Revista Exame

Os líderes de 2015

Definições políticas devem continuar influenciando de forma decisiva o ambiente de negócios. O desempenho da economia brasileira vai depender da atuação do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. E os Estados Unidos preparam-se para o início das eleições


	Joaquim Levy: o mercado gostou da escolha do novo ministro da Fazenda, mas está pagando para ver se dará certo
 (Wilson Dias/ABr)

Joaquim Levy: o mercado gostou da escolha do novo ministro da Fazenda, mas está pagando para ver se dará certo (Wilson Dias/ABr)

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Da Redação

Publicado em 2 de fevereiro de 2015 às 09h15.

São Paulo - Definições políticas devem continuar influenciando de forma decisiva o ambiente de negócios. O desempenho da economia brasileira vai depender, em larga medida, da atuação do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. No exterior, os Estados Unidos — que, aos poucos, voltam à sua função de motor da economia mundial — preparam-se para o início do processo eleitoral.

Hillary Clinton deve anunciar em breve se concorrerá à presidência. ao lado de empresários, financistas, um juiz e o presidente de uma potência em crise, Levy e Hillary são líderes que devem contribuir para moldar o panorama econômico em 2015.

A maior dúvida de 2015

O economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do banco central, disse certa vez que o governo costuma “comprar o eleitor à vista e obriga a sociedade a pagar por ele a prazo”. Se a farra orçamentária dos últimos seis anos garantiu ao PT duas vitórias nas eleições presidenciais, parece ter chegado a hora de pagarmos a conta.

É o que indica a escolha de Joaquim Levy para comandar o Ministério da Fazenda. Fiscalista convicto, formado na escola de Chicago, Levy vai precisar amolar suas mãos de tesoura para executar a tarefa à sua frente. As contas públicas brasileiras estão bagunçadas de um jeito que não se via há muito tempo.

No último ano, o buraco foi equivalente a 5% do PIB. Isso fora a quantidade de esqueletos que se escondem nos armários de instituições usadas e abusadas pelo governo — BNDES, Caixa Econômica Federal e a notória Petrobras guardam ossadas que custarão caro ao Tesouro Nacional. 

A escolha de Levy foi saudada como a “melhor possível” por muita gente. Mas, como as expectativas ajudam a formar o preço das coisas, pode-se dizer que a postura geral do mercado é esperar para ver. Após seu discurso, as ações caíram, o dólar subiu. Em tese, ele falou o que o mercado queria ouvir.

Levy anunciou que o governo faria um superávit primário de 1,2% do PIB em 2015. Na perspectiva histórica, é um patamar até modesto, já que vínhamos poupando 3% do PIB até outro dia. Mas, dada a desordem atual, é um cavalo de pau de 100 bilhões de reais no orçamento. Nos dois anos seguintes, o ajuste sobe para 2% do PIB.

No papel, é o que o país precisa para controlar as contas, aumentar a confiança dos empresários e retomar um crescimento com base em investimentos do que em consumo. Mas a grande dúvida de 2015 é: ele terá autonomia para fazer um ajuste que pode colocar o país em recessão? Se tiver, terá a ajuda do governo inteiro, já que sua margem de manobra é pequena?

Estima-se que apenas 8% do orçamento esteja sob controle direto do Executivo (na conta, estão incluídos todos os investimentos federais, inclusive aqueles que o PT jura que não vai cortar nunca).

Por mais que queira reduzir gastos e saiba como fazê-lo, Levy vai precisar que sua chefe, a presidente Dilma Rousseff, conclame os demais ministros e o Congresso para, juntos, chegarem ao tal superávit de 1,2%.

Não é preciso ser muito pessimista para prever a dificuldade que a presidente terá para “vender” um programa que é a antítese do projeto que, afinal, a reelegeu. Não basta dar autonomia ao novo ministro. Sem ajuda, não há tesoura que resolva o problema.

A vez de Hillary?

Desde o fim da segunda guerra mundial, os americanos deram três mandatos seguidos ao mesmo partido somente uma vez. Foi de 1976 a 1988, quando o republicano George Bush sucedeu Ronald Reagan ao fim de seu segundo mandato. No pêndulo típico dos sistemas bipartidários, é mesmo esperado que o desgaste de dois mandatos resulte na vitória da oposição

E, no quesito desgaste, Barack Obama, o atual ocupante da cadeira, tem dado um baile. Após uma série de fiascos na área doméstica (como a desastrosa implementação da reforma na saúde) e na política exterior (a ascensão do terrorismo tresloucado do Isis, o ebola, Putin, e por aí vai), a aprovação do governo Obama chegou ao chão. Está, hoje, no mesmo nível do fim do governo de seu antecessor, George W. Bush.

A coleção de trapalhadas deu aos republicanos o controle do Senado nas eleições de novembro. Mas ganhar a Presidência em 2016 vai ser um pouco mais difícil para a oposição. Será preciso, afinal, ganhar de Hillary Clinton.

Isso, claro, se ela decidir concorrer. Sua azeitadíssima máquina de pré-campanha (que oficialmente nem existe) já deixou escapar que o anúncio do “sim” ou do “não” acontecerá no início de 2015. É consenso, no entanto, que o suspense é mentirinha, calculado para transformar a hora do “sim” num evento midiático. A grande dúvida começará no dia seguinte — o que Hillary fará para vencer desta vez?

É fato que ela larga favorita. Tanto para conseguir a indicação do Partido Democrata quanto para vencer as eleições gerais de 2016. Mas a verdade é que Hillary já esteve em situação semelhante em 2008, quando a líder absoluta foi estraçalhada pelo senador iniciante Obama. Seu grande desafio será construir um discurso que, ao mesmo tempo, anime a base democrata (jovens, sindicatos, minorias) e a descole da atual administração.

Hillary foi secretária de Estado no primeiro mandato de Obama e tem batalhado para criticar Obama sem ser vista como “traíra” pelos democratas. Haverá algum “Obama” para derrotar Hillary entre os democratas? Especula-se que sua maior rival será Elizabeth Warren, a senadora anti-Wall Street tida como heroína pelas alas mais radicais do partido — e que tentará atacar Hillary pelo flanco esquerdo.

Caso ambas entrem na campanha, será uma disputa e tanto pela alma do partido. Mas a potencial rival entrará em jogo como azarão. As primárias vão acontecer no início de 2016, mas, no peculiar sistema eleitoral americano, a campanha começará em 2015. Mais precisamente, quando Hillary disser o que todos esperam: sim.

Hillary Clinton: ela é, de novo, a favorita à indicação dos democratas. Haverá outro Obama para derrotá-la agora? (Carlo Allegri/Reuters)

Pega ladrão

O juiz federal Sérgio Moro é um dos maiores especialistas em lavagem de dinheiro do país.­ Estudou o tema na Universidade Harvard e participou do julgamento do maior caso de lavagem de dinheiro do Brasil, que desbaratou o esquema de envio ilegal de recursos ao exterior por intermédio do banco Banestado, na década de 90.

Hoje, Moro está à frente da Operação Lava-Jato, que investiga as denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de recursos em empreiteiras ligadas a obras públicas e na Petrobras. Em dezembro, 36 pessoas foram indiciadas pelo Ministério Público. Cabe a Moro analisar as acusações e transformar suspeitos em réus.

Ao assumir o caso, ele passa a fazer parte de um clubinho informal de “superjuízes”, que têm processos de grande relevância nas mãos e começam a ser vistos como os salvadores da pátria contra a corrupção. Moro, claro, já está sendo comparado a Joaquim Barbosa, que comandou o julgamento do mensalão.

Seu maior desafio é evitar que o petrolão vire petrolinho — e que o julgamento termine com o pagamento de multas e a punição de um punhado de gerentes, sem apontar os maiores beneficiados, de fato, pela corrupção. Moro e os procuradores do caso têm tentado andar sobre a linha fina que separa a punição aos culpados do caos que a declaração de inidoneidade das maiores empreiteiras do país causaria à economia.

Por enquanto, a denúncia deixa claro que o objetivo é punir executivos, e não empresas. Mas de uma investigação como essa, e nas mãos de quem está, só se pode dizer uma coisa: é impossível saber como isso tudo vai acabar.

O caçador de ícones

Aos 76 anos, o banqueiro Joseph Safra, segundo homem mais rico do Brasil, não está mostrando nenhuma disposição para diminuir o ritmo. Safra fechou recentemente suas duas maiores aquisições fora do mercado financeiro — ambas no exterior. Em outubro, em sociedade com a Cutrale, maior produtora brasileira de laranja, concordou em pagar 1,3 bilhão de dólares pela Chiquita Brands, principal produtora de banana do mundo.

No mês seguinte, comprou por 1,1 bilhão de dólares o edifício Gherkin, um arranha-céu de 180 metros de altura que é um dos cartões-postais de Londres. Ambos os negócios foram disputados — e não saíram barato. A Chiquita estava no meio de um processo para se fundir com uma concorrente quando Safra e Cutrale decidiram fazer uma oferta hostil — e pagar mais — pela empresa.

Executivos próximos ao banqueiro dizem que seu interesse no exterior não é achar barganhas, mas “ícones”: companhias líderes em seus setores ou empreendimentos imobiliários que dificilmente deixarão de gerar receita.

Além dessas transações, o grupo Safra, que Joseph comanda sozinho desde 2006, depois de encerrar uma ruidosa disputa com o irmão Moise (que faleceu em 2014), é dono de um dos maiores private banks da Suíça, criado após a compra do banco Sarasin, em 2011.

Essas transações não são coincidência, mas reflexo de uma estratégia de diversificação: estima-se que, hoje, quase metade do patrimônio do grupo Safra esteja no exterior.

No Brasil, o crescimento gira em torno dos negócios gerados pelo banco Safra, oitava maior instituição financeira do país. Por aqui, o banco está crescendo como poucos.

Apoiado numa forte expansão da carteira de crédito para empresas, o lucro aumentou 29% de janeiro a setembro de 2014, para 1,2 bilhão de reais — e a meta é fechar o ano com um lucro recorde de 1,5 bilhão de reais. É mais dinheiro para Joseph Safra conti­nuar comprando ícones lá fora.

Pronto para outra

Monotonia não é a praia do carioca Carlos Brito, presidente da AB Inbev, a maior cervejaria do planeta. Ele começou sua carreira na Brahma em 1989 e, nos últimos anos, emendou um grande negócio atrás de outro. Em 2008, arquitetou a compra da cervejaria Anheuser-Busch, por 52 bilhões de dólares. Em 2012, pagou mais 20 bilhões pela mexicana Modelo.

A cada compra, reforçava a reconhecida capacidade de cortar custos e fazer dinheiro. Hoje, a AB Inbev vende 20% das cervejas do mundo, mas tem 33% dos lucros do setor. Brito, por sua vez, embolsou mais de 280 milhões de dólares ao cumprir as metas estabelecidas no acordo com a Anheuser-Busch.

Em 2014, quando jornalistas e investidores cogitavam que era hora de sua sucessão, Brito, aos 54 anos, começava a preparar aquela que pode ser a maior aquisição da história do setor. Em setembro, o Wall Street Journal informou que a AB Inbev tentava levantar 120 bilhões de dólares para comprar a inglesa SAB Miller, a segunda maior cervejaria do planeta.

O negócio criaria a quinta maior empresa do mundo, com valor de mercado de 270 bilhões de dólares. O plano B, na visão de analistas, seria a compra da gigante de alimentos Pepsico ou até da Coca-Cola. Com uma aquisição dessas, a AB Inbev assumiria uma dívida pantagruélica. Brito já esteve em situa­ções parecidas antes — errado nunca deu.

Hora de gastar

Ao longo do dia 26 de outubro, o domingo do segundo turno das eleições presidenciais, Patrice Etlin, responsável pela gestora americana de fundos de private equity Advent, na América Latina, recebeu dezenas de ­e-mails de investidores estrangeiros. Mesmo antes de saber o resultado das eleições, eles queriam confirmar o interesse em pôr seu dinheiro no novo fundo que estava sendo criado pelo Advent.

As captações haviam sido encerradas no começo de novembro, ao atingir 2,1 bilhões de dólares, o maior valor já levantado por um único fundo de private equity na América Latina. E não foi só o Advent que conseguira atrair recursos: as gestoras Gávea e Pátria captaram, ao todo, 3 bilhões de dólares para aplicar em empresas brasileiras. 

Parece um pouco paradoxal que a atual lamaceira econômica do país esteja atraindo tanto dinheiro de fora, mas não é difícil entender as razões. Não é trivial, no mundo de hoje, achar bons investimentos.

E, para quem quer comprar empresas, o Brasil ainda é um dos mercados que combinam escala (o tamanho da população) com um bom número de alvos para aquisições e um grupo de gestores de private equity, que passou com sucesso por todo tipo de situação.

Hoje, os fundos de private equity têm um peso na economia brasileira que jamais tiveram. Etlin é uma espécie de pioneiro. Está à frente do Advent desde 1997 e já comprou 14 companhias de diferentes setores — a rede de ensino Kroton e a varejista de moda Dudalina, por exemplo.

Cheios de dinheiro para investir, Etlin e seus concorrentes têm uma oportunidade e tanto à frente. Com a estagnação econômica, mais empresas precisarão se associar a fundos que lhes permitam crescer sem se endividar. Talvez os preços cobrados diminuam. Gente como Etlin sabe que é nos piores momentos que são feitos os melhores negócios.

Valentão e pobre

vladimir putin: o presidente pretende atrair capitais russos exilados com anistia fiscal para tentar incentivar o crescimento (Mikhail Klimentyev/AFP)

O presidente russo Vladimir Putin, o ursão que rugiu alto na arena global nos últimos anos, enfrentará em 2015 a mais séria ameaça a seu poder em mais de uma década. A queda no preço do petróleo tem o potencial de enfraquecer seriamente a economia da Rússia, um dos maiores produtores e exportadores do mundo.

O recuo dos preços já está tendo um efeito (negativo) muito maior sobre a economia do país do que as sanções impostas pelos países ocidentais depois da anexação da Crimeia, em março, e da intervenção na guerra civil da Ucrânia.

A indústria de óleo e gás representa 70% das exportações e metade das receitas do governo russo. No último ano, o recuo dos preços já comeu 90 bilhões de dólares das reservas internacionais do país, e o rublo atingiu a pior cotação da história em relação ao dólar.

Os russos brincam que o dólar baterá os 63 rublos no ano que vem para igualar-se à idade do presidente — o que representaria uma desvalorização de 50% em um ano (a cotação atual é de 58 rublos). O governo já admite que a economia entrará em recessão em 2015.

Pendurado no poder há 15 anos, autoritário ao extremo e dono de uma ambição geopolítica que lembra os tempos da Guerra Fria, Putin não tem demonstrado nenhum receio de se tornar pária internacional. Mas nada disso para de pé sem uma sólida base econômica.

Qual será o efeito concreto da crise que já começou? Putin parece confiar que atrair o capital dos milionários russos no exterior com anistia fiscal ajudará a economia. Pode até ser que ajude, mas não vai resolver seu problema se o petróleo continuar no patamar de preço atual.

Conhecedor que é da história russa, Putin sabe o nome da última potência nuclear que entrou em colapso porque tinha ambição desmedida e uma economia em frangalhos — União Soviética.

Rumo aos 100 bi?

Travis Kalanick, fundador da empresa de caronas pagas Uber, gosta de se definir como o tipo de empreendedor que “pisa no acelerador”. Seus inimigos, cada vez mais numerosos, dirão, em resposta, que o pendor de Kalanick pela velocidade faz dele um atropelador em série. Desde a criação do Uber em 2009 (anteontem, portanto), o empresário só faz brigar.

Taxistas, seus maiores rivais, não passam de “idiotas”. O modelo de negócios do Uber, que conecta passageiros a motoristas profissionais ou amadores, é questionado em quase todos os 52 países em que atua, incluindo o Brasil. O serviço foi suspenso em cidades da Alemanha, Holanda e Estados Unidos. Um de seus motoristas foi acusado de estuprar uma passageira na Índia.

O Uber, que não se responsabiliza pelo comportamento de quem quer que seja, diz não ter nada a ver com isso. A empresa também foi criticada por supostamente analisar corridas de clientes para saber se eles dormem em casa após noitadas, uma óbvia invasão de privacidade. Peter Thiel, grande investidor de tecnologia, diz que o lema do Uber deveria ser “Faça o mal, mas não seja pego”.

A chiadeira é grande, mas o pé de Kalanick está mesmo fundo no acelerador. O fato é que a clientela adora a praticidade do serviço do Uber, e a empresa está crescendo num ritmo espantoso, mesmo para os padrões do Vale do Silício. Em dezembro, foi avaliada em 40 bilhões de dólares após uma rodada de investimentos. É o dobro do que valia seis meses atrás. Seu próximo passo é chegar à Ásia.

É natural, assim, que a abertura do capital do Uber seja considerada a próxima da lista de IPOs ultrabilionários que incluiu, de 2012 para cá, Facebook, Twitter e Alibaba. Os investidores esperam que o Uber valha ao menos 100 bilhões de dólares quando emitir ações.

Kalanick se mantém firme no controle: aos 38 anos, é um dos maiores acionistas do Uber. Se a abertura do capital acontecer, possivelmente, em 2015, atropelar tanta gente terá sido o melhor negócio da vida dele.

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