cores diferentes para cada cargo e vagas cativas na garagem para os mais graduados.

Recentemente, o Itaú Unibanco deu seu maior passo no sentido de diluir o peso da hierarquia nas relações entre seus funcionários. Desde agosto, um grupo seletíssimo de 56 profissionais pode chamar Roberto e Pedro não apenas pelo primeiro nome mas também de sócios. Eles são os primeiros eleitos do recém-criado programa de sociedade, destinado a um grupo de 4 000 executivos com desempenho acima da média. “É uma revolução para o banco”, diz Ricardo Villela Marino, vice-presidente responsável pela área de recursos humanos do banco e bisneto do fundador, Alfredo Egydio de Souza Aranha. “Estamos levando a meritocracia às últimas consequências.”

Um programa de sociedade tão abrangente não representa apenas um movimento inédito para o Itaú Unibanco — mas também é exceção entre bancos de varejo no país. A distribuição de ações em bancos comerciais brasileiros em geral é privilégio dos que sentam muito perto da cadeira do presidente. No Itaú, por exemplo, o benefício era concedido desde 1995 somente aos 100 diretores executivos e vice-presidentes. O novo programa não só amplia o público-alvo como traz uma diferença fundamental. Antes, para ser sócio, bastava chegar ao topo da corporação. Agora, apenas os melhores ganham o direito de comprar ações. É um choque de meritocracia numa companhia com tradição em distinguir profissionais de acordo com a patente — e não com base nos resultados. “Eles tiveram coragem para mexer em seus pilares, numa mudança cultural profunda”, diz Marcelo Santos, sócio da consultoria Doers, especializada em recursos humanos.


O modelo é declaradamente inspirado em bancos de investimento como o Goldman Sachs e o antigo Garantia. São exemplos que Marino, de 36 anos, conhece de perto. Antes de ingressar no Itaú, em 2002, ele trabalhou nas duas instituições. No caso do Itaú Unibanco, a proposta de pensar num novo modelo de premiação surgiu na união dos dois bancos, no fim de 2008. Na época, um comitê de recursos humanos com 19 profissionais das duas bandeiras mapeou o que cada companhia fazia de melhor. O estilo menos hierarquizado do Unibanco, que mantinha desde 2007 um programa de sócios para 70 executivos, ajudou a bolar o princípio do novo programa — mas teve de ser aprimorado para servir à nova corporação, quase cinco vezes maior.

Desde o início, a maior dificuldade foi criar uma maneira eficiente de descobrir, em meio a milhares de executivos, quem mereceria o prêmio. A chave está numa análise que envolve três etapas. Na primeira delas, todos os 4 000 principais executivos passam por uma avaliação 360 graus, em que cada pessoa é analisada por até oito colegas, superiores e funcionários — o dobro do número de entrevistas realizadas na antiga estrutura do Itaú, por exemplo. Cada avaliação é integralmente acompanhada por um relator (um superior que não é chefe direto do executivo em questão). Na segunda etapa, o relator apresenta um parecer ao comitê de RH da área de negócios em que o executivo analisado trabalha. Finalmente, os executivos são classificados num diagrama com nove casas, que leva em conta tanto a avaliação 360 graus quanto o cumprimento das metas. Todos aqueles que ocuparam os três quadrantes mais bem posicionados foram submetidos ao crivo do comitê executivo do banco, composto de todos seus dez vice-presidentes. Desses, 56 foram aprovados. “Para chegar ao nome final dos novos sócios, demos prioridade àqueles que apresentam resultados excelentes há pelo menos três anos, e que têm perfil para um dia suceder os membros do comitê executivo. Não é uma análise meramente matemática”, diz Marino. A partir de 2011, os atuais sócios também participarão da escolha dos novos integrantes do grupo, em reuniões a cada dois anos.


Por enquanto, o programa dispõe de 120 vagas, divididas em dois grupos: o dos sócios e o dos associados. Para separar os dois times, novamente o critério utilizado é o da meritocracia (os associados não são necessariamente menos graduados, mas receberam uma avaliação inferior à dos sócios). Todos eles têm direito a usar uma parcela do bônus, pago duas vezes ao ano, para comprar ações do Itaú Unibanco. Para cada real que investirem, o banco acrescenta outro. Todos têm de esperar três anos para exercer o direito de vender as ações compradas. O que diferencia os dois grupos, além do tamanho da bolada que recebem (cujo valor não é revelado), é o tempo de mandato — quatro anos para os associados e oito para os sócios. “Esse tipo de programa fortalece a manutenção dos talentos do banco”, diz Rodrigo Dantas, diretor da área financeira da consultoria Roland Berger. “Agora fica muito caro roubar executivos do Itaú Unibanco.”

A notícia foi uma surpresa para os eleitos, já que ninguém sabia da existência do programa até que a lista final com todos os nomes estivesse pronta. O sigilo, proposital, serviu para evitar que o burburinho prejudicasse a primeira avaliação. O paulista Wagner Sanches, superintendente de crédito e cobrança, de 39 anos (14 deles no Itaú), recebeu a convocação para uma conversa com o vice-presidente da área com apreensão. “Achei que seria transferido, promovido, até demitido”, diz Sanches, um dos 14 superintendentes selecionados entre 700 pares. “Nunca imaginei que me tornaria sócio.”

O pragmatismo da meritocracia também tem seu lado menos cor-derosa. Do mesmo modo que seleciona os melhores, a triagem identifica os 10% em pior posição, que entram automaticamente na berlinda. Para esse pessoal foi desenvolvido um plano para melhorar os resultados. Quem repetir o mau desempenho em abril de 2011, quando ocorrerá a segunda avaliação pelo novo critério, estará na rua. Em breve, o programa deverá valer para mais gente, assim como acontece em empresas como AmBev — neste ano, 200 executivos do médio escalão se tornaram sócios da cervejaria. “Em 2011, vamos avaliar também os coordenadores, atingindo um público de 10 000 pessoas”, diz Marino. “Queremos que todo mundo que entre no banco, desde o estágio, tenha o sonho de se tornar sócio.”

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