Revista Exame

Os influencers da pandemia

Posts de temas como saúde e bem-estar estão em alta nas redes sociais. Já a turma da moda precisou se reinventar

Fotos de Lailson Santos, Renato Pizzuto, Futura Press e Folhapress /

Fotos de Lailson Santos, Renato Pizzuto, Futura Press e Folhapress /

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Da Redação

Publicado em 9 de abril de 2020 às 05h00.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 14h52.

Ninguém em sã consciência vai dizer que o vírus que até o começo de abril havia ceifado mais de 50.000 vidas foi proveitoso. Mas é inegável que alguns vão chegar ao fim da pandemia em curso bem maiores do que entraram. O biólogo Atila Iamarino faz parte desse grupo. Doutor em microbiologia pela USP, ele comanda desde 2010, com o historiador Filipe Figueiredo, o Nerdologia. Trata-se de um canal no YouTube com 2,76 milhões de inscritos dedicado à divulgação científica e também ao humor. Não combina exatamente com a seriedade da covid-19, o que levou o bió­logo a dar mais atenção às próprias redes sociais. Nelas tem postado vídeos explicativos, sem direito a gracinhas, sobre a evolução da pandemia e estratégias para diminuir os riscos de contágio, como o isolamento social. Resultado: do mês passado para cá, ganhou 615 novos inscritos no YouTube, 350.000 seguidores no Instagram e mais 256.000 no Twitter.

Para os influenciadores da área da saúde, o saldo da pandemia, profissionalmente falando, tem sido positivo. No papel de autoridade em saúde, Iamarino foi o entrevistado do programa Roda Vida, da TV Cultura, que foi ao ar no dia 30 de março. Uma foto publicada dez dias antes em sua conta no Instagram é mais uma prova de quanto ele está em alta. Paga pela Chevrolet, mostra o biólogo escorado na nova versão da Tracker, a SUV da montadora, que também bancou um vídeo sobre o automóvel veiculado no canal Nerdologia. “Por ter virado um grande porta-voz do assunto da vez, ele acabou entrando no radar de marcas que não têm ligação direta com o segmento dele”, avalia Rafael Coca, um dos sócios da agência Spark, que faz a ponte entre influenciadores e empresas interessadas no chamado marketing de influência, um mercado que movimentou 8 bilhões de dólares no ano passado.

Pelas contas da agência, o youtuber conseguiu dobrar o engajamento de suas publicações e acumulou 1 milhão de likes só em março. A Spark também monitorou as redes de outras estrelas da internet, a exemplo do comediante Whindersson Nunes, com 39 milhões de inscritos no YouTube, e concluiu que as postagens relacionadas ao novo coronavírus têm tido uma taxa de engajamento 20% maior. Outro indício de que falar sobre a doença é uma escolha acertada: no dia em que revelou pelo Instagram que havia sido infectada, a blogueira Gabriela Pugliesi ganhou 120.000 seguidores — agora soma 4,5 milhões. Desde então, o remédio tem sido ficar em casa e registrar o dia a dia da quarentena, não sem um publipost ou outro, patrocinados por marcas que levaram seus produtos até a porta dela.

A verdade é que quem tem propriedade para falar sobre a pandemia ganhou os holofotes — a pediatra Ana Escobar e o cardiologista Ricardo Kalil, outro diagnosticado com a doença, também registraram aumento expressivo de seguidores e likes. Para a turma que vive de “recebidos” e está habituada a postar fotos em hotéis, restaurantes e destinos deslumbrantes, inacessíveis em tempos de isolamento social, o jeito foi se reinventar. “Quem tem realmente o que dizer e sabe se comunicar vai se destacar”, acredita Alice Ferraz, fundadora da plataforma F*Hits, associada a 250 influenciadoras de moda e beleza. “Em condições normais, a maioria tem ajuda de maquiador e fotógrafo. Agora precisa se virar por conta própria, sem sair de casa.” O que está em jogo: por cada post pago, alguém com mais de 2 milhões de seguidores costuma embolsar 25.000 reais.­ “Estou optando por conteúdos mais úteis para o momento”, diz Camila Coutinho, que se enquadra no perfil. “Não é hora de alimentar o consumo nem de expor privilégios.”

A ironia é que a audiência nunca foi tão boa. “Está todo mundo em casa grudado no smartphone e atrás de conteúdos para se informar e se divertir”, diz Paulo Leal, presidente local da SamyRoad. Também especializada em marketing de influência, a agência tem escritórios em dez países. Iniciada a quarentena, o escritório brasileiro viu a procura de marcas interessadas em firmar ações com influenciadores crescer 60%. “A maioria não está preocupada em vender produtos, e sim em ajudar a combater a pandemia.” Para colaborar, a agência propôs que as maiores estrelas digitais com as quais trabalha, uma multidão de 400 pessoas, diminuam o cachê em até 25% neste momento.

A próxima campanha de Dia das Mães de um cliente da SamyRoad, uma operadora de celular, dá uma pista de como os departamentos de marketing devem se comportar daqui em diante. Como é provável, muitas mães terão de comemorar a data longe dos filhos. A meta é frisar como a telefonia ajuda a diminuir a saudade, em vez de apenas sugerir um celular como presente. “Errar na mensagem neste momento pode ser fatal”, acredita Jorge Junior, gerente de marketing da BMW. Em janeiro, a montadora anunciou um novo time de embaixadores, formado pelo fotógrafo Gabriel Wickbold, a atriz Fiorella Mattheis, o empreendedor Tallis Gomes e o DJ Thiago Mansur. Como não é hora de sair acelerando, a marca pediu a todos que pisassem no freio e buscassem alternativas para divulgar a marca sem sair de casa. Mansur, por exemplo, compartilhou sua ida à garagem para ouvir música ao volante de seu BMW X4, devidamente no ponto morto.

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