Revista Exame

Lideranças que vão além e não se limitam a trazer apenas bons resultados financeiros

Um bom gestor não é aquele que se limita ao lucro da empresa. O mercado e os próprios consumidores esperam mais

Loja do Magazine Luiza em São Paulo: processo seletivo apenas para pessoas negras (Leandro Fonseca/Exame)

Loja do Magazine Luiza em São Paulo: processo seletivo apenas para pessoas negras (Leandro Fonseca/Exame)

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Da Redação

Publicado em 30 de junho de 2022 às 06h00.

Última atualização em 4 de julho de 2022 às 16h46.

Há cerca de um ano e meio, um programa de trainee ganhava as manchetes Brasil afora. Refiro-me ao processo seletivo do Magazine Luiza, voltado só para pessoas negras. Hoje em sua segunda edição, o programa se propõe a ampliar a diversidade racial nos cargos de liderança da companhia.

A preocupação é fruto de dados concretos. Em um levantamento interno, a empresa havia constatado que, embora 53% de seus funcionários se declarassem negros (pretos ou pardos), apenas 16% deles ocupavam cargos de liderança. O “polêmico” programa de trainee foi desenhado para melhorar essa proporção e, ao que tudo indica, tem funcionado: hoje a empresa declara ter mais de 40% de seus funcionários negros em posições de liderança.

Mas isso não impediu a formação de uma controvérsia. Para muitos, o Magazine Luiza estaria praticando discriminação contra os demais candidatos. Será? A questão foi respondida pela própria fundadora da empresa, Luiza Trajano, em entrevista ao programa Roda Viva: segundo ela, havia dificuldade em encontrar candidatos negros para cargos mais elevados. Obstáculos como a falta de inglês fluente ou de um curso de extensão impediam essas pessoas de participar dos processos seletivos. A solução encontrada foi abrir um programa de trainee exclusivo, de modo que a empresa pudesse formar novos gestores, inclusive investindo recursos em sua capacitação profissional.

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Creio que esse caso ilustra bem a importância de uma liderança alinhada com o valor da responsabilidade social. Empresas são formadas por pessoas. Logo, por mais que uma companhia tenha clara sua missão institucional, bem como regras sólidas de governança interna, qualquer iniciativa dependerá sempre do engajamento de um ou mais indivíduos, com suas crenças, visão de mundo e, é claro, preconceitos. Ações de caráter social, especialmente as mais disruptivas, só vingam quando os gestores responsáveis acreditam de fato na causa que os motiva.

Um programa de trainee exclusivo para pessoas negras parte da constatação de que o racismo estrutural é um fator social num país marcado por séculos de escravidão, seguidos por uma abolição que não criou mecanismos de compensação ou de inserção dos ex-escravizados na sociedade e que, portanto, criou desigualdades extremas de oportunidades entre negros e brancos. Daí a necessidade de ações afirmativas.

O caso do Magazine Luiza não é isolado. No início do ano, dezenas de empresas questionaram publicamente o LinkedIn após a derrubada de um anúncio de vaga que priorizava pessoas negras ou indígenas. A rede social precisou recuar. Outro indício: cada vez mais empresas — como ­Ambev, Gerdau, Vivo e iFood — estão aderindo voluntariamente ao Pacto de Promoção da Equidade Racial, que propõe medidas para combater o racismo e reduzir desigualdades nas companhias. Todas essas ações começam pelo reconhecimento, por parte das lideranças, de que suas empresas têm uma responsabilidade para com a sociedade e um papel a desempenhar na promoção de um país mais justo.

Mas o que garante esse alinhamento? De certa maneira, ele é fruto do próprio modo de organização do ser humano. Somos atravessados por três dimensões da experiência: pensar, sentir, agir. Nessa perspectiva, nenhuma esfera atua de maneira independente — assim como a cabeça não pode pensar sem a ajuda dos órgãos dos sentidos, que coletam as informações empíricas ao nosso redor. Logo, a percepção de um problema, aliada à sua assimilação em nível emocional, leva o ser humano à ação.

Nossa sociedade está mais consciente sobre mazelas como o racismo, a desigualdade­ de gênero ou a devastação do ambiente. Não são crises fabricadas, mas problemas concretos que, há até pouco tempo, não recebiam a devida atenção da opinião pública. Isso mudou graças ao trabalho de intelectuais e movimentos sociais que se debruçam sobre tais questões (o pensar) e artistas que nos ajudam a exercitar a empatia diante das injustiças (o sentir).

Um bom gestor não se limita a trazer lucro. O mercado e os consumidores esperam mais. No atual cenário, lideranças corporativas com sensibilidade social são cada vez mais valorizadas. São elas que têm o poder de transformar a solidariedade em ação.

(Arte/Exame)

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