Revista Exame

Os funcionários públicos sempre querem mais...

Ser funcionário público hoje dá prestígio e reajuste salarial acima da inflação — mas uma onda de greves mostra que sempre se pode pedir um pouco mais


	Manifestação de grevistas em Brasília: aposentadoria integral, estabilidade e sem desconto no salário pelos dias parados
 (Fabio Rodigues Pozzebom/ABr)

Manifestação de grevistas em Brasília: aposentadoria integral, estabilidade e sem desconto no salário pelos dias parados (Fabio Rodigues Pozzebom/ABr)

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Da Redação

Publicado em 30 de agosto de 2012 às 09h58.

São Paulo - No último dia 25, enquanto técnicos do Ministério do Planejamento, em Brasília, reviravam as plani­lhas que diriam a eles se se­ria possível conceder aumentos salariais a servidores do Executivo, o grupo de grevistas que estava na porta do ministério tocava repetidamente, em uma caixa de som, a música Índia, do deputado federal e palhaço Tiririca (PR-SP).

No mesmo dia, outro grupo de grevistas direcionava duas potentes caixas de som para as janelas do prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária para tocar, no maior volume possível, músicas da banda Mamonas Assassinas.

Em ambas as cenas, o som alto advogava por melhores salários para cerca de 350 000 servidores federais que paralisaram as atividades, segundo a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal, ou a metade disso, nas contas do governo. E o barulho talvez tenha sido o argumento mais eloquente a ser usado pelos grevistas.

Sem barulho, o que restava era falar das reivindicações. E elas mostram o que está na entrelinha da lista gorda de pedidos apresentada pelos grevistas: quanto mais eles têm, mais eles querem.

Ao contrário do que admitem as mais de 30 categorias que seguiam de braços cruzados até o final de julho — algumas delas paradas há mais de dois meses —, os funcionários federais têm hoje alguns dos empregos mais cobiçados do país. Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 88% das carreiras, o setor público paga mais que o privado.

De 2003 a 2011, o gasto médio do governo com os servidores do Executivo cresceu 123% — parte disso deveu-se a contratações e parte a aumentos salariais. A inflação no período foi de 52%. “A alta dos ganhos no setor público se acentuou nos últimos anos”, diz José Pastore, professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo.

“Para as mesmas profissões, a média do salário do funcionário público é bem mais alta que a do privado.” O salário médio dos servidores em 2010 foi de 2 268 reais, quase 12% maior que o de três anos antes. No mesmo intervalo, a remuneração média na iniciativa privada cresceu 8,9%, para 1 491 reais.

“E o setor público oferece estabilidade, aposentadoria integral, ausência de cobrança por produtividade e de penalizações nas greves”, afirma Pastore. “Isso não se vê no setor privado.” O privilégio das greves sem perda salarial já foi criticado até pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que disse que “greve não é férias”.

A regulamentação das greves do funciona­lismo tramita desde 2010 no Congresso — mas o impasse se arrasta desde a promulgação da Constituição, em 1988.

Contas distorcidas

As reivindicações dos grevistas são graúdas. Não há pedido de aumento salarial de 1 dígito, embora a inflação prevista no ano seja de 4,9%. Se todos forem atendidos, as despesas do governo crescerão 92 bilhões de reais, ou metade do que já gasta com o funcionalismo por ano.


Mas a distorção das contas com o funcionalismo independe de even­tuais reajustes. Ela começa pelas aposentadorias. Por ter direito a pensão integral, os servidores civis recebem por ano uma bolada de 18 bilhões de reais, correspondente à metade do défi­cit da Previdência em 2011.

No funciona­lismo federal, 955 000 aposentados e pensionistas recebem, em média, 5 900 reais por mês, enquanto 25 milhões de aposentados da iniciativa privada levam, em média, 806 reais. Outra distorção é a do alto número de servidores admitidos por indicação, os chamados comissionados, que não atravessam a peneira do concurso público.

O Brasil tem 22 000 comissionados. No Reino Unido são 300, e na Alemanha, 170. Além do número exagerado, no caso brasileiro esses cargos, situados no topo da pirâmide dos órgãos públicos, em geral são preenchidos com base não no conhecimento, e sim no apadrinhamento. 

Os grevistas dão de ombros para o cenário atual de crise externa e economia brasileira fraca. Mas não só eles. Categorias que não pararam também pleiteiam aumentos encorpados. É o caso dos analistas da Receita: eles querem 85% mais de salário, reajuste que aceitam parcelar de 2013 a 2015.

Vale notar que a categoria teve aumento de 60% em 2008, dividido em três parcelas anuais. São reajustes dignos dos tempos de hiperinflação. “Alguns pedidos são descolados da realidade”, diz Sérgio Mendonça, secretário de relações de trabalho do Ministério do Planejamento. “Uma coisa é receber como na Noruega, onde a renda per capita é de 80 000 dólares. Outra é o Brasil.”

Como os planos de carreira no serviço público não são homogêneos, algumas categorias podem até estar com salários defasados. Para essas, é lícito pedir algo melhor. Mas o olho gordo de parte do funcionalismo subverteu os preceitos de trabalhar no governo. “Hoje, quem passa em concurso acha que ganhou um direito divino. A partir dali, o Estado teria de servi-lo”, diz o presidente de um órgão público. “Mas é o oposto disso: a pessoa foi selecionada para servir à população.” É nisso que os grevistas deveriam pensar.

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