Revista Exame

Os estrangeiros invadem o campo

Os investimentos internacionais avançam rapidamente pelo agronegócio brasileiro

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Da Redação

Publicado em 23 de julho de 2013 às 13h34.

Em 1999, o americano Thomas Shanks não falava uma palavra em português, mas resolveu deixar para trás sua pequena plantação de ervilhas no estado de Nova York e embarcar para o Brasil. Decidido a viver como um grande fazendeiro, ele circulou por estradas empoeiradas até achar uma oportunidade. </p>

Passados seis anos, Shanks, hoje aos 49 anos, fala português fluentemente. E seu sonho virou realidade. Ele administra a fazenda Iowa, que vai colher 12 000 hectares de algodão e soja na região de Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia, um dos mais efervescentes pólos agrícolas do país.

A Iowa é resultado de um fundo de investimento, por meio do qual Shanks representa quase 250 cotistas estrangeiros. Ele já aposta em mais um empreendimento. Com o filho Scott, de 24 anos, Shanks criou a AgFrontier, empresa especializada em administrar negócios agrícolas para estrangeiros no Brasil. "Temos muito para crescer aqui", diz Scott.

Pelo menos outros 30 fazendeiros estrangeiros e empresas multinacionais se estabeleceram no oeste baiano nos últimos cinco anos. Naquela região do cerrado, circulam cada vez mais empresários irlandeses, holandeses, australianos, americanos e japoneses em busca de novas oportunidades.

Estão por lá os franceses da Dagris, interessados na produção de biodiesel; os portugueses da Mota & Fernandes, que plantam algodão; os neozelandeses da Leite Verde, que lidam com pecuária leiteira; e executivos chineses da comercializadora Triunion, que se organizaram para instalar uma fábrica de desencaroçar algodão.

"Desde 2000, os investimentos estrangeiros aqui somam meio bilhão de reais", afirma Eduardo Yamashita, secretário de Agricultura e Desenvolvimento Econômico de Luís Eduardo Magalhães.

Os Shanks e outros desbravadores estrangeiros do oeste baiano simbolizam uma nova fase da globalização do agronegócio.

Movidos por perspectivas de aumento na demanda por alimentos, pelo cenário de redução de subsídios agrícolas na Europa e nos Estados Unidos e pela saturação de novas terras disponíveis nesses lugares, os fazendeiros e as empresas se espalham agora por países da América Latina, da África e do Leste Europeu, atrás de novas fronteiras de produção eficiente e barata.


O Brasil é ponto de parada obrigatória nesse roteiro. Em relação aos Es tados Unidos, as propriedades aqui são maiores, e o hectare da terra pode custar menos de 10% do valor americano. "O Brasil é o destino de muitos investidores internacionais ligados ao campo", diz Marcelo Prado, sócio da MPrado, consultoria mineira especializada em agronegócios.

Não é apenas o preço das terras que seduz. As condições competitivas no agronegócio nacional são, segundo os especialistas, de altíssimo nível. Na produção de carnes, frangos e suínos, por exemplo, o país se tornou referência em qualidade e sanidade.

A produtividade em culturas importantes é alta. No caso do algodão, o resultado médio são 220 arrobas por hectare -- ante 150 arrobas nos Estados Unidos. "O Brasil tem uma agricultura de Primeiro Mundo", diz Doug Rathbone, presidente da australiana Nufarm, um dos maiores fabricantes de agroquímicos do planeta. No final de 2004, ele anunciou um investimento de 120 milhões de dólares na compra de 49,9% da cearense Agripec.

Muitos dos novos investimentos se destinam a formar bases para exportação. Nos últimos sete anos, a americana Fresh Del Monte, uma das maiores comercializadoras de banana do mundo, abriu 13 fazendas no Rio Grande do Norte e Ceará para colher banana, melão e abacaxi. Quase toda a produção vai para Itália, Holanda, Alemanha e Reino Unido.

"Fizemos um estudo no mundo inteiro e concluímos que as melhores condições para o plantio de frutas estão no Brasil", diz André Raduan, presidente da subsidiária brasileira da americana Amway, uma das maiores empresas de venda direta do mundo.

Há cerca de seis anos, a Amway vem investindo numa fazenda de 1 660 hectares em Ubajara, Ceará, onde cultiva a maior plantação de acerola orgânica do mundo. A acerola é a matéria-prima de toda a vitamina C dos suplementos fabricados pela empresa na Califórnia e vendidos em 80 países. A propriedade local rende seis colheitas por ano. Honduras, onde a empresa já teve fazendas, permitia duas.

A supremacia agrícola brasileira representa uma dor de cabeca para outros grandes produtores, principalmente para a União Européia e os Estados Unidos, que gastam 24 bilhões de dólares por ano em subsídios para as culturas de soja, milhão e algodão. Esse dinheiro extra pode estar com os dias contados.


A Organização Mundial do Comércio (OMC) vem condenando as subvenções, a produtos como açúcar e algodão. "No longo prazo, a redução dos subsídios é inevitável", afirma o advogado André Brickmann Areno, especialista em comércio internacional do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice. "Por isso, muitas empresas estão procurando se instalar em países mais competitivos."

As oportunidades mais acessíveis estão nos setores em fase de estruturação -- e não na laranja ou na soja, áreas já ocupadas por grandes empresas, como Cutrale ou Bunge. "Nos próximos anos, teremos muita movimentação em negócios ligados à carne e à cana-de-açúcar", diz Luis Marini, consultor da PricewaterhouseCoopers.

As empresas aproveitam esse momento para fazer parcerias. A carioca MPE aposta na associação com a americana Smithfield, maior processadora de carne suína dos Estados Unidos, que resultou na Carroll's Brasil, administradora da maior granja de suínos com ciclo de produção completo da América Latina, incluindo berçários de leitões e seleção genética de matrizes, em Mato Grosso.

Em áreas consolidadas, o esforço para entrar também é grande. O fundo de investimento americano AIG precisou fazer um levantamento minucioso para encontrar brechas no mercado de fertilizantes, um dos mais promissores. "Trata-se de um negócio atraente, porque toda cultura precisa de adubo", diz Eduardo Sant'anna, analista do AIG.

No final de 2004, o AIG adquiriu, por 22 milhões de dólares, uma participação de 20,6% na produtora de fertilizantes de origem mineira Heringer.

A italiana Illy, fabricante de um dos mais conceituados cafés do mundo, colocou em prática no Brasil uma estratégia de produção de grãos. Em 2000, criou a Universidade Illy do Café, em parceria com o Pensa, programa de estudos do agronegócio, desenvolvido na Universidade de São Paulo.

Nesse período, quase 4 000 produtores foram treinados e se interessaram em investir no plantio para entrar no mercado de café premium. Com a estratégia, a Illy triplicou a base de fornecedores no Brasil e hoje conta com 900 produtores. "Cerca de 60% da mistura do café Illy produzido na fábrica da empresa em Trieste é brasileiro", diz Samuel Giordano, coordenador da Universidade Illy.

Apesar das oportunidades para os estrangeiros, ainda há obstáculos que atrapalham. "Os principais estão em processos trabalhistas de bóias-frias, invasões do Movimento dos Sem Terra e em falhas nas demarcações de terras", diz o advogado Brickmann.

"Na maioria das cidades do interior, os cartórios ainda fazem registros de terras a mão, sem a menor precisão geográfica", afirma o advogado gaúcho Cristhiano Becker Cechet, que atua em Goiás e na Bahia. "O maior problema é a burocracia", diz Rui Maiera, da BWB Consulting, empresa mineira que intermedeia a vinda de fazendeiros estrangeiros para o Brasil.

Em Roraima, há cerca de cinco anos o governo tenta viabilizar a instalação do grupo japonês Mitsubishi para plantar soja voltada para a exportação. A multinacional descarta o investimento enquanto o Estado não resolver impasses na demarcação de terras indígenas -- problema que, desde Pedro Álvares Cabral, o estrangeiro tem de enfrentar no Brasil.

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